ESPECIAL COPA DO MUNDO: 1º ADVERSÁRIO DO BRASIL, A SÉRVIA

ESPECIAL COPA DO MUNDO: 1º ADVERSÁRIO DO BRASIL, A SÉRVIA

Bandeira Sérvia sendo hasteada. Foto de Aleksic (2020)

INTRODUÇÃO

Sejam todos bem-vindos ao terceiro artigo do Especial 2N Copa do Mundo! A Seleção Brasileira faz sua estreia na competição nesta quinta-feira, dia 24/11, contra a Sérvia. Aproveitando o contexto de enfrentamento entre os dois países, o presente texto objetiva aproveitar o jogo de futebol para se aprofundar na história do adversário do Brasil e nas suas relações históricas com o país. 

Este é o primeiro artigo dos três adversários do Brasil da Fase de Grupos da Copa do Mundo de 2022. Nele, exploraremos a história da Sérvia, o nacionalismo étnico, as guerras durante a década de 90 e, em consequência, o seu relacionamento com Kôssovo[1], assim como as interações com a OTAN e a UE. Por fim, também trataremos de demais temáticas relacionadas às relações internacionais do país e o relacionamento diplomático bilateral com o Brasil. Ansiosos para conhecerem mais sobre a República da Sérvia?

O ADVERSÁRIO DO BRASIL: SÉRVIA – A HISTÓRIA DE UMA NAÇÃO DOS BÁLCÃS

Ao olhar o histórico do confronto, é curioso que se perceba apenas dois jogos no nível profissional: um amistoso em 2014 e um embate na Copa da Rússia de 2018, os dois vencidos pelo Brasil (GZH, 2022). No entanto, isso acontece pelo fato da Sérvia ter feito parte da antiga Iugoslávia durante boa parte do século XX, até esse país que surgiu após a Primeira Guerra Mundial se fragmentar nos anos 1990. Depois disso, a Sérvia também se dissociou, tornando-se finalmente um Estado independente capaz de ter uma seleção de futebol com nome de seu país, o que justifica tão poucos encontros esportivos com o Brasil, o qual enfrentou a Seleção da Iugoslávia em diversas outras ocasiões

Para entender a história da agora independente República da Sérvia, faz-se necessário ressaltar que este é um país com extensão territorial de 77,474 km², com pouco mais de 6,7 milhões de habitantes e localizado no Leste Europeu, o qual faz fronteiras com Hungria, Romênia, Bulgária, Macedônia, Albânia, Montenegro, Bósnia e Herzegovina e Croácia  (CIA, 2022). Localizada a sudoeste em seu território está a região separatista do Kôssovo, que teve sua independência declarada em 2008 e hoje é reconhecida como país soberano por mais de 100 países, incluindo os Estados Unidos e a União Europeia, como república autônoma e independente. O Brasil não figura entre aqueles que apoiaram a declaração unilateral de independência do Kôssovo, conforme carta da Embaixada Brasileira à Corte Internacional de Justiça em 2009 (NOGUEIRA, 2015, p. 395).  

Capital da Sérvia, Belgrado. Foto de Žarković (2021)

A SÉRVIA ATRAVÉS DOS SÉCULOS

 A situação com  Kôssovo reverbera até hoje e ainda é uma incógnita que divide o Sistema Internacional. Para compreendê-la é importante conhecer o passado da Sérvia moderna e sua relação com seu entorno europeu. No início do século 17, a Sérvia, por meio levantes revolucionários, conseguiu sua independência do Império Otomano. A primeira Constituição sérvia remonta a 1869, situação que foi mantida até cerca dos anos 1880, quando passou a ter um status reconhecido de Principado e, posteriormente, Reino da Sérvia (EMBAIXADA DA SÉRVIA NO BRASIL, 2012). 

Nesse contexto, o nacionalismo sérvio e o pan-eslavismo – corrente ideológica que se baseia na necessidade de uma unificação política nacional eslava baseada em uma comunidade étnica, cultural e linguística – se fortaleciam cada vez mais, o que preocupava o Império Austro-Húngaro, por dominar a região da Bósnia e Herzegovina na balança de poder da região, além de ter sido uma semente para posterior perseguição étnica, por exemplo, contra os albaneses (KURTISHAJ, 2020). 

