O PROTECIONISMO E SUA RELAÇÃO COM O AUMENTO DE TENSÕES NO SISTEMA INTERNACIONAL

O PROTECIONISMO E SUA RELAÇÃO COM O AUMENTO DE TENSÕES NO SISTEMA INTERNACIONAL

A estrutura dessa análise traz o modo como o protecionismo foi construído e qual é o seu propósito de existência. A partir disso, serão delimitadas algumas diretrizes do sistema internacional com o objetivo de mostrar que independentemente da situação a melhor forma de construir uma certa ordem internacional é através da cooperação.  Afinal, tem-se que apenas se os Estados tomarem conhecimento dos anseios que outros Estados possuem pode-se estabelecer métodos mais eficazes para resolução de discórdias. Além disso, com o crescimento do protecionismo os países tendem a se afastarem ainda mais, promovendo o estabelecimento do que se chama de Estado de Guerra[1].

AS RAÍZES DO PROTECIONISMO

O protecionismo é uma prática antiga e muito utilizada por tomadores de decisão, a mesma consiste na proteção fornecida pelos Estados para eliminar a concorrência externa na economia nacional. Encontram-se indícios desse mecanismo no período do Mercantilismo, que se estendeu do século XV até o final do século XVIII. Nesse modelo econômico, os estados-nacionais estavam se consolidando e para que isso ocorresse o Governo precisou intervir na economia. Um dos princípios desse período era o protecionismo alfandegário, isto é, criavam-se impostos e taxas para evitar, ao máximo, a entrada de produtos vindos do exterior. O objetivo era estimular a indústria nacional e evitar a saída de moedas para outros países, além do incentivo as manufaturas.

Ademais, cabe correlacionar esse termo com a escola americana, a mesma consiste em uma doutrina macroeconômica que influenciou a política econômica estadunidense desde a Guerra de Secessão até metade do século XX. Esse pensamento possuía como principais pontos: proteção da indústria mediante tarifas alfandegárias elevadas e seletivas; investimentos estatais na infraestrutura; um Banco Nacional com políticas que promovem o crescimento dos empreendimentos produtivos.

O PROTECIONISMO COMO PERCURSOR DE CONFLITOS INTERNACIONAIS

A estrutura do Sistema Internacional exige um certo grau de cooperação entre as partes que o compõe. Para muitos teóricos o termo cooperação é um dos pilares para consolidação de regimes menos conflituoso entre Estados. Isso não significa que as divergências deixaram de existir, mas as medidas para que elas sejam solucionadas, sem dúvida, serão mais efetivas. Cooperar designa uma situação na qual os atores ajustam seus comportamentos às preferências dos outros por meio de um processo de coordenação de políticas.[2] Diante disso, quais são as consequências de um sistema marcado pela inexistência da cooperação? A resposta para essa pergunta, uma vez pensada, só remete a uma única consequência, a discórdia. Segundo Sarfati (2005, p. 56), esse termo nada mais é do que uma situação em que os governos entendem as políticas de outros países como obstáculo para a obtenção dos seus próprios objetivos.

Diante disso, chega-se a chave dessa análise, se como supracitado a não cooperação leva a discórdia que pela definição dada leva ao conflito, em um sistema internacional anárquico[3] no qual os Estados (atores) se fecham para os interesses de outros haverá tensões. Haja visto, que todos os esforços serão destinados apenas para sobrevivência do próprio Estado. Sendo assim, para tentar conter tal pressuposto institui-se tentativas de promover maior cooperação entre as partes, dentre elas a criação de regimes internacionais apontados como:

[…] grupos de princípios implícitos ou explícitos, normas, regras e procedimentos de decisão em torno dos quais as expectativas dos atores convergem em uma determinada área de relações internacionais. Os princípios são crenças de fatos e causação. As normas são padrões de comportamento definidos em termos de direitos e obrigações. As regras são prescrições ou proscrições para as ações e os procedimentos de decisões, as práticas para fazer e implementar as escolhas coletivas. (SARFATI, 2005, p. 58 apud KRANSNER, 1983, p. 2)

A existência de regimes não impõe propriamente regras comportamentais sobre os Estados haja visto, que estes são soberanos. Os regimes internacionais pressupõem um sistema onde seus membros, no instante que o aderem, se comprometam com determinadas regras a fim de promover um certo de grau de cooperação. A Organização Mundial do Comércio (OMC), por exemplo, representa uma forma de regime em que os seus integrantes não são obrigados a aderir sistematicamente ao livre-comércio e sim, a prática de não-discriminação[4] e reciprocidade.[5] Políticas como as do presidente norte-americano Donald Trump, e o BREXIT (saída do Reino Unido da União Europeia) reforçam o fato de que os regimes internacionais não funcionam corretamente sem que haja compromisso por parte dos Estados.

O isolacionismo dificulta as trocas comerciais e geram problemas entre os países. Para alguns estudiosos o protecionismo é capaz de transformar os vínculos entre os atores internacionais, fazendo com que relações de amizades se tornem extremante conflituosas. O protecionismo econômico norte-americano atual reforça esse fato. Dados da OMC sobre disputas econômicas, liberados em julho de 2018, demonstraram que as relações entre EUA e Canadá que até então eram amistosas, mediante os termos do Acordo de livre-comércio (NAFTA) que existia entre eles, se tornaram cada vez mais complexas marcadas por diversas restrições e disputas no âmbito comercial.

