Lo QUé LE PAsÓ Ao SuL GLoBAL

Lo QUé LE PAsÓ Ao SuL GLoBAL

Créditos de imagem: Lena Eriksson por Pixabay

De preservação da cultura e sonhos de vida, à manifestação política e críticas ao imperialismo, o artista porto-riquenho Bad Bunny inaugura o ano de 2025 com seu sexto álbum de estúdio DeBÍ TiRAR MáS FOTOS (DtMF) e torna os olhos (e ouvidos) da sociedade para sua terra natal, Porto Rico. O país que é o lar da salsa e do reggaeton, apesar de possuir constituição própria e poder eleger representantes legislativos, está no status de “Estado Livre Associado”, categoria que garante aos Estados Unidos da América poder sobre as decisões tomadas nos patamares de segurança e fronteira. Ao longo das canções, Benito Martinez – nome verdadeiro de Bad Bunny -, discorre não apenas sobre amores e ânsias, mas também sobre memória e como registrar é um ato de resistência mais forte do que a simbologia permite abranger.

INTRODUÇÃO

A dinâmica paradoxal de Porto Rico possui raízes ainda no século XIX, quando o Império Espanhol, em seu declínio depara-se com movimentações de independência em suas colônias além-mar, devido às instabilidades sócio-econômicas promovidas pela tutela imperialista no local. Cuba, uma das principais integrantes da repartição ocidental do domínio espânico foi o palco de ações revolucionárias lideradas por grupos anti-imperialistas, cujos atos a favor da libertação da ilha do domínio espanhol tiveram início em fevereiro de 1895. As ações de repressão da gestão europeia promoveram mais insatisfação não apenas no território, como também na vizinhança, em particular destaque à população estadunidense que por meio de jornais acompanhavam o desenrolar das tensões entre os cubanos que lutavam por liberdade e o império espanhol. (Britannica, 2019; Roy e Cheatham, 2025) 

Apesar do forte apelo público a favor da intervenção em Cuba, os EUA apenas adentraram ao conflito quando questões comerciais com a ilha foram agravadas, quase dando fim às negociações entre as partes. Em 1898, após a explosão de um navio estadunidense ancorado em Havana cujo naufrágio foi responsável pela morte de mais de 260 tripulantes, as discussões sobre culpa escolheram dentre as partes e a Espanha, embora menos equipada maritimamente, mas completamente resistente a ceder sobre Cuba, declara guerra aos EUA em abril e os combates iniciam-se em Manila, capital das Filipinas. A guerra se estendeu por 3 meses até a derrota da Espanha e a cessão da mesma dos territórios coloniais, sendo eles Cuba, Guam, as Filipinas e a ilha natal de Benito Martinez, Porto Rico (Roy e Cheatham, 2025).

Com a consolidação dos EUA enquanto império no hemisfério ocidental, o regime internacional do continente americano muda e o status de Porto Rico passa a depender da gestão estadunidense. Após o fim do contencioso entre os EUA e Espanha, a ilha caribenha passa por dois anos de gestão de governos militares diretamente ligados à Casa Branca, sendo em 1900, através do Ato Foraker, que se estabelece um governo civil. Embora houvesse autonomia para eleição de legislativo, a governadoria da ilha e oficiais eram ainda, apontados pelo presidente dos EUA. Ademais, o Ato também deu aos porto-riquenhos representação no Congresso Estadunidense, mas sem direito a voto ou cidadania. Este último, viria apenas em 1917, devido à construção do Canal do Panamá e o aumento do valor estratégico da região, que promoveu a migração de mais de 1 milhão de porto-riquenhos aos EUA até meados dos anos de 1960 (Roy e Cheatham, 2025).

DESENVOLVIMENTO PARA…?

Quieren quitarme el río y también la playa
Quieren al barrio mío y que abuelita se vaya
No, no suelte’ la bandera ni olvide’ el lelolai
Que no quiero que hagan contigo lo que le pasó a Hawái
(LO QUE LE PASÓ A HAWAii, Bad Bunny 2025)


Destruição causada pelo furação Maria em 2017 na cidade de San Juan.
(Créditos de imagem: AP, via EL PAÍS (2017))


Ao falar sobre desenvolvimento e as finalidades do processo, Arturo Escobar, aborda em “Encountering Development: The Making and Unmaking of the Third World” (1995), que o conceito de desenvolver como têm-se hoje em dia nas mídias e na concepção popular não tratou-se de algo da natureza e sim dos interesses ocidentais em uma realidade pós- Segunda Guerra Mundial. O discurso de promover melhorias ao redor do mundo foi utilizado na construção de instituições internacionais hoje tidas como referência para o setor financeiro e social, como a Organização das Nações Unidas e suas ramificações, o Banco Mundial (apelidado como Clube dos Países Ricos) e o Fundo Monetário Internacional (FMI).  Para Escobar, a ideia de ”Terceiro Mundo” foi criada por mentes desenvolvimentista a fim de categorizar países tidos como atrasados e reforçar a hierarquia de um Ocidente superior, ignorando conhecimentos locais, sistemas e culturas, priorizando as formas de viver e pensar das riquezas Equador acima. 

No caso de Porto Rico, o pacto firmado entre a ilha e os EUA conjugou o primeiro à negligência e dependência em proporções fragilizantes, quando postas lado a lado com as necessidades dos habitantes de seu território. Para o IELA, Instituto de Estudos Latino-Americanos da Universidade Federal de Santa Catarina (2021), Porto Rico tornou-se, durante a tutela estadunidense como um “Estado Livre Associado”, uma área estratégica com viés de mercadoria, em que os interesses corporativos não bem representam o básico demandado pela população. Para o centro de estudos, um exemplo prático de como os porto-riquenhos, apesar de portadores de cidadania nos EUA, não são ainda enxergados como tais, faz-se presente na reação governamental frente às mazelas deixadas pelo furação Maria no país, em 2017, que foi demorada e não muito prestativa aos familiares dos mais de 4 mil mortos pelo furacão (IELA, 2021).

Nesse sentido, ao apresentar a canção “Lo que le pasó a Hawaii”, Bad Bunny explora de forma crua e sentimental as dores da população frente ao descaso governamental e falta de opções a não ser a migração para alcançar uma vida melhor. A letra, narra a história daqueles afetados pelos empreendimentos corporativos na ilha, sobre como as mudanças das margens das praias devido à construções e poluição e da maneira que o verde das matas não pode ser respirado em parte porque deixaram de ser livres ao serem vendidas para construtoras,  e em outro momento porque foram poluídas e “aproximam as pessoas de Deus” por conta da toxicidade em suas nuvens de fumaça. O cantor aborda também que o chamado desenvolvimento aplicado à ilha foi-se responsável pelo êxodo de moradores e moradoras  apontando que, 

“Se oye al jíbaro llorando, otro más que se marchó
 No quería irse pa’ Orlando, pero el corrupto lo echó 
Y no se sabe hasta cuándo”
(LO QUE LE PASÓ A HAWAii, Bad Bunny 2025)

O êxodo disposto na música, faz parte da realidade dos porto-riquenhos que vivem hoje nos EUA por conta da gentrificação da ilha. Com o furacão Maria, o ingresso de estadunidenses no território de Porto Rico teve sua intensificação através do turismo e com o apoio governamental disposto a latifundiários que dispusessem de propriedades extensas no país. Chegados inicialmente como viajantes, a permanência de cidadãos dos EUA fez com que o custo de vida ficasse elevado, embora 40% da população vivesse abaixo da linha da pobreza durante aquele período. De acordo com El País, existem mais boricuas, ou porto-riquenhos, nos EUA do que na própria ilha, estimando-se cerca de 6 milhões alocados entre os 50 estados do território estadunidense e 3 milhões residindo na ilha (Nagovitch, 2025).

Ao comparar a desejar na canção que não ocorra com sua terra natal, o que foi feito ao Havaí, o cantor aborda a anexação da ilha ao território dos EUA, após a derrubada do governo da Rainha Lili’oukalani, em 1893. Os EUA, mantinham negócios agronômicos no território referentes à produção de açúcar através de empresários influentes que passaram a ganhar espaço na política local, ocasionando em um acordo de reciprocidade dentre os país países que condicionou o Havaí a realizar vendas isentas de taxas aos EUA, intensificando a dependência do primeiro, ao último (Kinzer, 2006). 

Com a deposição da monarquia por vias irregulares e a instituição de um governo não reconhecido pelos nativos havaianos, a anexação da ilha às extensões dos EUA foi reforçada pela “desnacionalização” feita em escolas a fim de construir no imaginário popular o pertencimento à pátria colonizadora (Sai, 2018). Devido à erosão cultural e marginalização da cultura local, grupos nativos permanecem na luta por independência e autonomia após anos de domínio estadunidense.

BORICUAS HASTA LA LUNA

Para Benito Martinez, nome verdadeiro do cantor Bad Bunny, a memória é uma eficaz forma de resistência. A decisão de permanecer apesar das insistências de expulsão e luta pela preservação dos ideais locais, faz da história de Porto Rico, Havaí e tantos outros territórios uma vez colônias, parte de uma experiência não única, mas sim unificadora, na qual o apego em não soltar da bandeira ou dos cantos tradicionais, são os pontos centrais da derrota do apagamento estruturado pelo desenvolvimento capitalista. 

REFERÊNCIAS

BAD BUNNY. Lo que le pasó a Hawaii. Tradução disponível em: https://www.vagalume.com.br/bad-bunny/lo-que-le-paso-a-hawaii.html#traducao. Acesso em: 29 de março de 2024.  

COFFMAN, T. Nation Within: The History of the American Occupation of Hawaiʻi. Duke University Press, 1998.  

CHEATHAM, A., ROY. D. COUNCIL ON FOREIGN RELATIONS (CFR). Puerto Rico: A U.S. Territory in Crisis, 05 de jan de 2025. Disponível em: https://www.cfr.org/backgrounder/puerto-rico-us-territory-crisis. Acesso em: 29 de março de 2024.  

NAGOVITCH, P. EL PAÍS. Nova Iorque. Bad Bunny rinde homenaje a Puerto Rico y su diáspora en “Debi tirar más fotos” 05 jan. 2025. Disponível em: <https://elpais.com/us/entretenimiento/2025-01-05/bad-bunny-rinde-homenaje-a-puerto-rico-y-su-diaspora-en-debi-tirar-mas-fotos.html>. Acesso em 06 de abril de 2024.  

NEIRA, P.. EL PAÍS, Furacão María matou 50 vezes mais do que o Governo de Porto Rico Divulgou, 29 de ago. de 2018. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2018/08/28/internacional/1535480686_357912.html.
Acesso em: 06 de abril de 2025.

INSTITUTO DE ESTUDOS LATINO-AMERICANOS (IELA).Porto Rico e a formação do pacto colonial americano. Disponível em: https://iela.ufsc.br/porto-rico-e-a-formacao-do-pacto-colonial-americano/. Acesso em 06 de abril de 2024.  

KINZER, Stephen. Overthrow: America’s Century of Regime Change from Hawaii to Iraq. Nova York: Henry Holt and Company, 2006.  

PUERTO RICO REPORT. What’s a Free Associated State? Disponível em: <https://puertoricoreport.com/whats-free-associated-state-2/>. Acesso em 06 de abril de 2024.  

STANCHICH, M. THE GUARDIAN, People power in Puerto Rico: the canal community that escaped gentrification. 18 jan. 2017. Disponível em: https://www.theguardian.com/cities/2017/jan/18/people-power-puerto-rico-canal-community-escaped-gentrification. Acesso em 06 de abril de 2024.  

THE SPANISH-AMERICAN WAR. Encyclopædia Britannica. Disponível em: https://www.britannica.com/event/Spanish-American-War. Acesso em 02 de abril de 2024  

NATIONAL EDUCATION ASSOCIATION (NEA). The U.S. Occupation of the Hawaiian Kingdom. Disponível em: https://www.nea.org/nea-today/all-news-articles/us-occupation-hawaiian-kingdom.Acesso em 06 de abril de 2024  

PIXABAY. Porto Rico montanha parede de pedra. 2016. Fotografia colorida. Disponível em: https://pixabay.com/pt/photos/porto-rico-montanha-parede-de-pedra-1292634/. Acesso em: 7 abr. 2025.

Giovana Silva Santiago

Estudante de RI amante de frutas, livros, músicas e musicais e que se encontra em um sério relacionamento internacional com o BTS.

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