Os sérvios permaneceram com o status de Reino até a Primeira Guerra Mundial, quando o assassinato do arqueduque Franz Ferdinand, organizado pela organização ultranacionalista sérvia Mão Negra, serviu como pretexto para a invasão da Sérvia pelos austro-húngaros e a explosão do barril de pólvora europeu.  Como consequência do fim da Grande Guerra e do colapso do Império Otomano e Austro-Hungáro, o ideal iugoslavo de junção dos Estados eslavos finalmente encontrou uma configuração política que gradualmente formou o Reino dos Sérvios, Croatas e Eslovenos, ou posteriormente, Reino da Iugoslávia (EMBAIXADA DA SÉRVIA NO BRASIL, 2012; KURTISHAJ, 2020). 

Com a aproximação da Segunda Guerra Mundial e a organização do Eixo, a Iugoslávia foi invadida pelos países do Pacto Tripartite, fazendo com que seu território fosse novamente dividido. Ele foi posteriormente restaurado após o final da Segunda Guerra, com novas autoridades, consequência da fundamental participação soviética da derrocada do nazismo. Nesse caso, o país passou de Reino à República Socialista Federal da Iugoslávia (EMBAIXADA DA SÉRVIA NO BRASIL, 2012).

Com isso, é possível perceber a participação importante desses países eslavos no jogo de xadrez e conflito ideológico da Guerra Fria. Mas com o passar dos anos e a aproximação dos anos 80, uma Iugoslávia consideravelmente estável percebeu uma crescente agitação no ano subsequente à morte de Josep Broz Tito, governante da Iugoslávia socialista. Protestos de estudantes por maior autonomia à região de Kôssovo irromperam, localidade que concentra maioria étnica albanesa.  Os protestos foram duramente reprimidos pela polícia e uma importante figura surgiu nesse novo contexto de governança da Sérvia: Slobodan Milošević.  

A IMPORTANTE DÉCADA DE 1990 – SÉRVIA E SEUS CONFLITOS REGIONAIS

A Iugoslávia, após passar por longas crises ao longo da década de 1980, assim como diversos de seus aliados do bloco soviético, acabou por se dissolver no início da década de 1990. Coincidindo cronologicamente com o fim da Guerra Fria, a Iugoslávia foi se desfazendo gradualmente com as independências de Eslovênia (1991, com a Guerra dos Dez Dias); Croácia (1991); Macedônia do Norte (1991); Bósnia e Herzegovina (1992, com intervenção da OTAN); assim como o Kôssovo e a Guerra do Kôssovo (1998-1999) (BAGHDADI; SOUSA, 2022).

O então reduzido Estado iugoslavo se viu em uma posição de busca pela restauração da integridade territorial em torno de Belgrado. Esse fator colocou o país sob a influência ainda mais forte da política sérvia e nacionalismo étnico, em uma longa guerra na década de 1990. Entre outros motivos, tinha como um dos seus principais objetivos recuperar a “Grande Sérvia”, a qual considera sérvio territórios que estão por direito nas nações vizinhas. O nacionalismo das populações servio-iugoslavas foi um instrumento para se alcançar tal objetivo (KERIDIS, 1998, p. 1).

O político e governante Milošević, nesse sentido, se tornou um político ultranacionalista, com papel central, junto do general Ratko Mládic, na guerra contra a Bósnia e também na perseguição aos kossovares. Ambos foram levados ao Tribunal Penal Internacional por genocídio e crimes contra a humanidade. Milošević e Mládic foram indiciados por crimes de guerra e ambos alternam títulos de “Carniceiros de Belgrado” e “Carniceiro dos Balcãs”, respectivamente, por seus papéis nas atuações nos Bálcãs, no qual constam: limpeza étnica e genocídio durante a Guerra da Bósnia e a Guerra de Kôssovo – que resultaram em 340 mortos e a deportação de cerca de 740.000 kossovares albaneses. Entretanto, o ex-presidente Milošević faleceu poucos meses antes do veredito final do Tribunal Penal Internacional para a Iugoslávia.

