O Conselho de Segurança: debates atuais 

O Conselho de Segurança: debates atuais 

Palácio das Nações- Sede das Nações Unidas em Genebra

O Conselho de Segurança é um dos órgãos mais importantes da Organização das Nações Unidas (ONU), e tem como objetivo zelar pela segurança internacional. É composto por cinco membros permanentes, representados por Estados Unidos, China, França, Reino Unido e Rússia, e dez assentos rotativos. 

Dada sua constante presença nos assuntos de segurança internacional e em discursos proferidos pelos dirigentes de Estado, e como é um órgão importante para a maior organização internacional do mundo, o Conselho, desde sua fundação em 1945, tem sido alvo de inúmeros estudos. Visto sua relevância, o presente artigo busca entender como funciona este órgão, elucidando as questões mais relevantes sobre ele, como a paz, as propostas de reforma, e as limitações acerca da eficiência do mesmo. 

COMO FUNCIONA O CONSELHO DE SEGURANÇA DAS NAÇÕES UNIDAS?

Criado em 1945, em um contexto no qual a paz no internacional era condicionada pelo fim da violência trazida pelas duas grandes guerras, o Conselho de Segurança tinha um propósito: evitar que o mundo enfrentasse outra catástrofe. Assim, os vencedores da Segunda Guerra Mundial, Estados Unidos, União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) e Reino Unido foram tidos como aqueles que têm capacidade, militar e econômica, de manter a paz. Por isso, com a fundação da ONU, formou-se o Conselho de Segurança, que, dadas essas condições de superioridade de meios, fez com que as grandes potências tivessem privilégios dentro dele. Tudo isso, fortaleceu ainda mais suas posições de mantenedoras da paz, a polícia do mundo. 

Depois disso, França e China tornaram-se membros permanentes. A primeira devido à sua posição na Europa para conter possíveis conflitos com a Alemanha e a URSS, e a segunda, devido à insistência do ex-presidente Franklin D. Roosevelt, que visualizava a noção de um mundo policiado por todos eles (COUNCIL ON FOREIGN RELATIONS, 2023). Além das cadeiras permanentes, tem-se dez assentos rotativos, os quais são eleitos pela Assembléia Geral a cada dois anos, não podendo ser reeleitos seguidamente. Para estes membros, leva-se em conta a equidade geográfica entre os dez países, e suas possíveis contribuições para a segurança internacional (GARCIA, 2013). 

No que concerne aos assuntos relevantes à organização, ela pode decidir sobre questões como sanções, embargo de armas e autorização de intervenção armada. Antes de recorrer à violência, a Carta das Nações Unidas endossa, no Artigo 33, que deve haver, inicialmente, tentativas de negociações entre as partes envolvidas. O conflito armado é o último recurso a ser recorrido, e para isso, deve haver a autorização do Conselho. 

Dado essas noções gerais, as regras na tomada de decisão do Conselho são divididas de duas formas: a primeira é voltada para questões procedimentais, que, segundo o Artigo 27 da Carta das Nações Unidas, necessita do voto afirmativo de nove membros. Já a segunda forma de tomada de decisão dentro do Conselho é focada em questões não procedimentais que, novamente, segundo o Artigo 27, deve ter nove votos afirmativos, inclusive dos membros permanentes. Diante dessa questão fica claro que “Embora não use a palavra veto, a Carta é taxativa quanto à necessidade de concordância dos P-5.” (GARCIA, 2013, p.44).

No que se refere às temáticas as quais o Conselho terá responsabilidades, o Artigo 24 da Carta diz que:

(…) seus Membros conferem ao Conselho de Segurança a principal responsabilidade na manutenção da paz e da segurança internacionais e concordam em que no cumprimento dos deveres impostos por essa responsabilidade o Conselho de Segurança aja em nome deles. (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1945, p.20)

Nesse caso, a temática da paz se torna um aspecto importante para entender a ação do Conselho de Segurança. Por isso, é importante entender o que é a paz e como o Conselho abrange este tema para, assim, compreender sua ação nos dias atuais. 

A PAZ E O CONSELHO DE SEGURANÇA

Como visto no Artigo 24 da Carta das Nações Unidas, a questão da paz se torna essencial para compreender o que está dentro do escopo do órgão, e aquilo que posteriormente será decidido e acatado por todos os países signatários da Carta. Inicialmente, as Organizações Internacionais (OIs) podem ser compreendidas a partir da teoria racionalista, na qual: “(…) os Estados são os principais atores na política mundial e usam as OIs para criar ordenamentos sociais apropriados à busca de objetivos compartilhados” (ABBOTT; SNIDAL, 1998, p.6, tradução minha1). Quando se entende as Organizações a partir desta lente teórica, a questão da paz torna-se algo a refletir, uma vez que seu uso, no Conselho, vai levar em conta a perspectiva dos Estados envolvidos.

A partir disso, a noção de paz pode ser comumente classificada em paz negativa, ausência de conflitos militares, e paz positiva, ausência de conflitos estruturais. Em outras palavras “Os estudos de paz negativos são sobre o não uso da violência e sua deslegitimação, e os estudos de paz positivos sobre o uso da harmonia e sua legitimação.” (GALTUNG; FISCHER, 2013, p.39, tradução minha2). 

A paz aspirada em 1945 era moldada pelo contexto da época. Dessa maneira, dado este medo generalizado da guerra, a temática da paz é colocada no centro de todas as discussões, forçando os atores internacionais a agirem em prol dela e a aceitarem acordos para tal fim (SOLTANI; MORADI, 2017). Nesse aspecto, o fato da Carta não apresentar uma definição clara de paz pode ser compreendida como uma escolha deliberada, que traz flexibilidade ao uso desse conceito (BRUNO, 2012 apud SOLTANI, MORADI, 2017). Assim, o Conselho tornou-se um local no qual os poderosos, que têm poder de veto, externam suas vontades a partir da manipulação do conceito de paz e da pressão causada pelo público. Isso acaba por forçar os outros atores a aceitarem as ações necessárias para que essa suposta paz seja alcançada, por exemplo ao concordarem em conferir poderes ao Conselho (SOLTANI, MORADI, 2017).

A REFORMA DO CONSELHO DE SEGURANÇA

Ao entender sobre uma das temáticas mais importantes para o Conselho: a paz, e como, a partir dela, pode-se ter uma primazia daqueles que têm os meios para manipular os discursos, a questão da reforma do conselho começa a ter algum sentido. Em 1963, houve uma reforma referente ao aumento do número de assentos rotativos de seis para dez. Pode-se observar, também, que a Carta tem um histórico de poucas reformas, apenas três em quase 60 anos, e ao mesmo tempo, experiência, no que se refere a falha da Liga das Nações nas questões de segurança, pois necessitava da aprovação de todos os envolvidos (WEISS, 2003).

Por isso, deve-se levar em consideração que é mais fácil ter a aprovação, ou andamento das questões, em um órgão com menos membros, do que com mais membros. Em outras palavras, segundo Giovanni Sartori em seu livro The Theory of Democracy Revisited (1987), quanto maior o órgão de decisão, menor o risco externo, mais representação, e maior o custo da decisão. Dessa forma, pelo fato do Conselho ser um órgão com poucos tomadores de decisão, tem-se menos custos para essa tomada de decisão, ou seja, ela ocorre de forma mais rápida, mas, ao mesmo tempo, tem-se riscos externos, ou seja, de sub representação ou opressão.

Atualmente, as propostas de reforma são diversas, como a membresia de atores não estatais (RONZITTI, 2010) e aumento de assentos permanentes e rotativos, sendo o Brasil um dos países que almeja um assento permanente para si (SOUSA, 2009). Sobre essas propostas e o novo internacional que emergiu no pós-Guerra Fria, Thomas G. Weiss (2003) problematiza que:

É verdade que o conselho não reflete a distribuição real de poder do século XXI, mas propostas de reforma emanadas de diplomatas e analistas nunca abordaram o verdadeiro desequilíbrio entre os lugares à mesa, e a capacidade militar real fora da Câmara do Conselho de Segurança. Eles procuraram resolver, em vez disso, o desequilíbrio entre o número total de países no mundo e membros do Conselho de Segurança, bem como para contestar o veto absoluto direito detido por cinco países. (WEISS, 2003, p.149, tradução minha3)

Neste caso, por mais que haja propostas de reforma, os objetivos do Conselho estão ligados ao fato de que os que detêm mais poder dentro dele, como o veto, também detém os meios para que esse objetivo da segurança se concretize. Porém, a eficiência do órgão acaba se tornando refém destes poderosos, que pelo seu veto, levam a paralisação na tomada decisão, independente da quantidade de tomadores de decisão dentro do órgão, como mencionou Sartori.

A QUESTÃO DA EFICIÊNCIA NO CONSELHO DE SEGURANÇA:

A eficiência do Conselho de Segurança é uma temática muito estudada, e que leva em consideração várias questões. Por um lado, o órgão falhou em trabalhar com as novas perspectivas de segurança que emergiram no século XXI, levando-o ao descrédito. Exemplos disso são a anexação da Crimeia pela Rússia, e posteriormente a invasão da Ucrânia, as guerras na Síria, a crise no Mali, e entre outras questões que não foram resolvidas e que, portanto, continuam acontecendo até os dias atuais. Além do uso da força indevida, de forma unilateral, por parte de seus membros permanentes. 

A questão da ineficiência, nesse sentido, é apresentada por Silva e Filho (2020), como atribuída ao poder de veto dos atores, que paralisam ações importantes do Conselho. Nesse aspecto eles afirmam que: “Os violadores persistentes do direito internacional geralmente encontram abrigo no direito de veto dos membros permanentes.” (SILVA; FILHO, 2020, p.19). Dessa maneira, este órgão pode se encontrar em paralisia, se assim um de seus membros permanentes desejar, fazendo com que seus objetivos não sejam atingidos, e que ele fique desacreditado pela comunidade internacional, podendo fomentar ainda mais ações sem a devida impunidade. 

Por fim, o problema de tudo isso, foi abordada por John Van Oudenaren (2009), ao afirmar que:

A experiência após cada um desses conflitos globais demonstrou as vantagens e desvantagens de atribuir responsabilidades pela manutenção da paz a um pequeno grupo de poderes. O perigo mais agudo para o funcionamento de tal sistema tem sido que a unidade entre os aliados não sobreviveu à derrota do antigo inimigo comum. O sistema fica, então, num impasse e é incapaz de responder aos desafios internacionais. O outro perigo é que as supostas grandes potências ou coalizões de potências médias excluídos do topo da ordem internacional agitam contra o sistema e miná-lo de fora. (OUDENAREN, 2009, p.2, tradução minha4)

As conclusões de Oudenaren apontam para possíveis dificuldades no futuro deste órgão, que quando seus membros permanentes usufruem de sua posição, utilizam desse privilégio de impunidade, que mina a credibilidade do órgão, levando a uma onda de Estados inconformados, como se vê nos dias atuais.

CONCLUSÕES:

Conclui-se, portanto, que o Conselho funciona de forma racionalista. Isso ocorre ao perceber-se a ineficácia do Conselho para com assuntos voltados ao interesse dos próprios membros permanentes. Pois, ao permitir que isso aconteça, entende-se que se trata de um órgão que é controlado por Estados, para que eles possam agir no internacional de maneira a atingir seus objetivos, como visto na teoria aplicada anteriormente, utilizando, também, da manipulação da noção de paz para atingir este fim. Em termos gerais, seu funcionamento pode até ocorrer de forma adequada em algumas situações, mas elas devem estar alinhadas com a vontade dos membros permanentes. 

Nota de rodapé:

1 states are the principal actors in world politics and that they use IOs to create social orderings appropriate to their pursuit of shared goals

2 Negative peace studies are about the non-use of violence and its delegitimation, and positive peace studies about the use of harmony and its legitimation.

3 True, the council does not reflect the actual distribution of twenty-first-century power, yet reform proposals emanating from diplomats and analysts have never addressed the true imbalance between seats at the table and actual military capacity outside of the Security Council chamber. They have sought to address, instead, the imbalance between the total number of countries in the world and Security Council membership as well as to dispute the absolute veto right held by five countries.

