A GUERRA NAS MONTANHAS DO CÁUCASO: O CONFLITO ENTRE ARMÊNIA E AZERBAIJÃO PELA REGIÃO DE NAGORNO-KARABAKH

A GUERRA NAS MONTANHAS DO CÁUCASO: O CONFLITO ENTRE ARMÊNIA E AZERBAIJÃO PELA REGIÃO DE NAGORNO-KARABAKH

Armênia e Azerbaijão são dois ex-territórios da União Soviética (URSS), situados no leste europeu, juntos compunham a região conhecida como transcaucásia, atualmente denominada de Cáucaso do Sul. Ambos os territórios são historicamente conhecidos por serem multiétnicos, ou seja, abrigarem diferentes povos. 

A disputa territorial existente entre eles é quase tão antiga quanto os dois países, já que Nagorno-Karabakh possuiu um significado cultural e simbólico para ambos os povos. Para os armênios, Karabakh é um dos últimos resquícios de sua civilização cristã, um refúgio histórico de príncipes e bispos armênios antes do início do mundo turco oriental. Já os azerbaijanos falam dele como berço ou local de nascimento de seus músicos e poetas (DE WAAL, 2003, p. 3, tradução minha). Em termos étnicos, o local é majoritariamente composto por armênios, em sua maioria cristãos, já o território é oficialmente reconhecido como parte do Azerbaijão, cuja etnia majoritária são os Azeris de maioria muçulmana.  

Imagem 1 – Mapa do Cáucaso do Sul

Nagorno-Karabakh conflict - Wikipedia
Fonte: Wikepedia

A ORIGEM DAS TENSÕES TERRITORIAIS 

As disputas territoriais entre Armênia e Azerbaijão pela região de Nagorno-Karabakh (N-K), localizada na fronteira entre os dois países, ocorrem há mais de 100 anos.  O início exato não é bem definido, mas estima-se ter se originado por volta de 1905, juntamente com a eclosão das Revoluções Russas. Todos os territórios, até então, pertenciam ao Império Russo. Desse modo, é importante enfatizar que a interferência Russa na região vai ser um dos fatores que incentivará o conflito étnico entre os azeris e armênios. 

Karabakh, até o século XIV, foi dominada por diversos povos; árabes, mongóis turcos e persas, porém, a população continuou majoritariamente armênia. A liderança na região se manteve entre elites armênias até o século XVIII, quando em meios a conflitos se oficializou um governo Azeri, composto por turcos muçulmanos. Entretanto, quando a Rússia avançou sobre o Cáucaso e assumiu o controle da região durante a eclosão das Guerras Russo-Persa (1804-1813 e 1826-1828) instaurou-se um processo de troca populacional.

Assim, um grande número de armênios deixou as terras persas e otomanas para se estabelecer no Cáucaso russo e, respectivamente, um grande número de muçulmanos deixou o sul do Cáucaso para áreas sob controle persa ou otomano. De acordo com relatórios do censo russo, a população armênia em Karabakh representava 9% do total em 1823 (os 91% restantes sendo registrados como ‘muçulmanos’), 35% em 1832 e uma maioria de 53% em 1880. Isso mostra a relativa rapidez da troca populacional. (CORNELL, 1999, p. 5, tradução minha)

A princípio a Rússia não possuía um interesse muito grande no Azerbaijão, porém, isso  mudou no final do século XIX com a descoberta de petróleo na região, mais especificamente na capital Baku. O boom do petróleo elevou a concentração de armênios no Azerbaijão, que passaram a gerenciar os poços por serem aliados fiéis do Czar, o que lhes rendeu cargos de chefia nas indústrias. A partir daí, a sutil harmonia que existia entre azeris e armênios, que permaneceu mesmo em meio às trocas populacionais, foi abalada de forma drástica. Contudo, as tensões entre os grupos permaneceram ocultas até a primeira Revolução Russa de 1905, que também se espalhou para o sul do Cáucaso. A primeira região a ser atingida pelos protestos foi Baku, polo industrial do império Russo. Logo após, as tensões se espalharam para Shusha, no oeste de Karabakh, local onde eclodiu os primeiros distúrbios interétnicos (CORNELL, 1999).

Em 1917, com a queda do Império, a região de Nagorno Karabakh foi integrada à recém criada República Democrática Federativa Transcaucasiana, composta pela Armênia, Azerbaijão e Geórgia após se tornarem independentes da Rússia. Tal arranjo durou apenas três meses dada a impossibilidade de reconciliar três povos do Cáucaso do Sul, em grande parte devido à incompatibilidade étnica entre Azerbaijão e Armênia. Porém, havia ainda o fato de os armênios estarem interessados ​​em um protetorado britânico ou russo e os georgianos estavam favoravelmente dispostos ao domínio alemão, enquanto o Azerbaijão buscava apoio no Império Turco-Otomano. Logo, em maio de 1918, os três países se dividiram e se declararam independentes. De acordo com Oliveira (2020, p. 118):

Com a derrota do Império Turco-Otomano na Primeira Guerra Mundial, as tropas britânicas ocuparam a Transcaucásia em 1919 e passaram a região de Karabakh para o controle azeri ao nomearam Khosrov Bey Sultanov (líder muçulmano) como governador geral. Isso gerou uma alta insatisfação entre a população armênia, contudo, em fevereiro de 1920, aceitaram com relutância a jurisdição azeri, na medida em que o Estado do Azerbaijão se tornou um território autônomo soviético, tomado pelo Soviete de Petrogrado.

Vale destacar que a Armênia não possuía um território definido. Assim, o governo azeri cedeu a região de Yerevan (atual capital da Armênia) aos armênios. A partir daí, as disputas relativas a questões de demarcação territorial se ampliaram de forma violenta. O país passou a clamar outros territórios azerbaijanos que consideravam historicamente armênios. Nesse contexto, com a eclosão dos conflitos da Primeira Guerra Mundial, Karabakh se tornou um ponto de batalha entre os dois grupos, principalmente após o holocausto armênio promovido pelos turcos[1] (OLIVEIRA, 2020).

A CONTENÇÃO SOVIÉTICA 

A configuração do conflito por N-K, entre Armênia e Azerbaijão, como se conhece hoje, será construída no momento em que a recém formada URSS toma posse de todo o Cáucaso e inicia, em 1923, um processo de redesenho das fronteiras da região. A princípio, os Armênios ficaram esperançosos em relação à possibilidade de recuperar N-K, dado o histórico positivo com o governo Russo. De fato, em 1920, o comitê revolucionário do Azerbaijão soviético, pressionado pelas autoridades centrais, divulgou uma declaração em que se compromete em ceder Karabakh, Zangezur e Nakhjivan para o controle armênio(CORNELL, 1999).

Entretanto, a situação muda quando o ‘Tratado de Fraternidade e Amizade’ entre a União Soviética e a Turquia é selado. Stalin via na recém formada República Turca um importante aliado. Diante disso, concordou com as exigências de Kemal Atatürk, presidente Turco, e não só não cedeu os territórios aos armênios como os anexou ao Azerbaijão. Dado o histórico de hostilidade entre turcos e armênios, Atatürk era contrário a qualquer arranjo territorial que favorecesse a Armênia soviética, pois ele temia que se o país se tornasse forte poderia representar uma ameaça potencial à integridade territorial da Turquia (CORNELL, 1999).

A partir daí, Stalin anexou Nagorno-Karabakh ao Azerbaijão, mesmo com o fato de 95% da população ser composta por armênios. Segundo Migdalovitz (2001), o líder soviético, a fim de evitar um conflito maior entre armênios e os azeris, tornou a região de Karabakh um Oblast Autônomo, ou seja, uma unidade administrativa da União Soviética com um certo grau de autogoverno. Diante disso, entre 1920 a 1980, mediante o domínio soviético, um confronto entre os dois países foi evitado, mas a situação tornou- se cada vez mais instável com a proximidade do fim da Guerra Fria, juntamente com o colapso da URSS.

O INÍCIO DO CONFLITO 

Em 1988, a administração de N-K enviou um pedido à União Soviética para que a região fosse anexada à República Socialista da Armênia, mesmo sendo oficialmente território do Azerbaijão. O pedido foi negado, e uma onda de protesto se ergueu na região, cujo ápice ocorreu em 1992. Para De Waal (2003, p. 18, tradução minha):

O início da moderna “disputa de Karabakh” entre a Armênia e o Azerbaijão é geralmente datado de fevereiro de 1988. Mas a primeira violência, pouco registrada até mesmo na própria região, ocorreu vários meses antes disso e em outras partes da Armênia e do Azerbaijão. Em meados da década de 1980, havia cerca de 350.000 armênios no Azerbaijão (sem incluir Nagorny Karabakh) e cerca de 200.000 azerbaijanos na Armênia. No outono de 1987, as relações intercomunitárias em ambas as repúblicas deram uma guinada para pior, como se ambos os lados estivessem captando um sinal de rádio de alta frequência. 

Até 1990, a União Soviética conseguiu controlar a situação em Karabakh sem que houvesse confrontos diretos graves entre os dois países. Entretanto, em 1991, último ano da URSS, Armênia e Azerbaijão iniciaram caminhos políticos totalmente opostos. A Armênia começou a trilhar rumo a sua independência, recusando-se trabalhar com Gorbachev no novo Tratado de União – uma última tentativa de manter a integridade soviética. Enquanto isso, o Azerbaijão continuou unido ao governo soviético em prol da manutenção da União das Repúblicas Socialistas (DE WAAL, 2003).

A situação da União Soviética se tornou insustentável e o governo já não conseguia mais assegurar a estabilidade de suas fronteiras, diversos países iniciaram o processo de independência, incluindo o Azerbaijão. Aproveitando-se disso, a Armênia avançou sobre o território azeri. A independência do Azerbaijão e da Armênia foi reconhecida internacionalmente no início de 1992 e foi aí que o conflito entre os dois países atingiu um nível interestadual (DE WAAL, 2003).

No pós-1991, contexto da onda independentista das repúblicas soviéticas, os sucessivos confrontos entre armênios e azeris pela ocupação e controle de N-K escalaram ao nível do embate violento e do isolamento absoluto dos dois grupos étnicos. Em 1992, no episódio conhecido como Massacre de Khojaly, os armênios de Karabakh se rebelaram contra as vilas do enclave de maioria étnica azeri, assassinando e expulsando massivamente o grupo rival (MAKIO, 2021, p. 6).

Em setembro de 1991, a Armênia realizou um referendo em N-K e declarou a independência da região. “A República de Artsakh, Estado de facto independente erigido na região montanhosa de Nagorno-Karabakh, território oficialmente pertencente ao Azerbaijão, não é reconhecida por nenhum membro da ONU, nem mesmo pelo governo de Yerevan” – Capital da Armênia – (PEIXOTO, 2021, p. 20). Formalmente, todas ex-repúblicas soviéticas mantiveram suas fronteiras após a dissolução, logo N-K continuou um território internacionalmente reconhecido como parte do Azerbaijão. Sendo assim, a estratégia da Armênia em declarar a região independente foi uma tentativa do governo central de afastar a responsabilidade do problema de seu país (DE WAAL, 2003). 

Até 1991, a URSS conseguiu evitar um conflito mais extenso na região mediante o fornecimento de ajuda militar ao Azerbaijão para proteção de seus territórios, especialmente o N-K. Entretanto, em 1992, com a dissolução completa soviética, Karabakh perdeu seu braço armado e as forças armênias invadiram a região. Diversas aldeias azeris foram conquistadas e suas populações despejadas (CORNELL, 1999). Diante disso, os dois países entraram em guerra, deixando cerca de trinta mil vítimas e centenas de milhares de refugiados. Em 1993, a Armênia detinha o controle completo de Nagorno-Karabakh e mais 20% do território azerbaijano circundante (GLOBAL CONFLICT TRACKER, 2020).

UM CONFLITO CONGELADO?

O conflito armado entre os dois países se estendeu até 1994 quando foi negociado um cessar-fogo, com o apoio Russo, o que pôs fim ao confronto generalizado mas não às disputas políticas. Diversos atores internacionais se envolveram nas negociações de paz na região. Em 1992, a Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) criou o Grupo de Minsk formado pela coalizão entre Rússia, França e Estados Unidos a fim de que estes atuassem como mediadores do conflito. 

Em 2007, foram aprovados os Princípios de Madrid que previam, entre outros pontos, a retirada das tropas dos Estados envolvidos e a realização de um novo referendo acerca do status de N-K. Nesse sentido, desde a adoção dos Princípios de Madrid, o conflito ficou congelado e não apresentou novos ataques generalizados até 2016. Contudo, nesse período de 20 anos os países que reivindicam a região de N-K, passaram a aglutinar forças no sistema internacional, formando novas alianças estratégicas (OLIVEIRA, 2020, p. 120-121).

Segundo De Waal (2003), nos últimos anos, grande parte dos observadores internacionais buscou não dar muita ênfase no conflito congelado da região, tanto que mesmo com cessar-fogo de 1994 as hostilidades na fronteira entre os dois países continuaram de modo bilateral entre as partes envolvidas. Como resultado, a não resolução da disputa atrapalhou toda a dinâmica da região entre os mares Negro e Cáspio. A comunicação entre Turquia, Ásia Central, Rússia e Irã foi prejudicada. As rotas dos oleodutos do Azerbaijão também foram desviadas. 

Diante disso, dadas suas importâncias geoestratégicas, os dois países começaram a produzir alianças que polarizaram as atitudes internacionais. A Armênia continua aliada à Rússia e possui, também, o Irã como amigo próximo. Já o Azerbaijão utilizou seus campos de petróleo no Mar Cáspio para conquistar o apoio do Ocidente, juntamente com a Geórgia e a Turquia (DE WAAL, 2003). O papel da OSCE no local pode não ter sido suficiente para encontrar uma resolução definitiva para as disputas territoriais por N-K, mas conseguiu evitar um confronto generalizado entre os dois países. 

Desde o fim do confronto dos anos 1990, a primeira escalada de violência grave na região ocorreu em 2016, no que ficou conhecido como Guerra dos 4 dias entre 1 e 5 de abril. Na ocasião, a Armênia acusou o Azerbaijão de investidas militares que desrespeitaram o acordo de cessar-fogo. Tal declaração gerou movimentações armadas em Karabakh por ambas as partes, cujo resultado foi um confronto direto com o saldo de 200 mortos (PEIXOTO, 2021). Porém, diferente do conflito de 1993, dessa vez o Azerbaijão apresentou uma clara vantagem militar sobre a Armênia. 

Desde então, a situação se manteve estável até 2020 quando o presidente do Azerbaijão ameaçou resolver o problema através de meios militares.  “A declaração foi o estopim para uma nova escalada do conflito, que voltou a contar com investidas militares entre azeris e armênios e mobilizou Rússia, União Europeia e as Nações Unidas.” (MAKIO, p. 8, 2021). Já são quase 30 anos de impasse e nenhum acordo foi selado. Sendo assim, a situação entre Armênia e Azerbaijão permanece no que De Waal (2003) caracterizou como de “nem paz, nem guerra”, na qual as partes não conseguem entrar em acordo e a ameaça constante de guerra preocupa o sistema internacional, principalmente por causa da importância econômica da região. 

NOTAS

[1] “O genocídio armênio não foi um acidente; foi o culminar de séculos de discriminação e perseguição. A única coisa que a Primeira Guerra Mundial fez foi fornecer a oportunidade mais adequada para resolver o que ficou conhecido como a “questão armênia” e despovoar a terra histórica da Armênia por extermínio” (HINTLIAN, p.65 2003, tradução minha).

FONTES

CFR. GLOBAL CONFLICT TRACKER, 2021. Disponível em: <https://www.cfr.org/global-conflict-tracker/conflict/nagorno-karabakh-conflict> Acesso em: 15 jun. 2021

CORNELL, Svante E. The Nagorno-Karabakh Conflict. Uppsala Universitet, 1999.

DE WAAL, T. Black Garden: Armenia and Azerbaijan through Peace and Conflict. New York University: NY, 2003.

HINTLIAN, George. El genocidio armenio. Historia y política: Ideas, procesos y movimientos sociales, n. 10, p. 65-94, 2003. Disponível em: < https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=767136> Acesso em: 15 jun. 2021

MAKIO, Danielle Amaral. A luta por independência de Nagorno-Karabakh. Dossiê de Conflitos Contemporâneos, 2021.

MIGDALOVITZ, Carol. Armenia-Azerbaijan conflict. Library of Congress Washington DC congressional research service, 2001.

OLIVEIRA, S. Disputa territorial entre Armênia e Azerbaijão. Cadernos de Relações Internacionais e Defesa, v. 2, n. 3, p. 114-128, 3 dez. 2020.

PEIXOTO, Gabriel Rodrigues. Sob a névoa das montanhas: integração regional e conflito em Nagorno Karabakh. Revista de Geopolítica, v. 12, n. 1, p. 18-32, 2021.

Anna Clara Oliveira

Estudante do 7ºperíodo de Relações Internacionais na Universidade Federal de Goiás e pesquisadora no programa de iniciação científica sobre milícias brasileiras, crime organizado transnacional e assemblages globais da segurança.

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