A Guerra da Bósnia

Os esforços intervencionistas em direção aos vizinhos da ex-Iugoslávia são evidenciados tanto pela situação com a Bósnia quanto pela de Kôssovo. No caso bósnio, inicia-se com a anteriormente citada declaração de independência da Croácia e da Eslovênia em 1991. O Exército Nacional Iugoslavo (JNA, na sigla em língua local) se deslocou para acabar com a secessão das duas regiões, o que deu início à guerra. Inicialmente, a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) persistiu relutante em intervir na Guerra que ocorria na Croácia e Eslovênia. Em 1992 a Guerra já não ocorria em território croata, mas seguia intensa pela Bósnia (CRAWFORD, 2000, p. 43-44). 

Ao longo dos anos após o início da guerra, diversos entes internacionais tentaram a conciliação e o fim da guerra, assim como maneiras de pressionar a Sérvia pelo fim do conflito. Uma dessas ações veio da Comunidade Europeia que buscou negociações entre as partes, que falhou. Em 1992 os Estados Unidos da América (EUA) acusaram a Comunidade Europeia de não fazer nada efetivo pelo fim da situação, através do Secretário de Estado James Baker. O Conselho de Segurança das Nações Unidas também atuou criando a Força de Proteção das Nações Unidas (UNPROFOR), para proteção humanitária da Bósnia em 1992 . A UNPROFOR ofereceu suporte aéreo para as tropas da OTAN em solo e realizou ataques aéreos em prol de defender localizações militares da OTAN (CRAWFORD, 2000, p. 46). 

Posteriormente, no ano de 1995, houve intervenção da OTAN no país, o que caracterizou a primeira grande resposta da organização à uma crise. Apesar da operação (Força de Implementação) ter sido conduzida pela OTAN, ela operou com base dos artigos VII da Carta da ONU e em resultado da Resolução 1.031, de dezembro de 1995, do Conselho de Segurança das Nações Unidas[2]. Após quatro anos de guerra, foram negociados em Dayton, nos EUA, um tratado de paz que seria assinado posteriormente em Paris, França. O Acordo de Paz de Dayton reconheceu a Bósnia e Herzegovina como uma nação democrática, independente e multiétnica (OTAN, 2022).

O dia 2 de dezembro de 2004 marcou o fim da missão da OTAN na Bósnia e Herzegovina. Entretanto, em uma tentativa de solidificação da paz na região dos Bálcãs e em proteção à nação bósnia contra possíveis futuras investidas sérvias, a União Europeia (UE) lançou a Operação Althea, transferindo, portanto, parte do poder da missão da OTAN para a nova missão liderada pela UE. Porém, é importante notar que a OTAN ainda possui bases na capital Sarajevo que atuam em suporte a Operação Althea (OTAN, 2022).

A Guerra do Kôssovo

Assim como aconteceu na vizinha Bósnia, outra região dos Bálcãs necessitou de suporte militar ocidental para conter avanços militares sérvios. No caso, Kôssovo, uma pequena província da região. Kôssovo foi antes uma região do Império Otomano e incorporada à Sérvia apenas no ano de 1912, e depois, consequentemente, a Iugoslávia. Na década de 1980, marcada pelas crises no bloco socialista, começaram a ganhar força protestos liderados pelos kossovares albaneses (em torno de 87% da população da região). Tais protestos explodiram em 1998, quando iniciou a Guerra do Kôssovo em 1998 com a invasão da nação por forças sérvias (RUSSELL, 2019, p. 2)

A Guerra do Kôssovo encerrou-se no ano de 1999 após mais de 13.000 mortos no conflito. A situação teve  fim após intervenção militar conduzida pela OTAN majoritariamente através de ataques aéreos e a consequente saída das forças sérvias da região. Em 1999 o Conselho de Segurança das Nações Unidas aprovou a Resolução 1.244 criando a Força do Kôssovo (KFOR) para estabilização da região composta por cerca de 50.000 pessoas[3] lideradas pela OTAN. A KFOR, ou uma vertente da OTAN, está presente no Kôssovo até os dias de hoje (BERNADÓ, 2022).

Cidade de Prizren, com destaque para a Mesquita Sinan Pasha, no sudeste de Kôssovo. A cidade ficou conhecida em 1999 pelo ‘Incidente de Prizren’, confrontação militar entre praças alemães da KFOR contra militares iugoslavos. Foto de Selimi (2021).

