ATUAÇÃO DA UNIÃO AFRICANA EM GOLPES DE ESTADO

ATUAÇÃO DA UNIÃO AFRICANA EM GOLPES DE ESTADO

INTRODUÇÃO

A criação da União Africana (UA) em 2002 se dá com o Renascimento Africano, momento em que há uma renovação na resolução de conflitos e maior busca de inserção autônoma e multilateralismo, entretanto, o contexto tem raízes no pan-africanismo, que por sua vez representa uma ideologia de libertação. Durante anos a Organização da Unidade Africana (OUA) teve papel fundamental para o desenvolvimento africano, com momentos relevantes na erradicação do colonialismo e na luta contra o apartheid, mas também sofria criticas pela sua ineficácia em casos de conflitos e violações de direitos humanos, Powell, Lasley e Schiel (2016) identificam como razão a sua política de não-interferência em assuntos internos dos Estados-membros.

Essa passividade, unida às mudanças que a África passava, demonstrou a necessidade de uma integração regional. Assim, é lançada uma organização pan-africana com foco na cooperação, impulsionamento da economia, sem deixar de abordar problemas sociais, econômicos e políticos. Desse modo, os objetivos específicos deste trabalho são: analisar a estrutura organizacional da UA e identificar as crises políticas e golpes de Estado ocorridas nos países onde esse cenário foi mais recorrente atualmente e os desafios e as medidas da UA.

A organização conta, atualmente, com 51 países-membros africanos, sendo que desde 2020 quatro países foram suspensos. É importante que se tenha controle de crises políticas, afinal, suas constâncias na região geram ainda maiores crises sociais e humanitárias que enfraquecem o poder dos países e da própria organização sob a visão de outros atores internacionais. Entretanto, assim como outros órgãos de supervisão e manutenção de segurança, a UA sofre com vários empecilhos. Desse modo, o quão eficazes e efetivas são as ações e decisões tomadas pela União Africana?

ESTRUTURA DA UNIÃO AFRICANA E GOLPES DE ESTADO NA ÁFRICA

A falta de habilidade da Organização da Unidade Africana de lidar com questões de segurança convergia com o ideal do Renascimento Africano, que busca solucionar conflitos por si só com uma inserção autônoma. Os desafios de integração e desenvolvimento, somados ao desejo de ver uma África renascida e unida, fizeram com que fossem realizadas três cimeiras para a implementação da UA e, portanto, “o intuito de corrigir o legado negativo deixado pela antecessora OUA e recolocar a África no novo cenário que se vislumbrava” (HAFFNER; VIANA, 2013, p.71).

A estrutura da União Africana se diferencia substancialmente da Organização da Unidade Africana, sendo que a primeira se assemelha ao formato União Europeia, e possui uma Assembleia, Conselho Executivo, Tribunal de Justiça, Conselho Econômico, Social e Cultural, Conselho de Paz e Segurança, instituições financeiras e mais.

A dimensão da sua importância pode ser compreendida ao analisarmos que o continente africano, por mais divergente que seja em razão de sua extensão territorial e de sua riqueza em diversidade étnica e cultural. “A tomada do poder pela força em África é sintomática” (DIAS, 2010, p. 142), podendo ser apontada como uma semelhança recorrente em muitos dos países africanos e um indicativo da instabilidade e de crises políticas que enfrentam. Dias (2010, p. 142) ainda define golpes de Estado como:

na grande maioria dos casos, como uma guerra interna, mesmo considerando apoios e estímulos externos. Estamos a falar de uma acção caracterizada pela rapidez e surpresa, executada por determinado conjunto ou grupo, com a valência de utilização da força física/militar, com a principal finalidade de tomar o poder.

DIAS (2010, p. 142)

É interessante destacar os países que passaram por crises e golpes há anos, mas que eventualmente os reviveram e ainda se mantêm em uma grande instabilidade política, pois essas nações foram suspensas da UA recentemente, sendo exemplos claros da atuação da organização em casos de golpes de Estado. Em Burkina Faso, desde sua independência em 1960, a história nacional tem sido marcada por inúmeras tentativas de golpe de estado, “a mudança de regime em Burkina Faso sempre foi resultado de golpes militares antes de 1980 até 2015. […] Burkina Faso não experimentou uma transferência de poder por meio de eleições nas urnas” (SAWO, 2017, p. 2, tradução nossa). Nesse último ano, houve mais duas tentativas, sendo que ambos se tratam da incapacidade dos presidentes de lidar com a insurgência islâmica e a insatisfação popular.

Fonte: VectorStock

Já o Mali vive uma realidade similar, que se iniciou logo após a independência em 1960 e persiste até os dias de hoje. Mais golpes de Estado ocorreram na década de 1990, no início dos anos 2000 e, recentemente, o cenário de crises políticas se repetiu em 2012, 2020 e 2021 (UOL, 2022). Na República da Guiné, a independência foi proclamada um pouco antes, em 1958, e em 1984 houve o primeiro golpe, seguido por outros dois, em 1993 e 2008. Em 2010 ocorreu a primeira eleição livre, porém, em 2021, o presidente foi derrubado por mais um golpe de Estado (UOL, 2022).

O último país de destaque neste trabalho é o Sudão, que desde sua independência em 1956 tem vivido diversos conflitos internos com duas guerras civis que resultaram na separação do Sudão do Sul. Houve golpes de Estado em 1969, 1971, 1985, 1989, além do conflito de Darfur, e recentemente, em 2019, após vários protestos, se iniciou um processo de transição para a democracia, porém o país passou por vários golpes fracassados, sendo um deles em 2021.

DESAFIOS E MEDIDAS DA UA

A União Africana busca avanços no processo de integração e desenvolvimento da
África, mas para isso é necessário um ambiente com estabilidade política minimamente
favorável. Golpes de Estado foram condenados desde antes de sua criação, quando ainda se
tratava da Organização da Unidade Africana. Entretanto, Powell, Lasley e Schiel (2016, p. 483) afirmam que a adoção de uma estrutura anti-golpe, seguindo um princípio de “não-indiferença”, e a busca por maior democratização no continente, assim como pela paz e desenvolvimento, é de suma importância para o funcionamento da UA, apesar de seus desafios serem tão grandes quanto seus objetivos.

Desde 2012, muitas tentativas de tomada de poder e alteração de regime político ocorreram no continente. Mesmo com a instauração da democracia em muitos países africanos, a instabilidade política persiste, isso porque “a democracia era vista como solução para as instabilidades e fim de golpes como forma para chegar a mais alta magistratura da nação” (TÉ, 2014, p. 105) e o problema é que a democracia defendida pela organização não é a única necessidade dos Estados para a estabilidade política, e, portanto, para o bom funcionamento do Estado e da sua participação em uma organização como a UA. Para Haffner e Viana (2013, p. 81) a jovem democracia africana ainda está:

mesclada com autoritarismo. Ainda não se pode definir seu sucesso ou seu fracasso.Contudo, a União Africana deve estar atenta ao entendimento de que a democracia somente terá a possibilidade de se desenvolver na sua plenitude quando os setores sociais e políticos estiverem ligados aos demais setores, e, em última analise, quando a representatividade estiver associada à limitação dos poderes e à consciência de cidadania.

(HAFFNER; VIANA, 2013, p. 81)

Em relação às sanções, embora sejam quase um padrão de medida em crises, em um sistema internacional globalizado e que dispõe de uma interdependência econômica, elas não terão a eficácia que esperam. Em um cenário onde “os países africanos, já excluídos do centro dinâmico da economia mundial em função do monopólio tecnológico dos países desenvolvidos, se veem também excluídos dos créditos e financiamento” (HAFFNER; VIANA, 2013, p. 74), as sanções executariam um papel de crescimento da decadência econômica, não de fortalecimento da integração econômica que a União Africana procura realizar.

Por mais que a UA tenha sido estruturada nos padrões da UE, não se pode impor medidas com padrões europeus em problemas e desafios africanos. Sua resolução deve estar de acordo com sua história e capacidade realista de lidar com as situações — neste caso, com os golpes de Estado. A mesma deve agir na busca pela unidade e por estratégias de desenvolvimento, sem deixar de agir com firmeza.

Por fim, sendo sua principal ação quando se tem os golpes de Estado a suspensão de membros, mesmo que anteriormente o Conselho de Paz e Segurança tenha mobilizado forças e promovido missões de paz, o ato de suspender, por natureza vai contra o principal objetivo da UA, embora vá de acordo com os princípios de promoção da democracia e estabilidade política que a UA tanto prega também. Evidentemente, a organização teve diversas atitudes antes de suspender Mali, Guiné, Sudão e Burkina Faso, mas se viu sem saída para lidar com frequência e quantidade de golpes que ocorreram, acreditando que, desse modo, os países irão buscar instaurar a democracia para voltar a fazer parte da UA.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo das pesquisas feitas, torna-se possível compreender que a União Africana é uma organização de suma importância para o desenvolvimento dos Estados africanos. Todavia, na busca por maior integração, a organização enfrenta grandes dificuldades. A UA se mostrou parcialmente eficaz na diminuição de golpes de Estado, principalmente pela adesão à política de não-indiferença em assuntos internos dos Estados que a compõem.

Entretanto, a mudança de paradigma não foi suficiente para a pacificação e resolução de questões securitárias em vários países africanos, visto que a “UA pauta-se na necessidade de se proteger primariamente a pessoa humana, demonstrando assim a percepção mais ampla do significado de segurança” (OTAVIO; CARDOSO, 2014, p. 53).

Sua maior preocupação com o bem estar social, político e econômico é a base mais importante da organização, que de fato buscou e ainda busca melhorias concretas nos diversos aspectos em que atua, mas a sua eficácia na prática, principalmente em golpes de Estado ainda é questionável, como autores anteriormente mencionados, Otavio e Cardoso (2014), destacam em seu trabalho, a organização é marcada pela dificuldade em alcançar os objetivos traçados.

Eles ainda afirmam que o êxito da atuação da UA neste quesito pode ser demonstrada com a pacificação em Burundi e Darfur, e embora tenham sido ações de fato efetivas e importantes, elas tiveram maior efetividade na ajuda humanitária dos conflitos. Por ter seguido os moldes da União Europeia, usa métodos europeus para lidar com golpes de Estado, quando na verdade deve buscar métodos que sejam eficientes de acordo com sua história de formação.

A União Africana é de extrema importância para o continente africano, mas precisa rever alguns pontos estratégicos de segurança, pois a suspensão de países, como ocorreu em 2020 com Sudão, Mali, Burkina Faso e Guiné, tende a piorar sua instabilidade política interna, pelo abandono da organização, assim como não promove em nada a integração africana. Desse modo, a atuação da organização deve obter o máximo de apoio e suporte internacional possível, e entre os países africanos também, para que haja uma melhora substancial no seu funcionamento, que trará benefícios para maior pacificação das nações que passam por crises e instabilidades políticas, agregando positivamente no cenário internacional. 

REFERÊNCIAS

Burkina Faso. Disponível em: Burkina faso – map Royalty Free Vector Image – VectorStock. Acesso em: 31 jan. 2023.

DIAS, Carlos Manuel. Golpes de Estado em África e militarização dos regimes. Janus, p. 142 e 143, 2010.

HAFFNER, Jacqueline A. H; VIANA, Genivone Etmy Sequeira. União Africana (U.A): Desafios e Oportunidades de Integração. Revista Conjuntura Austral, vol. 4, 2013.

Mali, Sudão, Burkina Faso: uma década de golpes de Estado na África. UOL, 2022. Disponível em: Mali, Sudão, Burkina Faso: uma década de golpes de Estado na África (uol.com.br). Acesso em: 30 jan. 2023.

OTAVIO, Anselmo; CARDOSO, Nilton César Fernandes. Reflexões acerca da primeira década da União Africana: da transformação à atuação no Burundi, no Sudão e na Somália. Revista Conjuntura Austral, Vol. 5, nº. 26, Out. – Nov. 2014.

PAIM, Márcio Luis. Pan-africanismo: Política, libertação e golpes de Estado. Revista TEL, Irati, v. 7, n.1, p. 207-229, jan. /jun. 2016.

POWELL, Jonathan; LASLEY, Trace; SCHIEL, Rebecca. Combating Coups d’état in Africa, 1950–2014. Springer Science+Business Media. New York, 2016.

SAWO, Abdoulie. The Chronology of Military Coup d’états and Regimes in Burkina Faso: 1980-2015. The Turkish Yearbook of International Relations, Vol. 48, 2017.

TÉ, Wilson Pedro. Golpe de Estado: um entrave à democracia, o caso de África Ocidental. Conjuntura Internacional. Belo Horizonte, 2014. 

Liz Yumi Barreto Tamezava

[Artigo aprovado no Edital de Verão Dois Níveis] Meu nome é Liz Yumi Barreto Tamezava, tenho 22 anos, sou estudante de Relações Internacionais na Universidade Federal do Pampa e apaixonada pela área de Segurança Internacional.

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