4 The experience after each of these global conflicts demonstrated the advantages and drawbacks of assigning responsibilities for the maintenance of peace to a small group of powers. The most acute danger to the functioning of such a system has been that unity among allies does not survive the defeat of the former common enemy. The system then becomes deadlocked and unable to respond to international challenges. The other danger is that would-be great powers or coalitions of middle powers excluded from the top tier of the international order agitate against the system and undermine it from without. 

Referências imagens:

ANTANOVICH, Aliaksandr. Palácio das nações – sede das nações unidas em Genebra. Disponível em: https://pt.vecteezy.com/foto/6140755-palacio-das-nacoes-sede-das-nacoes-unidas-em-geneva.

Referências:

ABBOTT, Kenneth W.; SNIDAL, Duncan. Why States Act through Formal International Organizations. Journal of Conflict Resolution. University of Maryland, v. 42, n. 1, p.  3–32, 1998. Disponível em: https://journals.sagepub.com/doi/10.1177/0022002798042001001

COUNCIL ON FOREIGN RELATIONS. The UN Security Council. Council on Foreign Relations, Nova Iorque, 2023. Disponível em: https://www.cfr.org/backgrounder/un-security-council. Acesso em: 2 jul. 2023.

GALTUNG, Johan; FISCHER, Dietrich. Positive and Negative Peace. In: GALTUNG, Johan, FISCHER, Dietrich (aut.). Johan Galtung: Pioneer of Peace Research. Belim: Springer, Berlin, Heidelberg, 2013. p. 173–178. E-book

GARCIA, Eugênio V. Conselho de Segurança das Nações Unidas. Brasília : Fundação Alexandre de Gusmão,  2013. E-book

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Carta das Nações Unidas. Nova Iorque: [s.n], 1945.

OUDENAREN, John V. Effectiveness and Ineffectiveness of the UN Security Council in the Last Twenty Years: A US Perspective. Istituto Affari Internazionali, Roma, 2009, p. 1-16. Trabalho apresentado no seminário “The European Union and the Reform of the United Nations”, 2009, Roma. Disponível em: https://www.iai.it/sites/default/files/iai0930.pdf. Acesso em: 11 jul. 2023. 

RONZITTI, Natalino. The Reform of the UN Security Council. Istituto Affari Internazionali, Roma, 2010, p. 1-20. Trabalho apresentado no seminário “The Reform of the UN Security Council: What Role for the EU?”, 2010, Roma. Disponível em: https://www.iai.it/sites/default/files/iai1013.pdf. Acesso em: 11 jul. 2023. 

SILVA, Eduardo Pinheiro Granzotto da.; FILHO, Newton Tavares. A eficácia do Conselho de Segurança das Nações Unidas e as perspectivas de reforma. Revista da Escola Superior de Guerra,  v. 35, n. 75, p. 13-26, 2020. Disponível em: https://revista.esg.br/index.php/revistadaesg/article/view/1191. Acesso em: 12 jul. 2023. 

SOLTANI, Rasool; MORADI, Maryam. The Evolution of the Concept of International Peace and Security in light of UN Security Council Practice (End of the Cold War-Until Now). Open Journal of Political Science, v.7, n.1, p. 133-144, 2017. Disponível em: https://www.scirp.org/pdf/OJPS_2017010315102463.pdf. Acesso em: 13 jul. 2023.

SOUSA, Julianna Cristhina Neves de. A reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas. 2009. Trabalho de Conclusão de Curso (bacharelado em Direito) – Centro Universitário de Brasília, Brasília, 2009. Disponível em: https://repositorio.uniceub.br/jspui/bitstream/123456789/197/3/20524868.pdf. Acesso em: 12 jul. 2023.

WEISS, Thomas G. The Illusion of UN Security Council Reform. The Washington Quarterly, v. 26, n. 4, p. 147-161, 2003. Disponível em: https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1162/016366003322387163. Acesso:  12 jul. 2023. 

Camila Neves Peixoto

Estudante de Relações Internacionais na PUC Minas. Interessada em Política Externa, diplomacia e segurança.

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