Destaca-se que no ano de 2007 o ex-primeiro ministro finlandês Martti Ahtisaari conduziu um processo de negociação para independência kossovar entre as partes, que falhou por negativa sérvia[4] (RUSSELL, 2019). Porém, pouco tempo depois, em total alinhamento com o Plano de Ahtisaari, no dia 17 de fevereiro de 2008 a República de Kôssovo proclamou sua independência para a comunidade internacional. Em 2010, a Corte Internacional de Justiça (CIJ) declarou que a declaração de independência do país não está em desacordo com o Direito Internacional (RUSSELL, 2019). 

Além da presença da OTAN, a União Europeia enviou uma missão similar para a região chamada de Missão da União Europeia para o Estado de Direito no Kôssovo (EULEX, na sigla em inglês). O foco era apoiar e dar suporte para as instituições do considerado novo país para garantir a institucionalidade, democracia e autossuficiência governamental. Destaca-se que os objetivos, metas e a composição em geral tanto da EULEX quanto da KFOR da OTAN são bem similares. Além disso, as duas missões atuam em conformidade e sincronia, e, após a independência do Kôssovo da Sérvia em 2008, também provendo defesa e segurança nacional à região (BERNADÓ, 2022). A missão da União Europeia para o Kôssovo: “tem dado suporte em melhorar o Estado de Direito na Polícia Kossovar, assim como no judiciário e na aduana, seja diretamente ou via apoio de instituições nacionais” (ZUPANČIČ et al, 2017, apud BERNADÓ, 2022, p. 4).

A Constituição da Sérvia considera Kôssovo como parte integrante de sua delimitação territorial e exige que as autoridades sérvias e o presidente defendam a soberania da Sérvia sob a região de Kôssovo. Este fato engessa o potencial de aproximação entre Sérvia e Kôssovo. Além do mais, há certo distanciamento político, como a opinião pública sérvia não ser muito favorável à aproximação (RUSSELL, 2019, p. 6). Entretanto, mesmo com tais limitações e o fato que até os dias de hoje as relações bilaterais são contidas, houve um avanço significativo após 2013 com as negociações mediadas pela União Europeia que levaram aos acordos internacionais de aproximação entre Sérvia e Kôssovo (REXHEPI, SAHITI, 2021).

Na realidade, o acordo não consta, na prática, com muitos avanços sobre integração e reconhecimento, no entanto é possível destacar que a existência de um um acordo bilateral já significa um avanço marcante neste relacionamento. No entanto, ressalta-se que o acordo até hoje não foi completamente implementado pelas partes, uma vez que elas divergem sobre a interpretação de artigos que se referem a concessão de poder político para a minoria étnica sérvia em Kôssovo (REXHEPI, SAHITI, 2021).

A relação entre Kôssovo e Sérvia melhorou com a mediação dos Estados Unidos sob a administração de Donald Trump, o qual visou utilizar atuações no exterior como tentativa de fortalecer sua atribulada figura como estadista, objetivando influência para sua campanha de reeleição (THAROOR, 2020).  Tal como analistas céticos apontam, na realidade não foi assinado um tratado internacional propriamente dito, mas sim uma carta de intenções (a diferença é que este último não vincula os Estados parte). Tanto Sérvia quanto Kôssovo declararam o interesse de melhorar o relacionamento bilateral no que tange espaço aéreo, ferrovias e conexão rodoviária também. O Primeiro-Ministro de Kôssovo Albin Kurti, que chegou ao poder em fevereiro de 2020, declarou interesse à época de intensificar o processo de aproximação. 

No entanto, a situação está longe de ter uma solução definitiva. A relação entre Sérvia e Kossôvo ainda é instável em diversos âmbitos sociais, inclusive no futebol, fator que motivou o presente texto através do enfrentamento entre Brasil e Sérvia na Copa do Mundo de 2022. Mas foi na Copa de 2018 que uma comemoração de gol alçou ânimos exaltados sobre a relação. 

No confronto entre Sérvia e Suíça, pelo mesmo grupo do Brasil, estavam os jogadores Xhaka e Shaqiri, suíços de origem albanesa, que migraram com a família para a Suíça fugindo da perseguição sérvia e da guerra na ex-Iugoslávia.  Shaqiri, que usava chuteiras com a bandeira da Suíça e Kôssovo,  e Xhaka comemoraram seus gols contra a Sérvia fazendo o sinal da águia com as mãos, símbolo da bandeira da Albânia. A provocação irritou Belgrado, provocou reações na comunidade internacional e os jogadores foram punidos pela FIFA pela comemoração política (GIOVIO, 2018). Ambos os jogadores estiveram no jogo de estreia da Suíça contra Camarões nessa Copa do Mundo.

Comemoração dos gols de Shaqiri e Xhaka em composição com a bandeira da Albânia. Foto: InfoEsporte via GloboEsporte

A SÉRVIA HOJE

Sérvia e Montenegro foram os últimos remanescentes da Iugoslávia depois das separações da década de 90. No entanto, logo depois, um plebiscito aprovou a independência a Montenegro, o que subsequentemente oficializou a independência da Sérvia como é hoje conhecida. A Sérvia é atualmente um país em processo de fortalecimento das suas forças armadas. Em 2021 o orçamento militar do país mais que dobrou em relação ao ano de 2018, alcançando o patamar de US$ 1,5 bilhão. Ainda no âmbito de defesa, os sérvios compraram no ano de 2020 vários drones de guerra chineses. Da Rússia, ainda em 2020, receberam como presente 30 tanques russos T-72, além de 20 veículos armados BRDM-2 (KRAEMER, 2022, p. 6). A parceria militar russo-sérvia não limita-se apenas à aquisição de material bélico, mas também na sincronização de exercícios militares. No ano de 2019, destaca-se que as forças armadas dos dois países realizaram impressionantes 29 exercícios militares conjuntos (KRAEMER, 2022, p. 7)

Apesar de querer acesso aos mercados e países ocidentais, a visão da Sérvia quanto ao Ocidente é turbulenta por conta das posições em relação à província separatista de Kôssovo. E isso faz com que tanto a Rússia quanto o Ocidente, através da figura dos EUA e da União Europeia, invistam em movimentos de soft power na região (DAVIS; SLOBODCHIKOFF, 2018). No entanto, apesar de se manterem militarmente neutros e estarem com o status oficial de candidatos de adesão à União Europeia, os sérvios se recusam a participar de sanções contra a Rússia (EURONEWS, 2022).

Sobre a parceria bilateral com a República Popular da China, a Sérvia estendeu o relacionamento com os chineses em crítica aberta à União Europeia. Numa declaração do presidente  sérvio Aleksandar Vučić para o presidente chinês Xi Jinping de março de 2020, o presidente sérvio disse:

A solidariedade europeia não existe. Isto é um conto de fadas no papel… Nós esperamos muito e temos as maiores esperanças possíveis nos únicos que podem nos ajudar nesta situação difícil[5] – a República da China (sic)[6]. Nós pedimos à China por qualquer coisa[7].

(KRAEMER, 2022, p. 20) – Tradução nossa.

No mais, a Sérvia passou nos últimos anos por um processo de reestruturação da sua imagem externa, buscando se dissociar da imagem de país belicoso e da sua imagem ligada ao criminoso de guerra Milošević. A Sérvia hoje passa por um processo de abertura econômica, com um alto fluxo de recepção de Investimento Externo Direto ao país, além do aumento das relações comerciais com a União Europeia e boas taxas de crescimento econômico em geral. Em 2014 a União Europeia recebeu a Sérvia como candidata oficial à entrada no bloco continental, embora a posição sérvia em relação à Rússia na guerra da Ucrânia esteja atrapalhando a consideração do país. (BAGHDADI; SOUSA, 2022; EURONEWS, 2022).

CONSIDERAÇÕES FINAIS: RELAÇÕES COM O BRASIL

No âmbito da relação bilateral, nota-se que as relações entre Brasil e Sérvia são consolidadas desde 2006. Mas o país da América Latina e o antigo Reino da Iugoslávia estabeleceram relações diplomáticas em 1938, as quais continuaram amigáveis com a antiga República Federal Socialista da Iugoslávia. Hoje a Sérvia é reconhecida pelo Governo brasileiro como sucessora legal da extinta Iugoslávia e da União de Estados da Sérvia e Montenegro. Além disso, como dito anteriormente, o Brasil se mantém apoiando a Sérvia na consideração de Kôssovo como território sérvio e só apoiará a independência da província se o processo for conduzido dentro do âmbito das Nações Unidas (ITAMARATY, 2O22). 

