EL SALVADOR: A AUTOCRACIA DE NAYIB BUKELE

EL SALVADOR: A AUTOCRACIA DE NAYIB BUKELE

Fonte: Presidencia El Salvador, 2016.

Introdução

O ano de 2019 representa uma nova conjuntura política para El Salvador, por meio  da eleição presidencial que garantiu a vitória de Nayib Bukele, considerado o mandatário mais jovem do país e visto como um líder que colocaria fim à corrupção política que dominava o Estado. Desde que assumiu o seu mandato, Bukele vem colocando em prática medidas repressivas contra a sociedade civil, como ataques ao sistema judicial e legislativo. Além disso, buscando obter amplo apoio da população salvadorenha, especialmente nas suas políticas securitárias contra as violentas gangues que tomam conta do país, o presidente tem utilizado diversos elementos para legitimar suas ações autoritárias. 

Diversas órgãos internacionais demonstraram grandes preocupações com as sucessivas violações de direitos humanos que estão ocorrendo desde que Bukele assumiu o poder, como detenções arbitrárias, desaparecimentos forçados, ausência de garantias judiciais, tortura e maus-tratos, alertando para a erosão do regime democrático salvadorenho. O presente artigo tem por objetivo realizar uma contextualização do cenário político de El Salvador e como isso permitiu a chegada de Bukele à presidência. Ademais, procura elencar as principais estratégias do atual mandatário em implementar um regime autoritário, na qual busca obter apoio massivo da população, como meio de justificar suas crescentes atitudes autoritárias. 

Antecedentes Históricos

Localizado na América Central, El Salvador possui fronteira com Guatemala e Honduras (ver figura 1). O país também é limitado pelo Oceano Pacífico, além de ser considerado a menor nação da América Central, com cerca de 6,3 milhões de habitantes.

Figura 1: Localização de El Salvador e sua capital (San Salvador)

Fonte: Big Karta, 2023.

Para realizar uma contextualização histórica de El Salvador é necessário ter em mente que, durante quase todo o século XX, o país foi governado por militares, além da eclosão de uma sangrenta guerra civil que se iniciou em 1979, tendo o seu final somente em 1992, com a assinatura dos Acordos de Chapultepec. Os acordos de paz de 1992 representaram um grande processo de negociação mediado pelo Secretário General das Nações Unidas entre duas partes: o governo de Alfredo Cristiani, quem havia vencido as eleições presidenciais de 1989, e a guerrilha de esquerda Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional (BALDOVINOS, 2021). 

Tais acordos previam a realização de  reforma constitucional para El Salvador, no intuito da garantia de um regime democrático do estado de direito, instituições transparentes, além da alternância de poder (BALDOVINOS, 2021). A alternância de poder pós-guerra foi marcada pelo bipartidarismo de dois partidos principais, a Aliança Republicana Nacionalista (ARENA), de orientação de direita, e a Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional (FMLN), de viés de esquerda (MASEK; AGUASVIVAS, 2021).

Os dois partidos governaram o país desde a ratificação dos acordos de paz em 1992. Porém, ambos perderam gradualmente a legitimidade e apoio dos salvadorenhos durante suas governanças, marcadas por grandes escândalos de corrupção. O ex-presidente da Arena, Francisco Flores (1994-2004) foi acusado de desviar 15 milhões de dólares de fundos de ajuda para desastres (MASEK; AGUASVIVAS, 2021). O ex-presidente seguinte, também do partido Arena, Antonio Saca (2004-2009), foi condenado a 10 anos de prisão, pelo desvio de 300 milhões de dólares de fundos estatais (MASEK; AGUASVIVAS, 2021). O primeiro presidente do FMLN a governar o país no contexto pós-guerra, Mauricio Funes (2009-2014), foi investigado por lavagem de dinheiro no valor de 351 milhões de dólares, o que o fez buscar asilo na Nicarágua (MASEK; AGUASVIVAS, 2021).

Um elemento de grande importância para entender o cenário político e social de El Salvador é a atuação de grandes gangues que cometem diversos tipos de delitos violentos, fazendo com que o país registrasse um alto número de homicídios. Em 2015, a taxa oficial de homicídios no país era de 103 homicídios por 100.000 habitantes, fazendo o país entrar na lista de um dos mais violentos do mundo (BISHOP, 2022). Em 2022, o país registrou uma taxa de homicídio de 7,8 por cada 100.000 habitantes, uma das mais baixas desde que Bukele assumiu a presidência (FRANCE PRESSE, 2023). Contudo, segundo o Observatório de Direitos Humanos da Universidade Centro Americana, existe uma subnotificação elevada da contagem de homicídios por parte do aparato estatal (DW, 2023). 

É importante ressaltar que a guerra contra as gangues salvadorenhas foi uma prioridade tanto da Arena e do FMLN, ou seja, não possui um espectro ideológico. Ambos os partidos foram responsáveis por executar políticas securitárias extremamente autoritárias para conter as organizações criminosas (ROSEN et al., 2023). Tais ações acabaram por legitimar de certa maneira violações de direitos humanos, especialmente por parte da polícia e do exército, conhecidos por estarem envolvidos em assassinatos extra-judiciais e em práticas de tortura contra membros suspeitos de pertencer a alguma gangue (ROSEN et al., 2023). Outro elemento importante é que a maior parte dos salvadorenhos estariam de acordo com um golpe de Estado caso isso significasse um sentimento de maior segurança (ROSEN et al., 2023).

Tendo em vista esse cenário, Nayib Bukele se aproveita desse momento de grande esgotamento da política tradicional, a insatisfação da sociedade civil e se apresenta para a eleição de 2019 como o candidato que iria promover uma ruptura na ordem política vigente.

A ascensão de Bukele

Nayib Bukele ingressou na política salvadorenha em 2012, quando ganhou a prefeitura de Nuevo Cascatlán pelo FMLN. As características de Bukele nesse momento são de um jovem empresário de centro-esquerda comprometido a melhorar as condições de vida do município (BALDOVINOS, 2021). Ele é filho de um rico empresário palestino, que era muito próximo do FMLN (BALDOVINOS, 2021). Em 2015, foi eleito prefeito da capital San Salvador. 

Bukele já aspirava a presidência do país e esperava que o FMLN o considerasse como candidato. No entanto, o partido não o cogitou nem como vice, pois tinham em mente lançar outros possíveis candidatos do partido, como por exemplo, antigos comandantes guerrilheiros (BALDOVINOS, 2021). Esse foi o estopim para Bukele romper com o FMLN e buscar meios de se desvincular do partido. De acordo com a lei salvadorenha, não era possível mudar de partido durante a campanha eleitoral (BALDOVINOS, 2021). A única solução possível para Bukele era ser expulso do partido. Desde então, o empresário começou uma série de ataques contra o FMLN. 

Por meio de um episódio, no qual Bukele jogou uma maçã a uma administradora durante uma sessão do Conselho Municipal, obrigou o FMLN a abrir um processo disciplinar contra ele (BALDOVINOS, 2021). Desse modo, Bukele finalmente conseguiu a sua almejada expulsão do partido tradicional salvadorenho (ROSEN et al., 2023). Assim, conseguiu fundar seu próprio partido, chamado Novas Ideias. Bukele concorreu às eleições de 2019 com a característica de um líder populista, jurando melhorar a conjuntura econômica, social e especialmente securitária do país (ROSEN et al., 2023). Além disso, é relevante mencionar a ampla utilização das mídias sociais na campanha eleitoral de Bukele, mobilizando youtubers e blogueiros, responsáveis por transmitir as principais propostas do empresário, assim como seu discurso antissistêmico (BALDOVINOS, 2021). 

A vitória de Bukele representa o fim do bipartidarismo do país, um eleitorado completamente insatisfeito com os partidos tradicionais, na qual vêem no empresário um líder sem ideologia que possui os mecanismos de resolver os problemas estruturais da nação (K. G. MARTÍNEZ, 2020). 

O desmantelamento do regime democrático salvadorenho

Desde que assumiu a presidência em 2019, o governo de Bukele vem cometendo uma série de violações de direitos humanos, principalmente no que se refere às políticas de segurança contra as gangues. Um dos primeiros episódios que demonstram o autoritarismo de Bukele foi em 09 de fevereiro de 2020, quando o presidente ingressou na Assembleia Legislativa acompanhado do exército para pressionar os congressistas a voltarem a favor do seu programa anti-gangues (MASEK; AGUASVIVAS, 2021). 

Com a eclosão da Pandemia da COVID-19, Bukele se aproveitou da emergência sanitária para dar início ao seu ambicioso plano autocrático (MASEK; AGUASVIVAS, 2021). Implementando uma das quarentenas mais rígidas na região centro-americana, o presidente colocou em prática medidas repressivas, como a prisão de cidadãos que desobedeciam às regras de confinamento, além de autorizar a polícia utilizar força letal (ROSEN et al., 2023). Além disso, o mandatário ordenou o fechamento de portas e janelas das celas de prisões de segurança (ROSEN et al., 2023).

As eleições legislativas de 2021 representaram outro grande momento de ruptura democrática em El Salvador. O Partido de Bukele (Novas Ideias), ganhou uma maioria de representação na Assembleia Legislativa. Por meio dessa maioria, o presidente dispensou dezenas de juízes e expulsou o procurador geral, assim como todos os cinco magistrados da Câmara Constitucional da Suprema Corte do país (BISHOP, 2022). Depois dessa ação, Bukele apontou novos juízes, que em retribuição afirmaram que os presidentes salvadorenhos podem servir por dois mandatos consecutivos, pavimentando e legitimando a tentativa de Bukele tentar a reeleição em 2024 (BISHOP, 2022).

Figura 2: Twitter oficial de Nayib Bukele

CNN, 2021.

Um grande escândalo foi exposto no ano de 2020 pela equipe investigativa do jornal salvadorenho El Faro. Durante o ano de 2020, foi registrado uma grande queda no número de homicídios no país. As investigações do jornal apontam que a administração de Bukele negociou em segredo com a gangue MS-13 por um ano, para que eles reduzissem os níveis de violência, no intuito de promover a boa imagem do governo no combate ao crime (ROSEN et al., 2023).

O que se presume é que o governo salvadorenho realizou tal acordo concedendo benefícios para os membros de tal gangue. Contudo, o governo de Bukele nega as acusações (ROSEN et al., 2023).

Outro grande problema que vem chamando a atenção da comunidade internacional é a metodologia para atestar a queda do número de homicídios no país. Segundo as estatísticas da Polícia Nacional Civil, em 2019 houve aproximadamente 36 homicídios por 100,000 cidadãos (BISHOP, 2022). Porém, em 2021, essa taxa estava em 17.5 de homicídios por 100,000 (BISHOP, 2022). A queda abrupta da taxa de criminalidade é algo suspeito, pois o governo mudou a forma de contabilização do número de homicídios.  Um exemplo disso é que indivíduos mortos em conflito com as forças de segurança não são mais contabilizados como pessoas vítimas de homicídio (BISHOP, 2022). Além disso, os desaparecimentos forçados também não estão incluídos na categoria de homicídios, mesmo quando evidências forenses indicam assassinatos (BISHOP, 2022).

A mais recente ação do presidente em sua política de segurança autoritária foi a criação de uma mega prisão, chamada de Centro de Confinamento de Terrorismo. A prisão foi inaugurada em fevereiro de 2023 e tem a capacidade de abrigar até 40.000 presos (ABIERTA, 2023). É estimado que cada cela terá um número aproximado de 100 detentos. Ademais, as celas da mega prisão possuem 32 celas de 100 metros quadrados (ABIERTA, 2023). 

Em março de 2022 foi instaurado um regime de exceção com duração de 30 dias, mas que está em vigência até os dias atuais. Estima-se que durante seu mandato, mais de 63.000 salvadorenhos foram detidos (ABIERTA, 2023). O estado de exceção tem sido utilizado para retirar as garantias judiciais da sociedade civil salvadorenha, ou seja, uma pessoa pode ser presa baseada somente em suspeitas, além de não poder se apresentar para um juiz no prazo de 72 horas e até mesmo a suspensão do direito à defesa (ABIERTA, 2023).

Outra polêmica na estratégia de Bukele no combate às gangues é a prisão de adolescentes. O governo reduziu a maioridade penal de 16 anos para 12 anos, com um período máximo de prisão de 10 anos (ABIERTA, 2023). Por último, Bukele tem se vangloriado de ter desarticulado praticamente todas as gangues do país. Porém, especialistas do jornal El Faro afirmam que isso é resultado do regime de exceção e de acordos clandestinos do governo de Bukele com as gangues em troca de benefícios (C. MARTÍNEZ et al., 2023). 

Conclusão

Findando a discussão proposta neste artigo, é possível inferir que a democracia salvadorenha encontra-se em um cenário preocupante, tendo em vista as medidas autoritárias da administração de Bukele. As políticas securitárias no combate às gangues foram essenciais para a obtenção de votos por parte dos partidos tradicionais, independente da linha ideológica. O atual presidente se aproveitou do esgotamento político desses partidos, conseguindo a vitória nas eleições de 2019. Desde então vem dando continuidade às mesmas políticas de segurança, continuando a perpetuar violações contra os direitos humanos. Embora seja difícil prever quais serão as consequências dessa política securitária no longo prazo, mesmo em meio a todas essas polêmicas, Bukele conta com um apoio massivo da população salvadorenha, com taxas de aprovação superiores a 90%.

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REFERÊNCIAS

ABIERTA, D. Megacárcel de Bukele confirma su desprecio por la democracia. Disponível em: <https://www.opendemocracy.net/es/la-megacarcel-de-bukele-confirma-su-desprecio-por-la-democracia/>. Acesso em: 22 jun. 2023.

BALDOVINOS, R. R. Nayib Bukele: populismo e implosión democrática. Andamios, Revista de Investigación Social, v. 18, n. 46, p. 233–255, 17 jun. 2021.

BISHOP, S. C. An Illusion of Control: How El Salvador’s President Rhetorically Inflates His Ability to Quell Violence. Journalism and Media, v. 4, n. 1, p. 16–29, 23 dez. 2022.

MARTÍNEZ, C.; LEMUS, E.; MARTÍNEZ, O. Régimen de Bukele desarticula a las pandillas en El Salvador. Disponível em: <https://elfaro.net/es/202302/el_salvador/26691/R%C3%A9gimen-de-Bukele-desarticula-a-las-pandillas-en-El-Salvador.htm>. Acesso em: 22 jun. 2023.

MARTÍNEZ, K. G. Reflexiones sobre el Estado de Derecho salvadoreño: ¿Derechos sociales y democracia en grave riesgo? Nuevo derecho, v. 16, n. 27, p. 21–30, 2020.

MASEK, V.; AGUASVIVAS, L. Consolidando el poder en El Salvador: El caso de Nayib Bukele. p. 157–173, 18 set. 2021.

OUDH: cifra de homicidios en El Salvador “no es veraz”. Disponível em: <https://www.dw.com/es/oudh-cifra-de-homicidios-en-el-salvador-en-2022-no-es-veraz/a-65366818>. Acesso em: 23 jun. 2023. 

PRESSE, A. F. El Salvador Registra Baja Histórica En Tasa De Homicidios En 2022. Disponível em: <https://www.barrons.com/news/spanish/el-salvador-registra-baja-historica-en-tasa-de-homicidios-en-2022-01672886708>. Acesso em: 23 jun. 2023. 

ROSEN, J. D.; CUTRONA, S.; LINDQUIST, K. Gangs, violence, and fear: punitive Darwinism in El Salvador. Crime, Law and Social Change, v. 79, n. 2, p. 175–194, mar. 2023. 

IMAGENS

PRESIDENCIA El Salvador. Disponível em: <https://flic.kr/p/Dosxzu>. Acesso em: 22/06/2023.

BIG Karta. Disponível em: <http://bigkarta.ru/es/mapa-el-salvador.htm>. Acesso em: 22/06/2023. 

CNN. Disponível em: <https://cnnespanol.cnn.com/2021/09/21/bukele-biografia-twitter-dictador-el-salvador-orix/>. Acesso em: 23/06/2023.

Pedro Henrique Santos Chaves

Graduando em Relações Internacionais pela UFG. Sou fascinado por cinema e literatura de suspense, fantasia e ficção científica. Tenho grande interesse em questões voltadas para o Continente Africano e América Latina, como Guerras Civis, Ditaduras Militares, Intervenções Humanitárias e Terrorismo.

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