O DILEMA CLIMÁTICO NO ORIENTE MÉDIO

O DILEMA CLIMÁTICO NO ORIENTE MÉDIO

Imagem de Abu Dhabi. Foto: Neil Dodhia. Reprodução: Pixabay

O Oriente Médio tem o clima quente e seco como uma de suas características mais marcantes. Na região, predominam as altas temperaturas, principalmente durante o dia e no verão, e as baixíssimas precipitações, que fazem das chuvas um fenômeno cada vez mais raro em uma região desértica. A próxima Copa do Mundo, no Catar, será em novembro, época atípica para um torneio que tradicionalmente ocorre no meio do ano.

A mudança radical no calendário se justifica por ser inverno no país, quando as temperaturas ficam relativamente mais amenas (GOAL, 2022). Ainda assim, será um teste físico para os atletas, mesmo que a organização do Mundial planeje uma estrutura para que jogadores e torcedores não sintam tanto os efeitos climáticos.

Alerta para o futuro

Mas este contexto serve de alerta para um futuro, não tão longínquo. A temperatura no Oriente Médio aumenta a uma velocidade nunca vista e a um ritmo superior ao do resto do mundo (CLIMAINFO, 2022). Já é o efeito do aquecimento global do planeta, que tem sido discutido de forma cada vez mais frequente na agenda global e a situação na região certamente deverá merecer uma atenção especial nos debates da 27ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a COP-27, que ocorre em novembro, no Egito.

O secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres, deu um sinal claro do que pode acontecer com o planeta caso as emissões de carbono, entre outros fatores, continuem subindo. “Estamos a caminho de um desastre (..). A menos que os governos de todos os lugares reavaliem suas políticas energéticas, o mundo será inabitável”, ressaltou Guterres, ao comentar o último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC).  (NAÇÕES UNIDAS NO BRASIL, 2022).

Desta forma, a situação na região reforça a necessidade urgente de se pensar em alternativas para mitigar os impactos negativos do clima, como novas fontes de energia, mais limpas e menos poluentes. O Oriente Médio é a principal região produtora de petróleo, um dos principais combustíveis fósseis com parcela de responsabilidade sobre o aumento da temperatura global. Em uma região onde a matéria-prima é o carro-chefe do Produto Interno Bruto (PIB) local, o tema das alternativas energéticas renováveis torna-se um desafio. Assim, este artigo abordará o que está ocorrendo com o clima na região.  

Próxima sede da Copa do Mundo, Catar é conhecido pelas altas temperaturas. Foto: Guia do Catar

Contexto global e consequências à vista

Um estudo mais recente do IPCC (2022) revelou aumentos expressivos das emissões de carbono “em todos os setores” no período de 2010 a 2019, que vai na contramão de um dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU de propor ações que limitem, até 2030, o aquecimento global. Segundo o Acordo de Paris, os países se comprometeram a adotar medidas para limitar o aumento da temperatura da Terra em 2ºC a partir de 2020, e preferencialmente em 1,5ºC até o fim do século (IPCC, 2022).        

Neste contexto, pode-se dizer que o Oriente Médio não passa incólume nesta situação dramática e algumas partes da região podem se tornar inabitáveis caso o ritmo de elevação da temperatura na região se mantenha como está e nada seja feito para impedir a gravidade do cenário. A região passa por este dilema que pode trazer sérias consequências para a economia e para a população.

O que acontece de fato?

Um relatório do Instituto Chipre e do Instituto Max Planck de Química da Alemanha corrobora o alerta para a gravidade no cenário na região e inclui também o Mediterrâneo Oriental (THE CYPRUS INSTITUTE, 2022). O estudo, atualizado neste ano, deve ser apresentado na COP-27.

As previsões são pessimistas, com um aumento de temperatura duas vezes maior nestas duas regiões em relação à média global, o que pode tornar certos lugares impróprios para habitação (causando mortes inclusive) se a elevação das temperaturas não for contida. Estas tendem a ser cada vez maiores, aliadas a um volume de chuvas cada vez mais escasso (Idem, 2022).