A tendência protecionista estava presente em vastos contextos de guerra. Segundo Palen (2016, pág 212), foi um dos cenários que antecederam a Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Período marcado por disputas imperialistas entre diversas potências que lutavam, apenas, em prol de seus próprios interesses econômicos, colocando em jogo relações com outros países.

Ao se analisar a situação de países como Venezuela é possível observar os problemas gerados por medidas isolacionistas.  Além das tensões internacionais, o país ainda lida com diversos problemas internos relacionados à crises econômicas, fato esse, que por vezes tem como resultado guerras civis. Mediante tal situação, a região é hoje vista por muitos países da América como uma ameaça potencial, o mesmo ocorre com a Coreia do Norte.

Ambos, Coreia do Norte e Venezuela, estão economicamente isolados. A Venezuela ainda é membro da OMC, mas já não segue as regras da instituição, já Coreia do Norte se mantém fora de vários acordos internacionais, o que reforça a imprevisibilidade de suas ações. Dado tal pressuposto, tem-se que por mais que o sistema internacional seja anárquico há diretrizes que regem seu funcionamento. Diante disso, a partir do momento que algum Estado desconsidera os limites dessas diretrizes ele ameaça a ordem internacional, apontada por Bull (2002, pág. 13) “como um padrão de atividade que sustenta os objetivos elementares ou primários da sociedade dos estados, ou sociedade internacional. ”[6]

CONCLUSÃO

O protecionismo, nessa análise, é uma medida que possui o intuito de fortalecer as indústrias e o comércio do país, para isso o Estado intervém na economia e estipula barreiras para produtos estrangeiros, tais como maior exigência sanitária, taxas alfandegarias, dentre outros. Desse modo, essa linha de pensamento foi muito utilizada no passado, mas com a globalização ela perdeu força devido ao nível de interdependência dos atores internacionais, fato esse proporcionado pela evolução do comércio internacional. Todavia, recentemente, alguns países retomaram a tal método, exemplo disso é a saída do Reino Unido da União Europeia e mais fortemente as políticas econômicas de Donald Trump.

NOTAS

[1] O estado de guerra é uma das questões que caracteriza o modo como se encontra o sistema internacional no geral ele pode ser definido pela existência “de uma desconfiança generalizada e permanente, de onde decorre a permanente luta pela sobrevivência por parte de todos os Estados. ” (NOGUEIRA, Messari. 2005, pág. 40)

[2] SARFATI, Gilberto. Teoria das Relações Internacionais. São Paulo: Saraiva, 2005, pág. 55

[3] Multiplicidade de potências sem governo. Ou seja, não há um governo mundial que regule as ações dos Estados no sistema internacional logo, ele é anárquico (WIGHT, 2002, pág. 92)

[4] É o princípio básico da OMC. Está contido no Art. I e no Art. III do GATT 1994 no que diz respeito a bens e no Art. II e Art. XVII do Acordo de Serviços. Estes Artigos estabelecem os princípios da nação mais favorecida (Art. I) e o princípio do tratamento nacional (Art.III). Pelo princípio da nação mais favorecida, um país é obrigado é estender aos demais Membros qualquer vantagem ou privilégio concedido a um dos Membros; já o princípio do tratamento nacional impede o tratamento diferenciado de produtos nacionais e importados, quando o objetivo for discriminar o produto importado desfavorecendo a competição com o produto nacional. Disponível em: <http://www.mdic.gov.br/comercio-exterior/negociacoes-internacionais/1886-omc-principios>

[5]SARFATI, Gilberto. Teoria das Relações Internacionais. São Paulo: Saraiva, 2005, pág. 58

[6] Sociedade internacional é compreendida a partir do momento em que “um grupo de Estados, conscientes de valores comuns, formam uma sociedade, no sentido de se considerarem ligados, no seu relacionamento, por um conjunto comum de regras, e participam de instituições comuns”. (BULL, 2002, pág. 19)

BIBLIOGRAFIA

BULL, Hedley. A sociedade anárquica. 1 ed. Brasília: UNB, 2002. 361 p.

MINISTÉRIO DA INDÚSTRIA, COMÉRCIO EXTERIOR E SERVIÇOS. OMC –organização mundial do comércio. Disponível em: <http://www.mdic.gov.br/comercioexterior/negociacoes-internacionais/805-omc-organizacao-mundial-do-comercio>. Acesso em:10 dez. 2018.

PALEN, Marc-William, The “conspiracy” of free trade : the Anglo-American struggle over empire and economic globalization, 1846–1896/Cambridge UK, Cambridge University Press, 2016, 235p.

SARFATI, Gilberto. Teoria das Relações Internacionais. 1 ed. São Paulo: Saraiva, 2005. 384p.

WIGHT, Martin. A Política do Poder. 2 ed. Brasília: UNB,  2002, 329 p.

Anna Clara Oliveira

Estudante do 7ºperíodo de Relações Internacionais na Universidade Federal de Goiás e pesquisadora no programa de iniciação científica sobre milícias brasileiras, crime organizado transnacional e assemblages globais da segurança.

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