Resenha: “Para Poder Viver”, de Yeonmi Park – 2N Literário

Resenha: “Para Poder Viver”, de Yeonmi Park – 2N Literário

O livro se caracteriza como um relato biográfico da ativista de direitos humanos contra a Coréia do Norte Yeonmi Park. Ele conta a sua história de fuga do país, tráfico humano e adaptação a uma realidade longe do que lhe era comum.

 “Mesmo quando você pensar que está sozinha, os pássaros e os ratos podem te ouvir sussurrar”

Para Poder Viver

A República Popular da Coreia, mais conhecida como Coreia do Norte, é um país localizado no leste asiático e mundialmente conhecido por seu regime ditatorial e fechado para a política externa. Tornou-se um território anexado pelo Japão em 1910, contudo, com o fim da Segunda Guerra Mundial, a influência japonesa se perdeu e o Estado foi divido em duas regiões, a sul controlada pelos EUA, e a norte, pela URSS. Em 1950, iniciou-se na região a Guerra da Coreia. O conflito armado durou até um cessar-fogo garantido pelo Acordo de Armistício Coreano em 1953, sem, contudo, um acordo de paz ser instaurado. Por fim, o norte da Coreia, antes dominado pelos japoneses e depois pelos soviéticos, se constituiu como um país socialista autossuficiente e governado pela dinastia Kim. Desde esse momento, a Coreia do Norte se fechou para o mundo exterior, e qualquer tipo de comunicação dos indivíduos de fora com os de dentro – ou vice versa – se tornou terminantemente proibida. Hoje muito se diz sobre o que ocorre dentro dessas fronteiras, mas a verdade é que ninguém realmente sabe como a vida lá é, apenas os que moram no país ou os que fugiram e conseguiram sobreviver para contar a história.

E uma desses sobreviventes é a Yeonmi Park. Sua história teve um desenvolvimento trágico, mas um fim repleto de esperança. O livro é dividido em três situações importantes: vida na Coréia do Norte, “refúgio” na China e adaptação à Coreia do Sul.

No primeiro momento, os relatos da infância e início da adolescência da autora são simplesmente inacreditáveis. Além da fome, da violência e do medo vivido por ela enquanto criança, a obra explicita as coisas que eram ensinadas a ela de forma completamente errônea sobre o mundo exterior desde que era pequena. O livro revela como o medo e o ódio se tornaram as maiores fontes de controle do governo norte coreano.

“Na segunda série estudávamos matemática simples, mas não do modo que se ensina em outros países. Na Coreia do Norte, até mesmo a aritmética é um instrumento de propaganda. Um problema típico seria assim: “Se você matar um bastardo americano e seu camarada matar dois, quantos bastardos americanos mortos você terá?” Nunca podíamos dizer somente “americano” – isso seria respeitoso demais. Tinha de ser “bastardo americano”, “demônio ianque” ou “ianque narigudo”. Se não dissesse desse jeito, seria criticado por ser amável demais com nossos inimigos”

Para Poder Viver

Em segundo plano, após a fuga, a vida na China foi brutal com a pequena Yeonmi. Com apenas quinze anos, a garota teve de vivenciar uma vida inteira de sofrimento: foi submetida ao tráfico humano, à violência sexual, a padecer como imigrante indesejada, com o medo constante de ser entregue pelos chineses, de ser devolvida para o país e ver sua família inteira sendo morta… Não existem palavras que possam descrever a dimensão de tudo que ela passou.

“Às vezes me beliscava com tanta força que me machucava e sangrava, porque eu precisava sentir dor para saber que minha vida era real. Às vezes o fazia só para ter certeza de que podia sentir alguma coisa. Dentro de mim perdurava um entorpecimento, como um frio companheiro a me observar à distância, incapaz de se integrar no mundo.”

Para Poder Viver

Por fim, depois de todo o processo de ida até a Coreia do Sul, Yeonmi Park teve de lidar com mais uma barreira: a cultural. Ter toda a sua vivência baseada em procurar comida e tentar sobreviver, em uma realidade que não englobava liberdade ou avanço tecnológico ou civil, não a preparou para um local que a protegeria. E descobrir que existia muito mais lá fora do que o que lhe foi dito simplesmente parecia extraordinário – senão impossível.

“Quando você tem tão pouco, a menor coisa pode fazê-lo feliz…”

Para Poder Viver

Assim, o livro reflete questões sociais, internacionais, políticas, de imigração e de gênero, além de muitas outras. A história é esplêndida e deve ser conhecida por todos e todas. Ela reflete a importância da democracia, dos direitos humanos e, de mais importância, da humanidade como sentimento. Que a vivência de Yeonmi Park sirva de exemplo para a mudança do sistema político norte coreano, para que ele possa atingir os anseios do seu povo e parar de oprimir seus cidadãos.

“Quando se é uma criança pequena, tudo que se conhece é o que está diante dos olhos. Toda a sua vida são seus pais, seus familiares, sua vizinhança. Para mim parecia normal que houvesse tempos em que tínhamos comida para comer, e outros tempos em que só havia uma refeição por dia e ficávamos com fome.”

Para Poder Viver

Talita Soares

Graduada em RI pela UFG, leitora nas horas vagas, concurseira na maior parte do tempo.

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