A DECLARAÇÃO DE PEQUIM E A MENSAGEM DOS BRICS

A DECLARAÇÃO DE PEQUIM E A MENSAGEM DOS BRICS

Presidente da República, Jair Bolsonaro recebe o Presidente da República Popular da China, Xi Jinping. Foto de Isac Nóbrega/PR.

Para mais informações sobre o bloco, o Dois Níveis conta com um Especial BRICS no qual focamos em cada um dos cinco países deste agrupamento. Caso tenha interesse, você pode ler em: Especial BRICS.

BRICS – PASSADO E PRESENTE

Em 23 e 24 de junho de 2022, ocorreu a 14º Cúpula dos Líderes dos BRICS, agrupamento político internacional composto por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Na declaração da cúpula, os países em questão enfatizaram a sua convergência política e diversificação temática crescente na interação intra-bloco. Tal diversificação foi reforçada mesmo no título da cúpula, que foi denominada: “Promover a parceria BRICS de Alta Qualidade, Inaugurar uma Nova Era para o Desenvolvimento Global”, ou seja, a destacar a importância e liderança deste agrupamento no sistema internacional. O presente artigo busca não só introduzir o leitor ao conceito do BRICS, mas analisar mais profundamente a última declaração publicada pelos líderes do bloco.

O BRICS foi criado ainda como BRIC – sem a presença sul-africana – no ano de 2001 em um relatório da Goldman Sachs com a ideia de Jim O’Neill, baseado nas perspectivas dos próximos 50 anos, juntando nesta sigla aquelas nações que mais se desenvolveriam nesse período analisado, além de compartilharem alguns parâmetros comuns, como população e territórios grandes, assim como uma economia robusta e crescente. No decorrer de algumas reuniões informais entre representantes diplomáticos das quatro nações criadoras do bloco ocorreu finalmente a 1º Cúpula do BRIC em solo russo, em junho de 2009. A oficialização da África do Sul aconteceu  no ano de 2011, no encontro de Sanya, na China (BARROS; MARTINS, 2021).

Desde 2009 ocorrem anualmente a cúpula dos chefes de governo do BRICS. As três últimas reuniões ocorreram online, porém, sem afetar a cooperação e ritmo de trabalho das reuniões intra-bloco. Apesar da referida cúpula anual dos chefes de governo, o BRICS conta com uma estrutura robusta no que tange a diversificação temática e interação político-diplomática de seus membros – há várias outras reuniões importantes além daquelas dos líderes dos países: apenas em 2022, por exemplo, ocorreram também: 12º Encontro dos Ministros de Agricultura; Encontro dos Ministros de Educação, Encontro dos Ministros da Cultura, 6º Encontro dos Ministros da Indústria, Encontro dos Ministros de Meio-Ambiente, Encontro dos Ministros de Relações Exteriores; 12º Encontro dos Ministros da Saúde, assim como o Primeiro Encontro dos Ministros das Finanças e chefes dos respectivos Bancos Centrais (BRICS, 2022a).

Imagem 2 – Logo da 14º Cúpula do BRICS em Pequim, China

Essa diversificação citada acima através dos encontros ministeriais é uma prova da solidificação da referida diversificação temática presente no âmbito intra-BRICS. Tal diversificação é uma das iniciativas lideradas pela China neste agrupamento. Sendo a China a sede da 14º Cúpula do BRICS, ocorrida na cidade de Pequim em 23 e 24 de junho de 2022, é papel do país asiático a preposição de algumas temáticas para este encontro. A próxima seção do presente artigo explorará alguns pontos presentes da Declaração de Pequim e seus significados para a política externa dos países do BRICS.

ANÁLISE DA DECLARAÇÃO DE PEQUIM (14º CÚPULA DO BRICS)

A Declaração de Pequim é o resultado final da 14º Cúpula dos Chefes de Governo do BRICS. A Declaração é um documento oficial que demonstra a unidade dos cinco membros do bloco nas temáticas abordadas – ela possui 34 páginas, e é dividida em 75 itens. Para efeito de comparação, em 2019 a 11º Cúpula ocorrida em Brasília teve 73 itens, a 12º Cúpula em 2020 de São Petersburgo teve 97 itens e a 13º Cúpula de Nova Déli de 2021 teve 74 itens (BRICS, 2022b).

