REFLEXÕES SOBRE O EXÍLIO: O CONSTANTE SENTIMENTO DE ESTAR “FORA DO LUGAR” NOS DIÁLOGOS LITERÁRIOS ENTRE EDWARD SAID E MAHMOUD DARWICH

REFLEXÕES SOBRE O EXÍLIO: O CONSTANTE SENTIMENTO DE ESTAR “FORA DO LUGAR” NOS DIÁLOGOS LITERÁRIOS ENTRE EDWARD SAID E MAHMOUD DARWICH

Exílio é um termo que teve conotações diferentes ao longo da história, sendo estudado por várias disciplinas das ciências sociais. Grande parte da literatura e pensamento ao longo da história da humanidade foi formado a partir do exílio. Inumeráveis homens e mulheres tiveram que deixar suas terras em circunstâncias diferentes e de alguma forma continuar a viver em outro lugar. 

O exílio nos compele estranhamente a pensar sobre ele, mas é terrível de experienciar. Ele é uma fratura incurável entre um ser humano e um lugar natal, entre o eu e seu verdadeiro lar: sua tristeza essencial jamais pode ser superada.

Edward Said, 2003.

Ao tratarmos da questão do exílio, buscaremos orientar nossas reflexões em dois sentidos: há quem veja no exílio, após cuidadoso balanço, um saldo positivo; há ainda os que chegam à conclusão oposta. (Galvão, 2013).

Edward Said (2003), no ensaio “Reflexões sobre o exílio”, discute o tema em questão de uma forma enriquecedora abordando-o sob diversos aspectos; no entanto, o que chama a atenção é inicialmente a necessidade que Said demonstra de expor ao leitor que o exílio não é uma coisa boa, isto é, ele tem aspectos positivos, mas no final seu saldo é negativo. O autor abre sua discussão afirmando:

Para o exilado, os hábitos de vida, expressão ou atividade no novo ambiente ocorrem inevitavelmente contra o pano de fundo da memória dessas coisas em outro ambiente. Assim, ambos os ambientes são vívidos, reais, ocorrem juntos como no contraponto. Há um prazer específico nesse tipo de apreensão, em especial se o exilado está consciente de outras justaposições contrapontísticas que reduzem o julgamento ortodoxo e elevam a simpatia compreensiva. Temos também um sentimento particular de realização ao agir como se estivéssemos em casa em qualquer lugar.

Edward Said, 2003.

Para o autor, o exílio não é uma questão de escolha; daí a necessidade que ele tem de distinguir o exílio de outras formas de afastamento da terra natal. Ser expulso de sua terra e impedido de voltar a ela é o que define a condição do exilado. Há também os expatriados, aqueles que “moram voluntariamente em outro país, geralmente por motivos pessoais ou sociais” (Said, 2003). Já os emigrados seriam aqueles que, para Said, encontram-se em uma situação ambígua: podem ou não ter escolhido abandonar seu país; é possível, em alguns casos, que eles sejam vistos como pioneiros e construtores de uma nova nação, o que os coloca em uma situação bem diferente daquela vivida pelos exilados.

ARTE DE RESISTÊNCIA: O CANTAR DOS QUE NÃO SE RENDEM

Ao abordar a experiência do exílio a partir da literatura analisamos como se produz o funcionamento da memória desde a abordagem semiótica — o exame dos modos de constituição de todo e qualquer fenômeno como fenômeno de produção de significação e sentido —, realçamos os diálogos que se desdobram em uma cultura e suas múltiplas interações. Na obra de Mahmoud Darwish se utiliza com grande intensidade: o encontro com o outro é um caminho inevitável quando se trata de definir, em profundidade, sua própria identidade. 

A poesia do desterro o mostra enquanto lugar que não se habita, mas se vive. Adiante vai um exemplo de Darwish, que representa de maneira drástica o que colocamos: 

Mas eu sou o exilado. 

Sela-me com teus olhos.

Leva-me para onde estiveres –

Leva-me para o que és.

Restaura-me a cor do rosto

E o calor do corpo

A luz do coração e dos olhos,

O sal do pão e do ritmo,

O gosto da terra… a terra natal.

Protege-me com teus olhos.

Leva-me como uma relíquia da mansão do pesar.

Leva-me como um verso de minha tragédia;

Leva-me como um brinquedo, um tijolo da casa

Para que nossos filhos se lembrem de voltar.

Mahmoud Darwish

Said interpreta que Darwish estabelece uma lista de coisas incompletas e inacabadas que simbolizam a falta do lar. O primeiro verso já começa com uma adversativa, indicando que antes dele existe uma condição insatisfatória, quebrável, de modo que o que vem antes não pode se dar por completo. “Mas eu sou o exilado” é a linha que contém em si o significado do poema: não se trata de um exilado, e sim o exilado. Aquele que não possui nem mais a cor original do rosto, aquele que se identifica com um simples brinquedo salvo ou um único tijolo da casa perdida. O exilado que sabe o gosto da terra natal e o gosto a sal do pão alheio. O palestino Mahmoud Darwish, diversas vezes referido como poeta do exílio, entende que na poesia a falta se distingue tanto quanto a presença. (Barbosa, 2014)

Esse e tantos outros poetas e escritores exilados conferem dignidade a uma condição criada para negar a dignidade — e a identidade às pessoas. A partir da história deles fica claro que para tratar o exílio como uma punição política contemporânea é preciso mapear territórios de experiência que se situam para além daqueles cartografados pela própria literatura do exílio, sua tristeza essencial jamais pode ser superada.

Edward Said, 2003.

A ambivalência é característica do exílio e da escrita do exílio. Para Said (2003), o exílio é “a vida levada fora da ordem habitual. É nômade, descentrada, contrapontística, mas, assim que nos acostumamos a ela, sua força desestabilizadora entra em erupção novamente”.

O exílio é, num certo sentido, o “espaço da literatura”, o espaço da retirada que oferece a solidão para o escritor que vagueia num deserto inacessível e que poupa a ele as demandas de todo dia, mas lhe nega o poder que vem daí.

RAHMAN, 1999.

As realizações poéticas de Darwich lhe garantiram vários prêmios e reconhecimento internacional. O poeta se tornou um símbolo da resistência nacional palestina, saudado como um herói. Said (2003) interpreta Darwich como “(…) um artista que dá voz a exilados enraizados e às dificuldades dos refugiados presos em armadilhas, a fronteiras em dissolução e identidades em mudança, a exigências radicais e novas linguagens.”

Desta forma, compreender o exílio como parte da memória é fundamental para haver um debate expansivo acerca das punições aplicadas aos que iam contra as leis e princípios estabelecidos por diversos regimes autoritários ao redor do mundo. Além de promover uma construção ampla das perspectivas do exílio sob diversas óticas, em especial a arte e seus autores.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Said Edward W. Reflexões sobre o exílio e outros ensaios. 2ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.

De Oliveira, Clóvis Gomes. Tradução do livro Bodas de Mahmud Darwish. Orientador: Michel Sleiman. 2014. 116 p. Dissertação (Mestre em Letras) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2014. 

Barbosa, Luciana G. A busca por uma Poética do Exílio. Apr.  2014.   Available from https://herramienta.com.ar/articulo.php?id=2081. access on  21  July  2019. 

Farah, Paulo Daniel. A poesia como redenção na obra de Darwich. Revista Litteris: Dossiê Estudos Árabes & Islâmicos. Nº 7. Março de 2011.

RAHMAN, N. Literary disinheritance. Madison: University of Wisconsin-Madison, 1999, p. 30.

Giovanna Gomes Cardoso de Lima

Graduanda em Relações Internacionais pela UFPB, apreciadora da história e da literatura dos países asiáticos.

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