Sendo a relação diplomática estável e positiva, a relação econômica segue o mesmo sentido. De acordo com Vieira (2022) com base nos dados do Sistema para Consultas e Extração de Dados do Comércio Exterior Brasileiro (Comex Stat), o Brasil importou da Sérvia, no ano de 2021, um total de USD 33,8 milhões, enquanto as exportações para o país báltico se encontram na casa dos USD 33,9 milhões. Em relação ao ano de 2022, entre os meses de janeiro a outubro, o Brasil importou USD 50,7 milhões em mercadorias e exportou USD 48,5 milhões para os sérvios.

Com isso, ressalta-se como um jogo esportivo, no caso Brasil e Sérvia pela Copa do Mundo da FIFA, pode representar uma oportunidade de amplificação das lentes de análise deste país do Leste Europeu e, consequentemente, de seu contexto histórico e político. Assim, se aprofundar neste contexto pode ser um passo inicial para entender as motivações das grandes potências e atores internacionais nessa peculiar região da Europa chamada Leste Europeu.

NOTAS DE RODAPÉ

[1]  Sobre a grafia que o Dois Níveis adota ao longo deste artigo, seguiremos a indicação do diplomata brasileiro Arthur Nogueira, autor do livro “Kôssovo: província ou país?” de 2015 publicado pela FUNAG.. Segue a explicação do diplomata sobre a grafia utilizada: “Em sérvio, o nome da província escreve-se Kosovo e pronuncia-se Kôssovo. Os albaneses escrevem Kosova. No Brasil, a palavra vê-se grafada ora como Kosovo, ora como Kossovo, mas raramente com acento. Como a pronúncia original não constitui atentado ao português, adotarei a grafia Kôssovo pelo mesmo motivo que se pronuncia e grafa como Sófia, e não Sofia, a capital da Bulgária. Assinalo, também, que eliminei os sinais diacríticos do sérvio.” (NOGUEIRA, 2015, p. 7)

[2] Importante ressaltar que todos os países membros da OTAN à época enviaram reforços para a operação, com exceção da Islândia, a qual enviou ajuda médica para a operação. Entretanto, não só os membros da OTAN participaram da operação, mas houve colaboração das seguintes nações: Albânia, Bulgária, Estônia, Letônia, Lituânia, Romênia, Eslováquia, Eslovênia (todos esses que se tornaram membros a posteriori da OTAN), Áustria, Argentina, Finlândia, Irlanda, Marrocos, Rússia e Suécia, além de colaborações especiais do Reino Unido, Austrália e Nova Zelândia (OTAN, 2022).

[3] Hoje em dia a missão KFOR conta com um número aproximado de 5.000 pessoas (BERNADÓ, 2022).

[4] Sobre o ex-primeiro ministro finlandês Ahtisaari, o Dois Níveis já conduziu uma entrevista exclusiva com V. Ex.º então Embaixador da Finlândia no Brasil, Senhor Jouko Leinonen, na qual foi realizada pergunta sobre a atuação externa do ex-primeiro ministro Ahtisaari.

[5] Sobre o início da pandemia de COVID-19.

[6] O presidente sérvio aqui quer se referir à República Popular da China, a China continental, não à República da China (Taiwan).

[7] No original: “European solidarity does not exist. That was a fairy tale on paper. . . . We expect a lot and have the highest hopes in the only ones who can help us in this difficult situation—and that is the Republic of China. We asked China for everything” (KRAEMER, 2022, p. 20)

IMAGENS

Foto em destaque: Bandeira Sérvia sendo hasteada. Foto de Ivan Aleksic. Unsplash. 2020. Acesso em: 21 de nov. de 2022.

Segunda foto: Capital da Sérvia, Belgrado. Foto de Ljubomir Žarković. Unsplash. 2021. Acesso em: 21 de nov. de 2022.

Terceira foto: Cidade de Prizren, no sudeste de Kôssovo. Foto de Mrika Selimi. 2021.