Em um cenário business-as-usual, ou seja, nos níveis atuais de emissões de carbono, por exemplo, a projeção é de que a temperatura suba 5ºC até o fim deste século. As consequências podem ser desastrosas, afetando ainda as atividades econômicas, além de comprometer as reservas de água e a segurança alimentar, duas das principais preocupações atualmente (Ibidem 2022).

Desta forma, todos os prognósticos apontados pelo estudo reforçam a urgência de se tomar medidas urgentes, nos moldes do Acordo de Paris, em 2015, para conter radicalmente os efeitos negativos das mudanças climáticas, promovendo ações de descarbonização. O professor Jos Lelieveld (REUTERS, 2022), coordenador do estudo, traça um dos diagnósticos do que precisa ser feito.

“Uma vez que muitos resultados das mudanças climáticas são transfronteiriços, uma colaboração mais forte entre os países é indispensável para lidar com os impactos adversos esperados.” (Idem, 2021, tradução minha).

Interferências antrópicas

As ações humanas podem ser consideradas como um acelerador do aquecimento global. O resultado deste movimento se traduziu em um aumento da temperatura em vários países, comportamento que se intensificou de 2016 até agora, relata Marques (2022, p.1). Esse aquecimento em escala mundial é um fenômeno que acontece desde o século passado, mas veio com mais força no século XXI.

De 2015 para cá, o que se tem registrado são recordes de temperaturas altas, acima de 45º C, e estes índices são ainda mais elevados no Oriente Médio, se comparado com outras regiões do planeta. Um levantamento, no período de 2015 a janeiro de 2022, mostra que 15 países registraram temperatura recorde acima de 49,6ºC. Seis deles estão no Oriente Médio (Irã, Kuwait, Iraque, Emirados Árabes Unidos, Catar e Arábia Saudita), o que leva à seguinte previsão (2022, p.13):

“Como se pode perceber, dos 15 países elencados nos quais a temperatura atingiu ou ultrapassou 49,6ºC desde 2016, nove estão no Oriente Médio (6) e no Norte da África (3). Esses são os países ao mesmo tempo mais quentes e mais secos do mundo e, ao lado da Índia e do Paquistão, podem vir a ser os países situados em regiões inabitáveis do planeta, para os humanos e outros animais, já nos próximos decênios ou na segunda metade do século.” (Idem, 2022, p.13).

A Revista Nature (2021) avalia o futuro da seguinte forma:

“Nossos resultados, para um caminho de continuação da situação, indicam que, na segunda metade do século 21, condições de ondas de calor ultra extremas e sem precedentes irão emergir. Esses eventos envolvem temperaturas excessivamente altas (acima de 56 °C) e de extensa duração (várias semanas), sendo uma ameaça de vida para os humanos. No fim do século, cerca de metade da população do Oriente Médio e Norte da África poderia estar exposta anualmente a ondas ultra extremas de calor. É esperado que a vasta maioria desta população (acima de 90%) viverá em centros urbanos e precisariam lidar com essas condições climáticas.” (2021, tradução minha).

Debatendo o futuro

Autoridades discutem agenda climática nos Emirados Árabes. Foto: WAM

Autoridades ressaltam que o Oriente Médio também mostra preocupação com o tema e está engajado na agenda da sustentabilidade com o intuito de se adaptar às mudanças climáticas. Nos dias 28 e 29 deste mês, acontece a 8ª Cúpula Mundial de Economia Verde, em Dubai, que terá quatro temas principais: energia, finanças, segurança alimentar e juventude.

“A Cúpula deste ano está sendo realizada mesmo quando a presença do Oriente Médio continua a aumentar a agenda de sustentabilidade global através de estratégias eficazes para se adaptar às mudanças climáticas e combater seus efeitos adversos”, disse Saeed Mohammed Al Tayer, presidente da Organização Mundial da Economia Verde (WGEO), em entrevista coletiva para anunciar o evento (EMIRATES NEWS AGENCY, 2022).

O encontro nos Emirados Árabes pode ser considerado um preparativo da região para a próxima Conferência do Clima de novembro no Egito, quando certamente os países da região devem expor suas ações de combate aos efeitos negativos das mudanças climáticas, além de ser um teste piloto para os EAU, que receberão, em 2023, a 28ª edição da Conferência das Partes (COP-28), com a expectativa de a região dar mais publicidade às estratégias mais concretas de adaptação e mitigação do aquecimento global (Idem, 2022).

Considerações finais

A situação no Oriente Médio reforça a urgência de ações imediatas e conjuntas entre os países para estreitar uma união de forças em torno do combate ao aquecimento global e outros consequências relacionadas ao clima. A adesão desses países árabes à agenda sustentável de forma mais clara mostra que o mundo não poderá mais adiar suas iniciativas. O fato é que países com bons exemplos de tecnologias sustentáveis, como o Brasil, que as utiliza na agricultura, por exemplo, podem cooperar e compartilhar experiências bem-sucedidas com o resto do mundo.

E este desafio da sustentabilidade se traduz ainda em uma oportunidade para o mercado de carbono, uma alternativa para estimular os principais países emissores de gases poluentes e consumidores de energias fósseis efetivem de fato uma transição para as fontes renováveis de energia. Não será um processo simples, tamanha a dependência de muitos países de matérias como petróleo e carvão.

Contudo, uma conciliação inicial destas fontes, entre alternativas de economia verde, certamente será um passo importante para uma conscientização que pode evitar prejuízos maiores para a região e sua adesão definitiva ao conceito ESG (ambiental, social e governança), ao qual todos, impreterivelmente, terão de se adaptar. Ainda há saídas para rever este quadro, mas é preciso um start o quanto antes.   

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ADVANCING EARTH AND SPACE SCIENCE. Climate Change and Weather Extremes in the Eastern Mediterranean and Middle East. Disponível em https://agupubs.onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1029/2021RG000762

CLIMA INFO. Crise climática pode deixar áreas no Oriente Médio inabitáveis, prevê estudo. Disponível em <https://climainfo.org.br/2022/09/07/crise-climatica-pode-deixar-areas-no-oriente-medio-inabitaveis-preve-estudo/>. Acesso em 07/09/2022.

EMIRATES NEWS AGENCY. DEWA e WGEO completam os preparativos para a 8ª edição da Cúpula Mundial de Economia Verde. Disponível em <https://www.wam.ae/pt/details/1395303083705>. Acesso em 18/09/2022.

GOAL.COM. Qual a temperatura prevista no Catar durante a Copa do Mundo. Disponível em <https://www.goal.com/br/not%C3%ADcias/qual-a-temperatura-prevista-no-qatar-durante-a-copa-do-mundo/blt3e95c0ccd91c5a29>. Acesso em 14/09/2022.

INTERGOVERNAMENTAL PANEL ON CLIMATE CHANGE. The evidence is clear: the time for action is now. We can halve emissions by 2030. Disponível em <https://www.ipcc.ch/2022/04/04/ipcc-ar6-wgiii-pressrelease/>. Acesso em 17/09/2022.

MARQUES, Luiz. O Antropoceno como aceleração do aquecimento global. Disponível em <https://revista.ibict.br/liinc/article/view/5968/5583>. Acesso em 15/09/2022.

NAÇÕES UNIDAS. Relatório climático da ONU: estamos a caminho do desastre, alerta Guterres. Disponível em <https://brasil.un.org/pt-br/176755-relatorio-climatico-da-onu-estamos-caminho-do-desastre-alerta-guterres>. Acesso em 09/09/2022.

NATURE. Business-as-usual will lead to super and ultra-extreme heatwaves in the Middle East and North Africa. Disponível em <https://www.nature.com/articles/s41612-021-00178-7>. Acesso em 17/09/2022.

REUTERS. Climate change could devastate Middle East and East Mediterranean. Disponível em <https://www.reuters.com/business/environment/climate-change-could-devastate-mideast-east-mediterranean-scientists-2022-09-06/>. Acesso em 16/09/2022.

THE CYPRUS INSTITUTE. Climate change and impacts in the Eastern Mediterranean and the Middle East. Disponível em <https://www.cyi.ac.cy/images/CyI_Publications/EEWRCDownloads/CIMMEReport.pdf>. Acesso em 18/09/2022.

Pablo de Deus Ulisses

Jornalista e estudante do 5° semestre de Relações Internacionais na Estácio de Sá.

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