EM LOUVOR DA SOMBRA: UMA CRÍTICA AO PROCESSO DE MODERNIZAÇÃO OCIDENTAL

EM LOUVOR DA SOMBRA: UMA CRÍTICA AO PROCESSO DE MODERNIZAÇÃO OCIDENTAL

O aclamado escritor de romances da literatura japonesa moderna, Jun’ichirō Tanizaki, responsável por títulos mundialmente conhecidos como: “Irmãs Makioka” e “Diário de Um Velho Louco” aborda o processo de modernização do Japão durante a era Meiji. Assim como, a introdução forçada de produtos ocidentais por parte dos Estados Unidos em um breve ensaio escrito em 1933.

O livro discute a essência da estética nipônica atrelada majoritariamente às sombras em contraste com a iluminação e a tecnologia sufocante do Ocidente. Assim como, com certo saudosismo, disserta acerca da necessidade de não abandonar os valores estéticos em prol da manutenção do estilo de vida japonês.

Ao mesmo tempo que pontua acerca do belo e da valorização de objetos através do constante ato de manuseá-los e fazer uso destes no dia-a-dia. Diferentemente da perspectiva ocidental que valoriza o lustre brilhante da prata e do ouro como o suprassumo da beleza.

A RESTAURAÇÃO MEIJI (1868-1912) 

O chamado “desenvolvimento” do Japão foi nada mais do que um processo forçado pela potência estadunidense em meados de 1853. Tendo como ponto de partida, a chegada do Comodoro Perry ao país, ainda dominado pelo Xogunato Tokugawa. Na qual, o militar norte-americano Matthew C. Perry chegou ao Japão com uma carta do presidente norte-americano Franklin Pierce solicitando o estabelecimento do Tratado de Kanagawa. Esse documento propôs uma abertura forçada dos portos japoneses e a inserção do país nas negociações internacionais.

O período que compreende grandes mudanças na forma de funcionamento político e social do Império Japonês, se deu a partir do reinado do Imperador Meiji (1868-1912). Que levou o país a superar o feudalismo predominante no Período Edo (1603-1868). Uma das primeiras mudanças que marcou a série de reformulações foi o fim do sistema feudal. Que marcou a dissolução do Xogunato Tokugawa que já contava com 256 anos de existência, sendo assim, o poder absoluto foi devolvido às mãos do imperador.

Além dos fortes investimentos no desenvolvimento dos centros urbanos, no sistema educacional e nas mudanças econômicas e políticas, o país se mostrou leal aos acordos selados anteriormente pelo xogum quanto à abertura política e econômica do país ao resto do mundo. Assim como, afirmou estar consoante os termos que celebram a construção do Direito Internacional na época e seus princípios. A vinda de empresários e técnicos norte-americanos e europeus já não era mais cautelosamente controlada devido à proposta de desenvolvimento da indústria local, fazendo com que desta forma, muitas coisas passassem a mudar no formato da sociedade.

AS CONSEQUÊNCIAS DA OCIDENTALIZAÇÃO

A abertura do Japão para o Ocidente foi o estopim para mudanças sociais, que foram alvo de conflitos no que diz respeito a ordem moral do povo japonês. Dos quais as tendências eram majoritariamente voltadas para um senso comum de coletividade, diferentemente da lógica anglo-saxã capitalista que privilegia o individualismo. Apesar de assimilarem algumas das características comportamentais e sociais do povo europeu, a visão de mundo e certos costumes relacionados ao estilo de vida nipônico prevaleceram.

As mudanças afetaram desde as vestimentas até a arquitetura e as artes, que passaram a incorporar os modelos ocidentais de vida e produção. Desta forma, a sociedade japonesa gradualmente caminhava para a potência que veio a se tornar alguns anos mais tarde.

O autor, por sua vez, nascido no ano de 1886 e cujo trabalho enquanto romancista iniciou em meados de 1909, acompanhou durante a vida as mudanças enfrentadas pelo país no período que compreende o período Meiji, posteriormente, a Era Taishō (1912-1926) e parte da Era Shōwa (1926-1989). O Japão moderno é o cenário das obras de  Jun’ichirō Tanizaki desde a publicação de “O Tatuador” em 1910, obra que consagrou o arquétipo femme fatale (mulher fatal) em suas primeiras obras.

Tendo como inspiração as obras de Edgar Allan Poe e Oscar Wilde, o escritor nipônico retrata tramas da sociedade moderna sem censura e com destaque para o erotismo e dramas familiares que põem em xeque a moralidade padrão pregada na época. Por meio de uma escrita impressionante e narrativas peculiares, Tanizaki causa desconforto aos moralistas ao expor verdades que até hoje tentam ser escondidas debaixo do tapete moral do conservadorismo.

O MAGNUM OPUS DE TANIZAKI

Apesar de reforçar o processo de modernização e as mudanças sociais, culturais e políticas do país durante o período, Tanizaki não deixou de ser um grande devoto das artes clássicas japonesas, não somente das gravuras e pinturas tradicionais, como também do teatro, da cerâmica e da arquitetura. Como um grande entusiasta das artes tradicionais, o autor sempre fez questão de mencioná-las e dar certo destaque às diversas expressões artísticas.

Deste modo, mesmo sendo um escritor da literatura japonesa moderna e um adepto a críticas sobre a moral tradicionalista conservadora do próprio povo, Tanizaki não abre mão das tradições no que diz respeito às artes. Em sua obra-prima “Em Louvor da Sombra” o autor traz a discussão sobre a necessidade e o receio de deixar tradições desaparecerem ou perderem o sentido ao serem engolidas, ou adaptadas conforme as tendências do Ocidente.

Aliás, as alterações não se restringiriam às citadas; elas alcançariam também o nosso modo de pensar e até a nossa literatura, que então talvez não imitasse tanto a ocidental e se expandisse rumo a um mundo novo e criativo.

(Tanizaki, p. 18, 2017)

Os pontos de ruptura que possibilitaram a resistência dos japoneses a certos hábitos europeus e norte-americanos são o que manteve a identidade cultural do país mesmo em meio às mudanças desenfreadas do capitalismo. Contudo, para Tanizaki, os pequenos detalhes que compõem a simplicidade das peças e projetos arquitetônicos do país são a base para a construção do estilo de vida japonês, cujo valor se dá nos pequenos detalhes e no contraste entre a luz e a sombra.

Embora hoje em dia haja até laca branca, os objetos laqueados existentes desde a Antiguidade sempre foram pretos, marrons ou vermelhos, cores que resultaram da sobreposição de camadas e camadas de sombra, e que nasceram de maneira natural da escuridão que tudo envolvia.

(Tanizaki, p. 25, 2017)

A sombra está presente na sociedade japonesa desde os primórdios, quase como uma base fundamental para o estabelecimento do estilo de vida dos japoneses, que tendiam a priorizar a utilidade e os mínimos detalhes de objetos que compõem o dia-a-dia. Diferentemente do que é proposto pelo individualismo capitalista europeu que preza a superprodução e a valorização extrema do ouro.

De modo geral, nós, os japoneses, sentimos desassossego diante de objetos cintilantes. No Ocidente, prata, ferro ou cobre são usados na fabricação de aparelhos de jantar e talheres, os quais são polidos até brilhar, coisa que não apreciamos.

(Tanizaki, p. 28, 2017)

Apesar de crítico e um tanto quanto resistente às tendências ocidentais que se tornaram febre no país ao final do século XIX e no início do século XX, Tanizaki aponta as vantagens do processo de modernização da arquitetura. Em especial, ao citar a reestruturação dos banheiros como algo positivo no que diz respeito à higiene, mesmo ainda mantendo a postura saudosista quanto à escuridão do ambiente, que costumava ser feito de madeira escura.

E foi nessa altura que me dei conta: luminárias, aquecedores e aparelhos sanitários são modernidades a cuja adoção não me oponho; mas como foi que nós, os japoneses, não nos empenhamos em aperfeiçoá-los para melhor conformá-los a nossos hábitos, gostos e modo de vida?

(Tanizaki,  p. 16, 2017)

CONCLUSÃO

Ao estudar o período da Restauração Meiji, pouco se fala sobre a “modernização” forçada do Japão por parte dos Estados Unidos e muito menos se questiona acerca do que é modernidade e das intenções colonialistas de classificar sociedades como modernas e outras não. Apesar de ser um global player e uma potência regional não somente no quesito econômico, mas também no militar, é inegável a influência maior de potências europeias e dos Estados Unidos em relação ao Japão.

Vale ressaltar que a crítica de Jun’ichirō Tanizaki em relação a inserção da cultura, estética e hábitos europeus na sociedade nipônica, está frequentemente presente em suas obras literárias. Contudo, não se trata de um discurso fascista de superioridade racial ou cultural, apenas um questionamento acerca dos limites da modernização e o quanto o estilo de vida do povo japonês seria afetado após tantas mudanças.

Apesar de ter mantido oculta a influência que teve nos movimentos de contracultura europeus na virada do século XX, o romancista constrói uma análise bem elaborada acerca da insaciável sede por progresso das potências ocidentais que varre regiões e povos até hoje.

Giovanna Gomes Cardoso de Lima

Graduanda em Relações Internacionais pela UFPB, apreciadora da história e da literatura dos países asiáticos.

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