O preâmbulo da Declaração contempla a parceria entre os membros do BRICS, assim como a evolução que percorreram nestes últimos 16 anos de existência e aprofundamento da cooperação. Em sequência, o primeiro tema abordado é sobre o fortalecimento e reformas da governança global. O primeiro item desta seção, o item 5 da Declaração, ressalta a defesa destes cinco países com o multilateralismo, a defesa do direito internacional, a Carta das Nações Unidas, paz, segurança internacional, democracia, direitos humanos e liberdades fundamentais (DECLARAÇÃO DE PEQUIM, 2022).

Já no item 6 é abordado a reforma das instituições multilaterais no sistema internacional com o propósito de torna-las mais inclusivas e aumentar a participação dos países em desenvolvimento. Seguindo este princípio, o item 7 cita que a China e Rússia – dois membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU):

[…] reiteram a importância que atribuem ao status e ao papel do Brasil, da Índia e da África do Sul nos assuntos internacionais e apoiam sua aspiração de desempenhar um papel mais importante na ONU.  

(DECLARAÇÃO DE PEQUIM, 2022).

O texto acima citado, que consta no fim do item 7 da Declaração, a primeira vista demonstra a unidade dos membros do BRICS em prol da reforma do CSNU em prol do Brasil, Índia e África do Sul. Entretanto, a linguagem genérica que consta na citação é proposital para que não haja um certo nível de precedente e/ou instrumento vinculante, ou seja, que venha a obrigar a China e a Rússia a se comprometerem a conceder a esses países, em especial Índia e Brasil, um assento permanente no Conselho de Segurança, em especial assentos com poder de veto – objetivo explícito das chancelarias indiana e brasileira, em conjunto com as chancelarias germânica e nipônica, que juntos formam o G4, agrupamento político internacional que busca conceder aos quatro países um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas. Também foi citado no item 8 a importância do Brasil e da Índia estarem no CSNU como membros não permanentes nos mandatos de 2022-2023 e 2021-2022, respectivamente (DECLARAÇÃO DE PEQUIM, 2022).

Imagem 3 – Encontro do Conselho de Segurança das Nações Unidas

A wide view of the Security Council meeting on children and armed conflict.

Já acerca das temáticas de Direitos Humanos, reiteraram a “necessidade de todos os países cooperarem na promoção e proteção dos direitos humanos”. Entretanto, é citado também adiante:

[…] levando em consideração a necessidade de promover, proteger e cumprir os direitos humanos de maneira não seletiva, não politizada e construtiva, e sem padrões duplos. Conclamamos pelo respeito à democracia e aos direitos humanos.

(DECLARAÇÃO DE PEQUIM, 2022).

Nesta parte do documento pode-se analisar numa perspectiva em que a China, mas em especial a Rússia, criticam abordagens ocidentais, em especial provenientes dos Estados Unidos, em relação as retaliações do Ocidente para com a Rússia por causa da Guerra Ucraniana. Este item pode ser entendido como uma maneira de reforçar o argumento russo, que alega que as declarações de países europeus e dos Estados Unidos referentes a violação de Direitos Humanos e cometimento de crimes de guerra em território ucraniano são falsas. Portanto, esta citação é uma crítica indireta e contida para países ocidentais.

Outro apontamento importante sobre governança global consta no item 10, quando é reforçado a relevância do G20 para a gestão econômica mundial – não é citado em nenhum momento do documento o G7. Portanto, essa ênfase ao G20 pode ser considerada um instrumento presente na Declaração para transferir esta gestão para o G20, uma vez que esse é mais democrática ao contar com a presença de mais países, incluso vários em desenvolvimento. Outra possível crítica implícita aos Estados Unidos pode ser encontrada no item 11, na qual diz:

Instamos todos os membros da OMC para que evitem medidas unilaterais e protecionistas que sejam contrárias ao espírito e às regras da OMC. Enfatizamos a prioridade e a urgência de lançar o processo de seleção dos membros do Órgão de Apelação para restaurar o mecanismo vinculativo de solução de controvérsias multilateral em dois níveis.

