A DIPLOMACIA ESPORTIVA DA ARÁBIA SAUDITA

A DIPLOMACIA ESPORTIVA DA ARÁBIA SAUDITA

Dois diplomatas apertando as mãos com fundo do mapa mundial. Fonte: Mitchell J. Rabin (2022).

Nos últimos anos, notícias sobre a Arábia Saudita tornaram-se frequentes na mídia internacional, em especial devido a sua diplomacia esportiva atrelada, principalmente, aos Estados europeus. Dessa forma, a abstração do que seria um Estado Rentista pode ser vista em alguns princípios sauditas, o que pode preocupar a comunidade internacional a depender da análise tomada por aquele que observa. A partir disso, analisa-se a diplomacia esportiva da Arábia Saudita como soft power para atrair investidores e empreendedorismo, a fim reduzir a dependência da economia no petróleo e mudar a imagem internacional do país, principalmente no que diz respeito aos Direitos Humanos. 

Países do petróleo: a Arábia Saudita 

Os atuais países produtores de petróleo, também conhecidos como Estados Rentistas, são territórios com abundante concentração de riquezas naturais, como Arábia Saudita, Argélia, Bahrein, Emirados Árabes Unidos, Irã, Iraque, Kuwait, Líbia e Qatar (Gasper, 2022). Ser um, então, Estado Rentista diz respeito a um governo que tem suas receitas por meio de fontes diferentes da tributação populacional, como é o caso da Arábia Saudita com o petróleo (Gasper, 2022). Entretanto, 

Ao invés de desenvolver um consenso de governo, o Estado simplesmente paga a população por sua lealdade. Como há pouca necessidade dos governantes responderem às demandas por maior abertura, os Estados rentistas têm uma forte tendência a serem antidemocráticos. […] fornecem amplos subsídios e apoio material às populações-chave, têm pouquíssima transparência governamental e poucas instituições democráticas, e são governados por pequenas oligarquias e/ou grupos militares (Gasper, 2022, p.64, tradução nossa) [1]. 

No caso da Arábia Saudita, o país é governado pela Casa Saud desde 1932, quando Abdul al-Aziz ibn Saud proclamou o reino da Arábia Saudita após vencer seus rivais no território um a um (Gasper, 2022). Desde então, o reino é uma monarquia absoluta hereditária, (Gov.Sa, 2023) com a sharia – sistema jurídico do Islã – como base legislativa do governo. Além disso, o país é berço da ideologia wahhabista, que consiste em seguir estritamente o Quran e as Hadiths – manuscrito com os dizeres do profeta Maomé – conhecida como uma vertente mais conservadora do Islã (Delong-Bas, 2004).

No que diz respeito à economia saudita, parte de suas exportações são petróleo e seus derivados, com destaque para óleo de petróleo bruto, como pode ser visto abaixo,  no Gráfico I (Atlas of Economic Complexity, 2021). Todavia, de acordo com o Fundo Monetário Internacional, nos últimos anos, a Arábia Saudita vem diversificando sua matriz econômica em uma tentativa de reduzir sua dependência no petróleo. Para isso, foram feitas melhorias nas tributações e aprovadas leis que promovem e protegem os empreendedores que desejem investir e fazer negócios no país (Mati; Rehman, 2023).

Gráfico I – Exportação bruta da Arábia Saudita (2021)
Fonte: Atlas of Economic Complexity (2021).

Soft power: a diplomacia esportiva da Arábia Saudita

Assim como houveram algumas reformas no que diz respeito ao empreendedorismo na Arábia Saudita, o país, para atrair investidores para seu território, também vem investindo na diplomacia esportiva. Como forma de soft power, definido por Robert Keohane e Joseph Nye como a “(…) capacidade de atingir objetivos por meio da atração em vez da coerção (Keohane; Nye, 1998, p.86, tradução nossa) [2], a diplomacia esportiva vem sendo elemento chave para manutenção política internacional da Arábia Saudita. A partir dela, o governo saudita pode se aproximar de diferentes países por meio de esportes, principalmente o futebol, que é mundialmente famoso e difundido. 

A título de ilustração, o time britânico de futebol Newcastle United foi adquirido por Yasir Al-Rumayyan, chefe do fundo de investimentos da Arábia Saudita em outubro de 2021 (Slater, 2022). Devido a esse dinheiro, o clube conseguiu melhorar a folha de pagamento de seus funcionários, assim como investir em novos jogadores, até ao ponto de conseguir se classificar para a Liga dos Campeões 2023 (Taylor, 2023). Por outro lado, o atual técnico do Newcastle Eddie Howe se encontra em uma posição desconfortável com a mídia, uma vez que nenhum dos comandantes sauditas se pronunciaram sobre questões de direitos humanos e ele não pretende ir contra eles (Taylor, 2023). 

Além disso, a Arábia Saudita estatizou quatro dos cinco maiores clubes do país com o intuito de atrair jogadores famosos para eles (Kay, 2022), o que realmente funcionou. Ainda em 2023, Cristiano Ronaldo foi o primeiro a aceitar o contrato multimilionário para jogar no Al-Nassr e, logo depois, Neymar foi para o clube saudita Al-Hilal. O questionamento que fica a respeito dessa absorção de investimentos e costumes e interesses tão distintos do governo saudita é como, um país conservador, vai superar as diferenças para manter os benefícios de sua mais nova diplomacia esportiva. 

Imagem internacional da Arábia Saudita

A Arábia Saudita é um país constantemente criticado por Organizações Internacionais e Não-Governamentais devido ao seu histórico com os Direitos Humanos, uma vez que

As autoridades sauditas realizaram em 2021 detenções, julgamentos e condenações arbitrárias de dissidentes pacíficos. Dezenas de defensores e ativistas dos Direitos Humanos continuaram a cumprir longas penas de prisão por criticarem as autoridades ou por defenderem reformas políticas e de direitos. A Arábia Saudita anunciou reformas importantes e necessárias em 2020 e 2021, mas a repressão contínua e o desprezo pelos direitos básicos são grandes barreiras ao progresso. A repressão quase total da sociedade civil independente e das vozes críticas impede as possibilidades de sucesso dos esforços de reforma (Human Rights Watch, 2021, tradução nossa) [3].

Atrelado a isso, além dos tribunais sauditas terem recorrido a pena de morte, foram identificadas execuções em massa pelo Parlamento Europeu e a assinatura da Lei do Estatuto Pessoal, que discrimina as mulheres e dá sua tutela a homens (Amnesty International, 2022).

Em suma, a diplomacia esportiva que está sendo adotada não levanta uma “carta branca” para a Arábia Saudita em relação aos Direitos Humanos, visto que, é um assunto que além de chamar a atenção mundial, é tratada de forma séria quando percebidas violações. A partir disso, eventos esportivos como o Grande Prêmio da Fórmula I de 2022, chamou atenção dos pilotos que, como Lewis Hamilton, convocaram a direção do evento para cobrar do país melhores condições de Direitos Humanos. Mesmo que a Arábia Saudita venha tentando melhorar sua imagem no cenário internacional a partir da diplomacia esportiva e de seu soft power, é importante rever suas atitudes relacionadas aos direitos e liberdades individuais visto que, na atual comunidade internacional, não basta manter boas relações diplomáticas, mas também cumprir com diretrizes, como os Direitos Humanos. 

Considerações finais 

Em síntese, há a tentativa de melhorar a imagem da Arábia Saudita no ambiente internacional, por meio da diplomacia esportiva, para que exista um aprimoramento de sua reputação. No entanto, ao mesmo tempo que o país tenta passar o pensamento que está sendo mais progressista e aceitando pessoas de diferentes culturas nos eventos esportivos e nos clubes de futebol nacionais, também está se colocando sob muitos holofotes. Na medida em que existe essa abertura do território saudita, a mídia, as Organizações Internacionais e os governos questionam os líderes da Casa Saud a respeito das violações de Direitos Humanos, frequentemente denunciadas dentro de seu território. 

Notas

[1] “Instead of developing a governing consensus, the state merely pays the population for its loyalty. Because there is little need for rulers to respond to the demands for greater openness, rentier states have a strong tendency to be undemocratic (…) provide extensive subsidies and material support to key populations, have very little governmental transparency and few democratic institutions, and are ruled by small oligarchies and/or military cliques” (Gasper, 2022, p.64).

[2] “(…) the ability to achieve goals through attraction rather than coercion” (Keohane; Nye, 1998, p.86). 

[3] “Saudi authorities in 2021 carried out arbitrary arrests, trials, and convictions of peaceful dissidents. Dozens of human rights defenders and activists continued to serve long prison sentences for criticizing authorities or advocating political and rights reforms. Saudi Arabia announced important and necessary reforms in 2020 and 2021, but ongoing repression and contempt for basic rights are major barriers to progress. The near-total repression of independent civil society and critical voices impedes the chances that reform efforts will succeed” (Human Rights Watch, 2021).

Imagens

RABIN, Mitchell J. The art of Dynamic Diplomacy. Meer, [S.l.], 11 set. 2022. Disponível em: https://www.meer.com/en/70657-the-art-of-dynamic-diplomacy. Acesso em: 09 out. 2023. 

Referências

AMNESTY INTERNATIONAL. Saudi Arabia 2022. Amnesty International, [S.l.], 2022. Disponível em: https://www.amnesty.org/en/location/middle-east-and-north-africa/saudi-arabia/report-saudi-arabia/. Acesso em: 03 out. 2023.

ATLAS OF ECONOMIC COMPLEXITY. Saudi Arabia. [S.l.], 2021. Disponível em: https://atlas.cid.harvard.edu/countries/188/export-basket. Acesso em: 02 out. 2023.

DELONG-BAS, Natana J. Wahhabi Islam: From Revival and Reform to Global Jihad. Oxford University Press: New York, 2004. Ebook

GASPER, Michael. The Making of the Modern Middle East. SAGE Publications, Inc: [S.l.], 2022. Ebook

GOV.SA. Arábia Saudita: a profundidade árabe e islâmica, uma potência de investimento pioneira e um eixo de ligação entre os três continentes. Gov.SA, [S.l.], 2023. Disponível em: https://www.my.gov.sa/wps/portal/snp/aboutksa. Acesso em: 07 out. 2023.

HUMAN RIGHTS WATCH. Saudi Arabia – Events of 2021. Human Rights Watch, New York, 2021. Disponível em: https://www.hrw.org/world-report/2022/country-chapters/saudi-arabia. Acesso em: 03 out. 2023. 

KAY, Oliver. Why Saudi Arabia bought Premier League soccer club Newcastle United. The Athletic, [S.l.], 06 out. 2022. Disponível em: https://theathletic.com/3652439/2022/10/06/newcastles-takeover-saudi-arabia/. Acesso em: 03 out. 2023. 

KEOHANE, Robert O; NYE, Joseph S. Power and Interdependence in the Information Age. Foreign Affairs, [S.l.], v.77, n.5, p.81-94, 1998. 

MATI, Amine; REHMAN, Sidra. Saudi Arabia’s Economy Grows as it Diversifies. International Monetary Fund, [S.l.], 28 set. 2023. Disponível em: https://www.imf.org/en/News/Articles/2023/09/28/cf-saudi-arabias-economy-grows-as-it-diversifies. Acesso em: 02 out.2023.

SLATER, Matt. Newcastle United’s takeover: How strong is Saudi Arabia’s influence on year on?. The Athletic, [S.l.], 07 out. 2022. Disponível em: https://theathletic.com/3653099/2022/10/07/newcastle-united-takeover-saudi-arabia-influence/. Acesso em: 03 out. 2023. 

TAYLOR, Louise. How the Saudi Arabian takeover changed Newcastle United. The Guardian, [S.l.], 09 ago. 2023. Disponível em: https://www.theguardian.com/football/2023/aug/09/how-the-saudi-arabian-takeover-changed-newcastle-united. Acesso em: 03 out. 2023.

Laura Silveira Curto Coelho

Graduada em Relações Internacionais da PUC Minas. Possui interesse nas áreas de Instituições, Sustentabilidade e Política Externa.

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