Quarta foto: Comemoração dos gols de Shaqiri e Xhaka em composição com a bandeira da Albânia. Foto de InfoEsporte. GloboEsporte. Acesso em: 22 de nov. de 2022.

BIBLIOGRAFIA

BAGHDADI, Tanguy; SOUSA, Daniel. Sérvia: as pretensões expansionistas do núcleo da ex-Iugoslávia. Curso em Parceria do Petit Journal com Clipping CACD: Os Bálcãs ainda são o barril de pólvora da Europa? O mundo em uma península. 2022.

BERNADÓ, Manel. The NATO and EU Missions in Kosovo: Drawing Lessons From the Past to Face Current Challenges. Finabel: European Army Interoperability Centre.

CIA. Serbia. The World Factbook. 2022.

CRAWFORD, Beverly. The Bosnian road to NATO enlargement. Contemporary Security Policy: v. 21, n.º 2, Explaining Nato Enlargement. 2000, p. 39-59.

DAVIS, G. D.; SLOBODCHIKOFF, M. O. Serbia. In: DAVIS, G.; SLOBODCHIKOFF, M. O. Cultural Imperialism and the Decline of the Liberal Order: Russian and Western Soft Power in Eastern Europe. [S. l.]: Rowman & Littlefield, 2018. cap. 5, p. 83-103. Acesso em: 22 nov. 2022

EURONEWS. Serbia‘s reluctance over Russia sanctions could hinder EU ambitions — EU Commissioner. Euronews, [s. l.], 7 out. 2022. Acesso em: 22 nov. 2022.

GIOVIO, Eleonora. A comemoração ‘política’ dos suíços que irritou a Sérvia. El País, [s. l.], 23 jun. 2018. Acesso em: 23 nov. 2022.

GÜZELDERE, Ekrem Eddy. Brazil-Turkey – Two emerging powers intensify relations. Brasília: FUNAG, 2018.

GZH. O retrospecto da Seleção contra os rivais da primeira fase da Copa do Mundo. GZH Copa do Mundo. 2022. 

ITAMARATY. Republic of Serbia. Ministério das Relações Exteriores. 2022. 

KERIDIS, Dimitris. The Foreign Policy of Nationalism: The Case of Serbia (1986-1995) and Greece (1991-1995). Ann Arbor: UMI, 1998.

KRAEMER, Richard. Serbia on the Edge. Foreign Policy Research Institute. Eurasia Program. 2022.

KURTISHAJ, Lumturije. Serbian secret terrorist organization “Black Hand” and its consequences for Albanians 1903-1917. Anglisticum Journal (IJLLIS), [s. l.], v. 9, ed. 12, p. 50-60, 2020. Acesso em: 22 nov. 2022.

NOGUEIRA, Arthur Henrique Villanova. Kossôvo: província ou país?. FUNAG – Fundação Alexandre de Gusmão. 2015.

OTAN. Peace support operations in Bosnia and Herzegovina (1995-2004). Organização do Tratado do Atlântico Norte. 2022.

THAROOR, Ishaan. The mirage of Trump’s ‘peace’ deals. The Washigton Post, [s. l.], 15 set. 2020. Disponível em: . Acesso em: 22 nov. 2022.

REXHEPI, Rinor; VIGAN, Sahiti. Kosovo-Serbia Negotiations Traektoriâ Nauki = Path of Science, Pristina, Kosovo,  v. 7, n.º 4, abril de 2021.

RUSSELL, Martin. Serbia-Kosovo relations: Confrontation or normalisation?. Serviço de Pesquisa do Parlamento Europeu (EPRS). Briefing. 2019.

VIEIRA, Jonas. Copa do Mundo: qual a relação comercial do Brasil com a Sérvia, Suíça e Camarões?. Gett. 2022.

*Artigo escrito em conjunto por:

Gustavo Milhomem Cardoso

Graduado em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Goiás. Idealizador do Dois Níveis.

Mateus Rodrigues Ramos

Natural de Catalão (GO) e graduando em Relações Internacionais pela UFG. Sou interessado por Conflitos Internacionais, temas históricos, diversidade cultural e estudo de idiomas. Apaixonado por futebol, games e cultura pop em geral, estou sempre disposto a questionar e aprender.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *