O terrorismo na França

O terrorismo na França

Fonte: Anthony Choren

O terrorismo é um fenômeno de difícil definição, dada sua complexidade de ação e extensão. Assim, seus significados podem se diferenciar nas leis dos países. Diante disso, é objetivo desse artigo tentar compreender o terrorismo no França, e para isso será apresentado o que é o terrorismo a partir da lei francesa, e algumas contribuições de alguns autores. Em seguida, será feito um histórico dos ataques terroristas no país, identificando seus perpetuadores, e compreendendo suas possíveis motivações. Por fim, será compreendido a questão do contra terrorismo na França. 

O que é o terrorismo

No artigo 421 do código penal Francês, o terrorismo é caracterizado, e são definidas as penas para cada um dos atos que são considerados dentro desse escopo. Dada a complexidade do tema e um histórico nada atual desses ataques, pode-se compreender o motivo do artigo ter muitas especificidades, que por consequência gera algumas dificuldades para trazer o artigo de forma precisa e resumida. Isso ocorre, pois, leis são difíceis de se traduzir, de uma forma a se manter fiel à sua interpretação original, e, por ser um artigo extenso, trazê-lo de forma resumida gera uma diminuição na complexidade do problema. Dado essa dificuldade, apenas o alicerce dessa lei será mencionada, assim o terrorismo se constitui: “Constitui-se atos de terrorismo quando estiverem intencionalmente ligados a uma empresa individual ou coletiva, com o objetivo de perturbar gravemente a ordem pública, através da intimidação ou do terror” (França, 2016, tradução minha)1

Mesmo diante desta dificuldade, em termos de definir o terrorismo para o Estado Francês, devido à questão da complexidade da língua e a extensão do artigo, pode-se entender suas raízes e motivações. Para contribuir ainda mais com esse entendimento da motivação dos ataques terroristas, eles podem ser compreendidos a partir da ideia de uma resistência ao Estado moderno, ou podendo ser uma ação deste mesmo Estado (Crenshaw, 1998). Além disso, a escolha por este método, e não outro, para se atingir objetivos de cunho político, pode ser explicada por três razões:

As três razões são que eles não pensam que podem alcançar os seus objetivos utilizando outros meios; não sentem que estão fazendo progressos suficientes em direção ao seu objetivo, utilizando outros métodos, e não estão dispostos a continuar a tentar, ou pensam que o terrorismo irá disponibilizar outras ferramentas para prosseguirem com os seus objetivos. (Yamamoto, 2017, p. 57, tradução minha)2

Diante do que foi explicado, pode-se ter uma noção geral do que é o fenômeno aqui tratado, mas é válido dizer que cada país tem suas peculiaridades quanto à formulação legal do que se configura como terrorismo. No caso da França, o significado geral do terrorismo envolve o artigo citado acima, com suas próprias especificidades. Além disso, é importante esclarecer que há outros autores que contribuem para a noção do terrorismo, em termos acadêmicos. Portanto, ao fazer uma análise, é necessário delimitar a partir de um autor ou lente teórica que explique tal fenômeno.

Foi citado acima a motivação por trás do ato aqui considerado, porém, é importante destacar que o terrorismo não tem uma causa específica, ou seja, nenhuma condição social, econômica e até política como uma causadora per si (Yamamoto, 2017). Assim, o terrorismo não deriva de uma situação específica, ou de um regime determinado. Já, segundo Sebastian Wojciechowski (2017), os estudiosos do assunto não necessariamente convergem em um ponto específico, causador do fenômeno, mas em um conjunto de variáveis para explicar a motivação de tal fenômeno. 

Terrorismo na França: histórico

Diante de tudo que foi explicado, o histórico geral do terrorismo na França pode ser traçado no começo do século XIX, com o fim da Revolução Francesa, que foi seguido por um terrorismo feito pelo Estado, que ali se formou após a revolução, e começou a se expandir para o nível da sociedade (Degenszajn, 2006). Nesse caso, os grupos que ali se formavam, tanto na Rússia, quanto na Itália e França, utilizaram desta técnica como uma tática contra o Estado. Já no século XX a França teve três grande preocupações no que se refere a este fenômeno.

A França é vítima histórica de três espécies de terrorismo: interno, colonial e transnacional. Internamente, há os exemplos, a partir dos anos 1960, dos movimentos autonomistas da Bretanha, dos bascos e da Córsega. (…) O terrorismo transnacional deu-se, entre outros, com assassinatos de líderes árabes e atentados contra alvos judaicos, no contexto do conflito árabe-israelense, a partir dos anos 1970. (Cunha, 2010, p. 101)

Dentro da primeira forma de terrorismo tem-se três grupos principais, o primeiro em relação ao movimento separatista da região da Bretanha, com a Frente de Libertação da Bretanha, criada em 1964, e a Frente de Libertação Bretã, criada em 1971. O segundo foram os esforços para a libertação da região do país Basco, uma região que é dividida entre França e Espanha, nesse aspecto com a criação de organizações terroristas como o Iparretarrak e o Euskadi Ta Askatasuna (ETA). Por fim, uma das questões mais preocupantes, são voltadas para os esforços de libertação da Córsega. A segunda forma de terrorismo na França está relacionada à colonização. Um exemplo disso é em 1830, quando a França ocupou a Argélia, e logo em 1848 ela a declara como parte de seu território, sendo finalizada com a guerra de independência da Argélia em 1950 e 60. Diante disso, deve-se considerar que:

A natureza e a velocidade da dissolução do império francês, por sua vez, causaram uma tremenda turbulência dentro do Estado francês e, além de quase precipitar a guerra civil, também levaram ao surgimento de uma organização terrorista dentro das fileiras das próprias forças de segurança da França. (Gregory, 2003, p. 127, tradução minha)3

Nesse caso, com a guerra de independência da Argélia, acordos começaram a ser feitos em 1958. No entanto, à medida que isso avançava, grupos contrários à independência argelina eram formados dentro da força militar francesa. Um dos feitos deste grupo, cujo nome era Organisation Armée Secrète, foi atentar contra a vida do general Charles de Gaulle em 1961. 

Já no século XXI a França continua sendo alvo deste fenômeno, agora faz-se referência à terceira forma de terrorismo na França: o transnacional. Nesse caso, o terrorismo transnacional é definido: “como uma insurgência à escala global, uma campanha violenta que visa influenciar uma audiência mundial e encorajar os seus seguidores através da utilização de tecnologias de comunicação modernas.” (Crenshaw, 2020, p. 3, tradução minha)4

Entre tantos atos, pode-se destacar os acontecimentos em 2015, como o ataque à revista satírica Charlie Hebdo, feito por dois homens do grupo Al-Qaeda na Península Arábica, uma ramificação da Al-Qaeda, e em novembro, ao teatro Bataclan e a um estádio de futebol, realizados pela organização terrorista Estado Islâmico. Tais acontecimentos levaram o país a declarar estado de emergência, dando poderes extremos ao Estado para que ele possam lutar contra a ameaça em questão (Fredette, 2017). 

É importante entender que os ataques feitos por esses grupos terroristas não se limitam aos comentados acima, mas em relação ao caso mencionado, eles são tidos como: “uma resposta à campanha da França contra os seus combatentes e aos insultos contra o profeta do Islã, um argumento que também foi expresso pelos “lobos solitários” que atacaram os escritórios do Charlie Hebdo e o supermercado Kosher em Janeiro de 2015.” (Muro, 2015, p. 1, tradução minha)5

Em termos gerais, a França tem sido um constante alvo de ataques de tais grupos, não só devido à agenda dos grupos para com a França, mas para com o mundo. Entende-se isso, justamente dado o significado do terrorismo transnacional, não é uma luta com uma égide especifica; existem várias facetas desse fenômeno.  O que diferencia esses tipos de terrorismo são seus objetivos políticos, como libertação de uma região, ou algo maior, como uma insatisfação com o status quo do atual sistema de Estados modernos.

Contra terrorismo:

Segundo Shapiro e Suzan (2003) inicialmente, até 1980, a França praticava o “sanctuary doctrine” que consistia em evitar que as motivações políticas do terrorismo se manifestassem. Depois disso, teoriza-se que a acomodação foi mais uma forma de lidar com a situação. Na época, em 1986, o governo francês firmou alguns acordos com o governo Sírio para liberação de reféns franceses no Líbano e outras questões relacionadas a grupos terroristas libaneses na França, de forma que o resultado foi o cessar dos ataques no país francês por um tempo. Após isso, foi o momento de suprimir os ataques, a partir de uma fortificação do poder militar francês. Ademais, em 1986 o fenômeno do terrorismo foi incorporado à legislação francesa, criando órgãos para lidar com a questão de forma coordenada e organizada, gerando maior especialização no assunto (Shapiro; Suzan, 2003). Durante os anos noventa, ações preventivas foram tomadas em relação ao terrorismo, assim como ações de contra terrorismo em relação ao Grupo Islâmico Armado, como um dos precursores de ataques terroristas na França naquela época. 

É importante destacar que desde a criação da legislação sobre o assunto, o atos de terrorismo são tratados em tribunal comum. Isso ocorre para deslegitimar a causa, diminuindo sua importância (Rault, 2010). Ademais, o país considera os ataques como: “Além disso, o governo francês vê a ameaça do terrorismo de forma diferente da dos Estados Unidos. […] A França define o terrorismo como a expressão violenta do extremismo, que às vezes é motivado pela religião e outras vezes motivado por diversos fatores” (Rault, 2010, p. 24, tradução minha)6. Isso é explicado, dado o passado francês que foi abordado acima, que inclui ataques de guerrilhas, levando o país a entender a questão da maneira citada acima.

Por fim, é importante entender que as táticas do governo francês na atualidade são muito complexas e são levadas com flexibilidade, dentro dos limites da lei, empregando cooperação internacional, treinamento e recursos humanos (Rault, 2010).

Conclusão

 A França tem um modo de operar diferente de outros países, justamente dado seu passado de ataques. Porém, apesar de seus esforços, o país continua sendo um alvo, e isso pode ocorrer dependendo da motivação do grupo e dos seus objetivos. Podendo ser resultado tanto do seu passado colonizador, quanto por sua imagem de importância para a sustentação do modo de vida e pensamento ocidental, ao levar em conta grupo que vai contra tal noção de mundo ocidental. Vale destacar que cada grupo tem seus objetivos e carrega suas próprias nuances, por isso, detalhamentos devem ser estudados à luz de cada grupo e suas objetividades. Em termos gerais, seus objetivos políticos podem variar, por isso não foram enfatizados no artigo, para assim entender a complexidade da questão. 

IMAGEM:

CHOREN, Anthony. Unsplash. 2019. Disponível em: https://unsplash.com/pt-br/fotografias/lYzap0eubDY. Acesso em: 07 out, 2023.

CITAÇÕES:

1: Constituent des actes de terrorisme, lorsqu’elles sont intentionnellement en relation avec une entreprise individuelle ou collective ayant pour but de troubler gravement l’ordre public par l’intimidation ou la terreur

2: The three reasons are that they do not think they can achieve their goals using other means; do not feel that they are making enough progress toward their goal using other methods and are not willing to keep trying, or think that terrorism will make other tools available to them to pursue their goals.

3:The nature and speed of the dissolution of the French empire in turn caused tremendous turbulence within the French state and as well as nearly precipitating civil war it also led to the emergence of a terrorist organization from within the ranks of France’s own security forces.