(DECLARAÇÃO DE PEQUIM, 2022).

Há duas supostas críticas implícitas que possam ser endereçadas aos Estados Unidos nesta mensagem: primeiro, é que as críticas ao desrespeito das regras e espíritos da Organização Mundial do Comércio (OMC) podem referir-se a instrumentos da guerra comercial entre Estados Unidos e China. Em geral, o governo Biden não revogou as principais medidas anticomerciais com a China nem houve nenhuma predisposição de reverter os instrumentos de restrição comercial mais punitivos em relação ao país asiático (LEONEL; MARTINS, 2022, p. 56). Segundo, é que o Órgão de Apelação da OMC é composto por sete juízes e necessita de ao menos três para funcionar. Entretanto, os Estados Unidos vetam a nomeação de novos juízes, o que torna a corte com apenas um juiz, e, portanto, totalmente inoperante.

Imagem 4 – Encontro do G20 na Cúpula de Osaka, no Japão, 2019

A seguir na Declaração de Pequim há diversos apontamentos de diversidade temática presente nesta reunião do BRICS em prol da unidade em alguns aspectos de política externa dos cinco países. Sobre saúde e pandemia de COVID-19, o item 14 cita a importância da discussão sobre isenção de Propriedade Intelectual (PI), em especial das vacinas e medicamentos, pauta historicamente relevante para os países em desenvolvimento. Também houve citação a produção local de vacinas equipamentos de saúde, reafirmação da preponderância da Organização Mundial da Saúde (OMS) nestes assuntos, assim como destacaram a convocação para um Fórum de Alto Nível do BRICS sobre medicina tradicional, além de tratarem sobre o preparo para possíveis outras pandemias e emergências de saúde globais (DECLARAÇÃO DE PEQUIM, 2022).

Sobre paz e segurança, assuntos de alta relevância por conta da Guerra Russo-Ucraniana, a Declaração é genérica. No item 21 reforça “o respeito a soberania e integridade territorial de todos os Estados […] com a resolução pacífica de diferenças e disputas entre países”. No item 22 a Guerra é referida como “situação na Ucrânia” – destaca o fato de que terminologias utilizadas na Rússia como “operação militar ou “operação de libertação do Donbass” não são usadas, tampouco é usado o termo “guerra”. O item diz que os países recordam suas respectivas posições nacionais sobre o tema e que todos se preocupam com a situação humanitária dentro e ao redor da Ucrânia, conclamando apoio aos esforços de agências da ONU e da Cruz Vermelha em apoio às vítimas (DECLARAÇÃO DE PEQUIM, 2022).

Sobre demais questões de segurança, nada inédito ou muito aprofundado foi explicitado no documento. É dito apoiarem um Afeganistão estável (item 23), apoio a solução da situação nuclear iraniana (item 24), apoio às negociações pela paz na península coreana (item 25), apoio de prosperidade e estabilidade no Oriente Médio e África (itens 26 e 27). Destaca a utilização do compromisso em ver um “mundo livre de armas nucleares”, claro apoio ao desarmamento nuclear mundial.

            Ademais, a Declaração de Pequim cita as mais variadas temáticas em seus itens subsequentes. Entre os principais temas, estão: terrorismo (item 33), anticorrupção (item 35), políticas antidrogas (item 36), abertura do de novo escritório do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB) do BRICS (item 39), investimento em infraestrutura (item 41), acordos aduaneiros (item 47), energia (item 48), promoção de emprego e igualdade de gênero (item 50), regime internacional de meio-ambiente[1] (item 53), desenvolvimento sustentável (item 59), cultura (item 63), turismo (item 64) e intercâmbio esportivo (item 67), entre vários outros.

