A HISTÓRIA DE UM PAÍS DIVIDIDO: AS DUAS COREIAS

A HISTÓRIA DE UM PAÍS DIVIDIDO: AS DUAS COREIAS

De tempos em tempos, a Coreia do Norte cobre a sessão internacional do noticiário do mundo todo, quase sempre em razão de alguma ameaça de natureza nuclear aos Estados Unidos (EUA), ou de testes nucleares no mar do vizinho, Japão. Como  país mais fechado do mundo às influências externas e com um sistema governamental bem peculiar ao costume político ocidental, a Coreia do Norte é apenas metade do que um dia foi como  nação unificada: a Coreia.

Graças aos desdobramentos da Guerra Fria, entre Estados Unidos e União Soviética, as tentativas por parte das duas grandes potências de conseguir uma zona de influência no Leste Asiático resultaram em uma guerra civil na Península Coreana. Tal fato teve como  consequência uma  divisão territorial entre o norte e o sul. Ambos acabaram divididos ideologicamente: o norte sob proteção soviética, com um governo alinhado ao comunismo e o sul sob proteção americana,  alinhado ao capitalismo.

Com a assinatura do armistício em 1953, os conflitos diretos entre as duas partes cessaram e foram criadas a Coreia do Norte e a Coreia do Sul. Apesar de se originarem do mesmo país, do mesmo povo e compartilharem o idioma e a etnia, as diferenças entre os regimes políticos dos dois países faz com que sejam muito diferentes entre si em vários outros aspectos. É sobre estas diferenças e igualdades que este artigo pretende tratar.

Antes de tudo, os sistemas políticos internos 

Como foi mencionado anteriormente, o enfrentamento militar entre as duas Coreias foi interrompido devido à assinatura de um cessar-fogo entre as partes. Como um acordo de paz não foi assinado, ambos os países continuam oficialmente em estado de guerra. Talvez o maior símbolo físico, permanente, deste conflito  seja a fronteira desmilitarizada entre o sul e o norte, chamada de Paralelo 38.

Após a consolidação da divisão norte e sul da Península Coreana em 1953, cada país seguiu caminhos bem distintos na formulação do sistema de governo interno, uma vez que a principal causa da Guerra da Coreia foi uma divergência ideológica irreconciliável entre grupos internos capitalistas e comunistas apoiados pelos EUA e pela União Soviética, respectivamente; além do passado da Coreia como colônia do Império Japonês. A polarização política era tanta que ambas as diferentes nações já se desenhavam antes mesmo da Guerra da Coreia (FELIPPE, 2019). Começaremos falando do sul capitalista.

Coreia do Sul (República da Coreia)
Bandeira da Coreia do Sul

A constante influência anticomunista dos EUA fez com que políticos de esquerda e de centro fossem jogados para escanteio na parte sul da Península Coreana, mais especificamente no local que hoje forma a atual capital da Coreia do Sul – Seul –  onde só restaram políticos de direita fortemente anticomunistas. Assim, foi formada, em 1948, a República da Coreia, também conhecida como Coreia do Sul, sob o comando do político  extremista de direita Syngman Rhee (SOUZA, 2017).

Rhee perseguiu impiedosamente a coalizão de esquerda de seu país e qualquer oponente político que pudesse  ameaçar a estabilidade do governo, alinhado aos EUA.

“Ao isolar, aterrorizar e manter a vigilância da esquerda, Rhee efetivamente eliminou sua influência e institucionalizou a submissão social de longo prazo” (VU apud FELIPPE, 2019, p.18).

Desde a morte de Syngman Rhee, até os dias de hoje, a Coreia do Sul  mantém-se uma república democrática inspirada no modelo de democracia liberal dos EUA, com eleições periódicas para a escolha de seus presidentes e dos membros da Assembleia Nacional. A economia do país, embora capitalista de mercado, recebeu fortes empurrões do Estado em parceria com empresas privadas para acelerar seu crescimento industrial.

A partir das ações destes conglomerados empresariais com incentivo governamental, o país ao sul da Península Coreana conseguiu estabelecer um sólido processo de industrialização. Os objetivos do país, com isso, são elevar-se ao status de potência regional e assegurar a autonomia sul-coreana em uma região com muitos candidatos a potências hegemônicas regionais (SOUZA, 2017).

Coreia do Norte (República Popular Democrática da Coreia)
Bandeira da Coreia do Norte

Sob influência direta da União Soviética e inspiração política no maoísmo chinês, o Partido Comunista da Coreia unificou a esquerda no norte sob a liderança do general Kim Il Sung, causando o surgimento do Partido Trabalhista da Coreia (PTC). Assim, em resposta ao advento da República da Coreia no Sul, criou-se, no norte, a República Popular Democrática da Coreia, também chamada de Coreia do Norte.

Desde que Kim Il Sung assumiu como líder, a Coreia do Norte funciona sob um sistema político unipartidário com um órgão superior chamado de Assembleia Suprema do Povo. Economicamente, o país aderiu ao modelo socialista de produção. Antes da dissolução da URSS, em 1991, a Coreia do Norte só se relacionava economicamente com países do bloco socialista (SOUZA, 2017). “Os regimes opostos dos dois países interferem diretamente no seu desenvolvimento, pode-se observar isso nas grandes diferenças sociais e econômicas de ambos os países.” (SOUZA, 2017, p.07).

As Relações Inter-Coreanas

Apesar da divisão na Península Coreana, marcada oficialmente pelo Paralelo 38 desde 1953, as duas Coreias ainda continuam, em muitos aspectos, como frações do mesmo país, principalmente em questões geográficas relacionadas ao clima para a agricultura e questões linguísticas e culturais, até certa medida. Isto faz com que as relações entre ambas, por mais tensas e estremecidas que sejam, necessitem de intercâmbio diplomático constante entre suas lideranças para que possam chegar a acordos mutuamente benéficos em várias questões.

Após a queda da União Soviética, em 1991, e, junto dela, de todo o bloco socialista com exceção de China, Cuba e da própria Coreia do Norte, o país ao norte da Península Coreana se viu regionalmente isolado e consequentemente obrigado a reformular sua política externa para não ser economicamente sufocado no Leste Asiático. Assim sendo, o líder norte-coreano, e filho de Kim Il Sung, Kim Jong Il buscou a reaproximação com a vizinha ao sul, que recepcionou bem tais tentativas na figura do presidente Kim Dae Jung (OLIVEIRA, 2009).

Em junho de 2000, a realização da Reunião de Cúpula entre os presidentes da Coréia do Norte, Kim Jong Il, e da Coréia do Sul, Kim Dae Jung, tinha suscitado esperanças de que poderia estar próxima a reunificação coreana. A posição mais cooperativa da Coréia do Sul decorre em parte do projeto de reunificação da península coreana iniciado por Kim Dae Jung, intitulado Sunshine Policy […] (idem, p.12-13)

Por mais que esse esforço pela reunificação tenha acontecido, a reaproximação entre as duas Coreias encontrou mais esforço por parte do sul do que do norte, já que, para a Coreia do Norte, o interesse estava restrito às cooperações econômicas e não na ideia de reunificação. Diante disso, uma das principais conquistas da cúpula inter-coreana foi o acordo entre norte e sul para promover encontros entre famílias separadas pela divisão da Península Coreana em 1948 (SOUZA, 2017).

Porém, a partir do momento em que George W. Bush (2001-2008) assumiu a presidência dos EUA e decidiu mudar o tom da relação com a Coreia do Norte, as relações inter-coreanas voltaram a se degradar bastante, ainda que, por enquanto, a força militar não tenha sido efetivamente usada por nenhuma das partes (SOUZA, 2017). É sobre isto que trataremos em seguida.

Por fim, as relações de ambas Coreias com o mundo exterior

Só o fato de a Península Coreana estar localizada no Leste Asiático, região de extrema relevância geopolítica, explica a dimensão da importância das relações internacionais que ambos os países possam vir a manter, seja através da diplomacia, seja através da guerra como ocorreu nos anos 1950.

Desde os anos 1990, a Coreia do Norte possui uma relação de negociação constante com outros países – inclusive com os EUA – para garantir o abastecimento interno do país que possui recursos escassos. A moeda de troca utilizada por Pyongyang? Poderio nuclear:

O programa nuclear norte-coreano foi iniciado nos anos de 1960 com a ajuda da URSS, e desde então tem sido utilizado como forma de barganhar por ajuda dos demais países, como método de manter o atual regime do país e como uma maneira de se manter relevante na agenda internacional dos EUA e da China (SOUZA, 2017, p. 42).

Após o então presidente dos EUA, George Bush, jogar a Coreia do Norte na categoria de países pertencentes ao  “Eixo do Mal”, o país se viu com apoio declarado apenas da China. Este é o motivo pelo qual  Kim Jong Un, atual líder norte-coreano, utiliza ameaças nucleares ao sul e ao Japão para barganhar com as grandes potências.

A relação da Coreia do Norte com os EUA é tão importante que ela pauta as relações do país asiático com o resto do mundo

Já a Coreia do Sul, como parte do mundo capitalista homogêneo, é uma economia de mercado aberta ao mundo que tem crescido cada vez mais, elevando-se ao status de país desenvolvido. Como tal, a República da Coreia mantém relações com países de toda parte do globo. Porém, talvez o seu maior aliado até os dias de hoje ainda sejam os EUA devido à forte presença militar do país americano na Coreia do Sul, o que garante uma barreira de proteção contra as constantes ameaças nucleares do norte (SOUZA, 2017).

Em suma

Coreia do Norte e Coreia do Sul são fruto de um país dividido, e essa divisão permanece muito graças a influências estrangeiras, vindas desde a colonização japonesa no início do século XX, passando por EUA e URSS durante a Guerra Fria e chegando até os dias de hoje com EUA e China. Ao mesmo tempo, depois de tanto tempo separadas, as duas Coreias construíram sistemas internos bem divergentes, o que fez com que se tornassem mundos muito diferentes um do outro. Contudo, continuam compartilhando muitas semelhanças culturais e étnicas, o que faz com que possamos concluir que a reunificação coreana, por mais que demore, ainda tem grandes chances de vir a ocorrer um dia.

Referências Bibliográficas:

ARMISTÍCIO. In: MICHAELIS, Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa. Editora Melhoramentos, 2021. Disponível em: <https://michaelis.uol.com.br/busca?r=0&f=0&t=0&palavra=armist%C3%ADcio>. Acesso em: 12 mai 2021

CANCIAN, Renato. Maoísmo (1) – A Versão Chinesa do Comunismo. <https://educacao.uol.com.br/disciplinas/sociologia/maoismo-1-a-versao-chinesa-do-comunismo.htm>. Acesso em: 12 mai 2021

FELIPPE, Fabrícia. Repensando a Guerra da Coreia: o Papel das Grandes Potências na Criação e Perpetuação do Conflito na Península Coreana. Monografia (Graduação em Relações Internacionais) – Centro Universitário IBMEC. Rio de Janeiro, p. 47. 2019.

IRAQUE faz parte dos países que formam o “eixo do mal”, diz George W. Bush. Folha de S. Paulo, 2002. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/folha/especial/2002/iraque/eixo_do_mal.shtml>. Acesso em: 12 mai 2021. 

OLIVEIRA, Henrique Altemani de. A Península Coreana: Proposições para Mudanças. In: BONILLA, Juan José Ramirez. Transiciones coreanas: permanencia y cambio en Corea del Sur en el inicio del siglo XXI. El Colegio Del Mexico, 2009. p. 237-260.

SOUZA, Betina Nunes de. A Permanência dos Conflitos entre Coreia do Norte e Coreia do Sul. Monografia (Graduação em Relações Internacionais) – Universidade de Santa Cruz do Sul. Santa Cruz do Sul, p.67. 2017.


[2] Capital da Coreia do Norte.

[3] George W. Bush cunhou este termo em 2002 ao dizer que os EUA passariam a combater em sua política externa o “Eixo do Mal” composto por Coreia do Norte, Irã e Iraque.

Letícia Martins Lima

Internacionalista em formação pela Universidade Federal de Goiás, gosta da área geral de Relações Internacionais, mas tem interesse mais específico nas áreas de Política Internacional e Diplomacia.

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