4: as insurgency on a global scale, a violent campaign aimed at influencing a worldwide audience and encouraging followers through the use of modern communications technology

5: a response to France’s campaign against its fighters and insults against Islam’s prophet, an argument that was also voiced by the ‘lone wolves’ who attacked the Charlie Hebdo offices and the Kosher supermarket in January 2015

6: the French government views the threat of terrorism differently from the United States. (…) France defines terrorism as the violent expression of extremism, which is sometimes motivated by religion and other times motivated by different factors

REFERÊNCIAS:

CRENSHAW, Martha. Rethinking Transnational Terrorism AN INTEGRATED APPROACH. United States Institute of Peace, n. 158, p. 1-24, 2020. Disponível em: https://www.usip.org/publications/2020/02/rethinking-transnational-terrorism-integrated-approach. Acesso em: 1 out, 2023.

CRENSHAW, Martha. The Causes of Terrorism. Comparative Politics, v. 13, n. 4, p. 379-399, 1981. Disponível em: https://doi.org/10.2307/421717. Acesso em 3 ago, 2023. 

CUNHA, Ciro Leal M. Terrorismo internacional e política externa brasileira após o 11 de setembro. Brasília, FUNAG. 2010. Disponível em: https://funag.gov.br/biblioteca-nova/produto/1-1062. Acesso em: 16 ago, 2023. 

DEGENSZAJN, Andre R. TERRORISMOS E TERRORISTAS. Dissertação para a obtenção do título de Mestre em Ciências Sociais. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2006, São Paulo. Disponível em: https://tede.pucsp.br/bitstream/handle/3731/1/Andre%20Raichelis%20Degenszajn.pdf

FRANÇA. Lei 421, 21 de junho de 2016, Código Penal. Disponível em: https://www.legifrance.gouv.fr/codes/id/LEGISCTA000006149845 . Acesso em: 17, ago, 2023. 

FREDETTE, Jennifer. The French State of Emergency. Current History, v. 116, n. 788, p. 101-106, 2017. Disponível em: https://www.jstor.org/stable/48614240. Acesso em: 27 ago, 2023. 

GREGORY, Shaun. France and the war on terrorism. Terrorism and Political Violence, v. 15, p. 124-147, 2003. Disponível em: https://doi.org/10.1080/09546550312331292987. Acesso: 3 ago, 2023. 

MURO, Diego. Why did Isis target France?. Barcelona Centre for International Affairs. 2015. Disponível em: https://www.cidob.org/en/publications/publication_series/opinion/seguridad_y_politica_mundial/why_did_isis_target_france. Acesso em: 19 set, 2023

RAULT, Charles. The French Approach to Counterterrorism. Combating Terrorism Center, v. 3, p. 22-25, 2010. Disponível em: https://ctc.westpoint.edu/the-french-approach-to-counterterrorism/. Acesso em: 3 ago, 2023. 

SHAPIRO, Jeremy, SUZAN, Bénédicte. The French experience of Counter-terrorism. Survival. 2003, v. 45, p. 67-98. Disponível em: https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1093/survival/45.1.67. Acesso em: 2 out, 2023. 

YAMAMOTO, Marianna M. The Cause and Threat of Terrorism. In: YAMAMOTO, Marianna (ed.) M. Terrorism Against Democracy. Maryland: Center for International & Security Studies, U. Maryland, 2017. p. 56-70. E-book.

WOJCIECHOWSKI, Sebastian. Reasons of Contemporary Terrorism. In: SROKA, Anna, GARRONE, Fanny C.-R, DARÍO, Rubén T. K, (ed). Radicalism and Terrorism in the 21st Century: Implications for Security. Nova York: Peter Lang, 2017. p. 49-70. E-book

Camila Neves Peixoto

Estudante de Relações Internacionais na PUC Minas. Interessada em Política Externa, diplomacia e segurança.

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