Em geral, é notável o esforço dos cinco países do BRICS – Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul em prol da diversificação temática de seus encontros. A cada ano que passa é expandido os temas tratados e se fortalece o processo de institucionalização do agrupamento. Por fim, há muitos pontos a serem discutidos sobre a Declaração de Pequim. Este artigo não exauriu todas as nuances passíveis de serem analisadas neste documento. Recomendamos a leitura da Declaração de Pequim para se ter uma visão ainda mais completa sobre o que foi discutido aqui.


[1] Acerca do regime internacional de meio-ambiente, os cinco países do BRICS são considerados conservadores ou conservadores-moderados em relação ao regime supracitado (VIOLA; FRANCHINI; RIBEIRO, 2012). Esta convergência das nações do bloco se dá por diversos fatores, entre eles o conceito de “responsabilidades comuns mas diferenciadas”, na qual reconhece que os países desenvolvidos tiveram mais peso na destruição do meio-ambiente, portanto, necessitam agir com mais ênfase que os demais em prol do desenvolvimento sustentável e de políticas ambientais. Para saber mais sobre o regime internacional de meio-ambiente, leia o artigo da Amanda Simões no Dois Níveis: Um Breve Histórico do Regime de Mudanças Climáticas. 

IMAGENS

Imagem 1, Destacada – Presidente da República, Jair Bolsonaro recebe o Presidente da República Popular da China, Xi Jinping. Foto de Isac Nóbrega/PR. Disponível em: < https://www.flickr.com/photos/palaciodoplanalto/49064664782/in/photostream/>. Acesso em: 1º de agosto de 2022.

Imagem 2 – Logo da 14º Cúpula do BRICS em Pequim, China. Site Oficial da 14º Cúpula do BRICS. 2022. Disponível em: < http://brics2022.mfa.gov.cn/eng/zg2022/logo/>. Acesso em: 25 de julho de 2022.

Imagem 3 – Encontro do Conselho de Segurança das Nações Unidas. CSNU. 2022. 19 de julho de 2022. Disponível em: < https://dam.media.un.org/CS.aspx?VP3=DamView&VBID=2AM94SCIHKJ&FR_=1&W=1536&H=722#/DamView&VBID=2AM94SCIHKJ&PN=2&WS=SearchResults>. Acesso em: 2 de agosto de 2022.

Imagem 4 – Encontro do G20 na Cúpula de Osaka, no Japão, 2019. Ministério de Relações Exteriores Japonês. Disponível em: < https://www.mofa.go.jp/policy/economy/g20_summit/osaka19/en/photos/day1.html>. Acesso em: 2 de agosto de 2022.

BIBLIOGRAFIA

BARROS, Thiago; MARTINS, Letícia. BRICS: B de Brasil. Dois Níveis. 2021. Disponível em: <https://www.doisniveis.com/america/america-do-sul/brics-b-de-brasil/>. Acesso em: 01º de agosto de 2022.

BRICS. Ministers Meetings. XIV BRICS Summit. 2022a. Disponível em: <http://brics2022.mfa.gov.cn/eng/zdhzlyhjz/MM/>. Acesso em: 1º de agosto de 2022.

BRICS. Outcome documents of Summit. XIV BRICS Summit. 2022b. Disponível em: < http://brics2022.mfa.gov.cn/eng/hywj/ODS/>. Acesso em: 1º de agosto de 2022.

LEONEL, Maria Luíza; MARTINS, Aline. A inércia nas relações entre EUA e China. Observatório Político dos Estados Unidos (OPEU). Estudos e Análises de Conjuntura, Governo Biden: um primeiro balanço. V. 17, junho, 2021.

VIOLA, Eduardo; FRANCHINI, Matías; RIBEIRO, Thaís. Climate governance in an international system under conservative hegemony: the role of major powers. Revista Brasileira de Política Internacional, V. 55, n. especial, p. 9-29.

Gustavo Milhomem

Graduado em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Goiás. Idealizador do Dois Níveis.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *