STAR WARS E A BANALIZAÇÃO DO MAL

STAR WARS E A BANALIZAÇÃO DO MAL

Frente a retomada do debate que circula a memória criada e popularizada acerca das famílias nazistas durante Segunda Guerra Mundial e os impasses epistêmicos. Estes que nos levam a questionar a culpa que os soldados nazistas carregam quanto a série de genocídios cometidos durante o Holocausto, torna-se cada vez mais necessário pontuar certos questionamentos.

Sem fugir das densas bibliografias e documentários acerca do Nazismo durante a Segunda Guerra, este texto visa promover diálogos entre a cultura pop, em especial, o cinema, como forma de construir e desconstruir debates sobre o genocídio e seus agentes humanos, para além das instituições. Na popular saga Star Wars de George Lucas, podemos perceber traços de fenômenos históricos que ainda assolam a humanidade em uma obra de ficção científica futurista.

A partir da lógica da “Banalidade do Mal” de Hannah Arendt e pontuando as referências semióticas do cinema nazista de Leni Riefenstahl (1902 – 2003) com a forma do diretor representar o Império na saga. A ideia parte da crítica de George Lucas ao nazismo na primeira trilogia e da pergunta que perpassa a mente de todo e qualquer fã de Star Wars: Anakin Skywalker merece “perdão” pelos genocídios cometidos quando sucumbiu ao lado negro da força?

ZONAS DE INTERESSE EM UMA GALÁXIA MUITO DISTANTE 

Um dos trechos mais marcantes de “O Eichmann em Jerusalém – Um relato sobre a banalidade do mal” sem sobra de dúvidas é a descrição da autora Hannah Arendt do julgamento de Otto Adolf Eichmann, que ocupava a posição de SS-Obersturmbannführer na Alemanha Nazista e foi um dos principais responsáveis pelo Holocausto. Em 1961, a filósofa foi enviada para Jerusalém pela revista The New Yorker para realizar a cobertura do julgamento de Eichmann pelos crimes de guerra cometidos de 1941 a 1945.

Enquanto aguardava encarar a face de um “monstro”, Arendt foi surpreendida ao encontrar um senhor muito bem-educado de 55 anos, afinal, o julgamento só ocorreu 16 anos após o fim da Segunda Guerra Mundial. O homem pacífico parecia completamente distante da monstruosa concepção criada acerca dos nazistas, que se baseava unicamente nos atos abomináveis cometidos por eles durante o regime de Adolf Hitler.

“Eles sabiam, é claro, que teria sido realmente muito reconfortante acreditar que Eichmann era um monstro; se assim fosse, a acusação de Israel contra ele teria soçobrado ou, no mínimo, perdido todo interesse. (…) O problema com Eichmann era exatamente que muitos eram como ele, e muitos não eram nem pervertidos, nem sádicos, mas eram e ainda são terrível e assustadoramente normais”

(Arendt, p. 337, 1999)

Associar criminosos à lógica restritiva de “monstros” é nada mais do que banalizar o mal e torná-lo distante da humanidade, como se cometer crimes como o “genocídio” fosse algo completamente desassociado da ação e da capacidade humana a ponto de precisar ser vinculado a uma figura “sobre-humana” ou, até mesmo “não-humana”.

Para além do exemplo de Adolf Eichmann e seu posterior julgamento em Jerusalém, um exemplo palpável de figura humana cuja subversão à crueldade o leva a ser associado a ideia de um “monstro” é Anakin Skywalker, o protagonista da primeira trilogia de Star Wars e posterior antagonista na trilogia seguinte, protagonizada por seu filho, Luke Skywalker.

A rebelião de Anakin e sua posterior adesão ao lado negro da força está intrinsecamente interligada à profecia Jedi que previa a vinda daquele destinado a trazer equilíbrio à Força com a destruição dos Sith. Apesar da contradição surgir com a adesão de Anakin ao lado negro, posteriormente, o personagem acaba cumprindo seu destino ao final da segunda trilogia, mas isso não deveria torná-lo uma figura digna de perdão.

“ — Eu trouxe a paz, liberdade e justiça… e a segurança para o meu novo império.

— Seu novo império? 

— Não me obrigue a destruí-lo.

— Anakin, meu compromisso é com a república, com a democracia!

— Se você não é meu aliado, então é meu inimigo. 

— Só um Sith pensa por extremos.”

(Star Wars: Episódio III – A Vingança dos Sith, 2005)

GENOCÍDIOS, MASSACRES E CRIMES DE GUERRA

Assim como Adolf Eichmann, Anakin protagonizou diversos genocídios e crimes contra a vida humana — e não humana, no caso de Anakin — desde o período que compreende seus primeiros passos na direção do lado negro. Em Star Wars: Episódio II – Ataque dos Clones (2002), o até então protagonista da trama comete seu primeiro massacre ainda jovem, contra os Tusken Raiders (Povo da areia).

O massacre é movido pela ira e pelo sentimento de vingança após ter sua mãe raptada, torturada e, posteriormente, morta pelo povo da areia. O genocídio dos Tusken Raiders envolveu, como sugere o termo, o assassinato de maneira desenfreada de um povo, sem poupar mulheres e crianças, assim como no Holocausto. Tal fato desencadeou o surgimento de uma crença entre os sobreviventes de que Anakin seria uma espécie de demônio vingativo do deserto.

“Eu matei eles. Eu matei todos eles. Estão mortos, cada um deles, e não só os homens, mas as mulheres e crianças também. Eles são como animais e os matei como animais, eu os odeio.”

(Star Wars: Espisódio III – Ataque dos Clones, 2002)

Anos mais tarde, durante as guerras clônicas, Darth Sidious (Imperador Palpatine) se aproxima de Anakin e o leva a abandonar a Ordem Jedi para seguir no lado negro da Força. Neste momento, Anakin é ordenado a eliminar todos os Jedi, considerados traidores da República Galáctica, para que assim, com a ajuda de Darth Sideous, fosse possível salvar sua amada Padmé, que no final das contas, torna-se mais uma vítima de Darth Vader. 

E assim, nasce Darth Vader, a partir do assassinato em massa dos Jedi e aprendizes no templo dos Jedi do planeta de Coruscant, um crime movido não somente pela possibilidade de salvar Padmé, mas também pelo ódio e a fúria que agora comandavam as ações cruéis de Skywalker. A cena emblemática que marca o nascimento de uma nova era para o Império retrata Anakin assassinando crianças padawan no templo indiscriminadamente. 

A SEMIÓTICA NAZISTA DE LENI RIEFENSTAHL EM STAR WARS

A partir deste momento, Darth Vader comete uma sequência de crimes em nome do Império, cuja estética remonta a semiótica nazista baseada na criação de uma identidade racial enquanto superior, assim como um Estado forte de bases totalitárias. Não obstante, George Lucas se inspira em O Triunfo da Vontade (1935), o infame filme de propaganda nazista dirigido pela cineasta alemã Leni Riefenstahl.

O criador do universo Star Wars teve seu primeiro contato com a película ainda na faculdade, e pode-se dizer que muitas das cenas que retratam o Império carregam a semiótica do filme de Riefenstahl. Podemos citar o caso dos stormtroopers, personagens que tem como inspiração base a tropa de choque nazista. 

Com um currículo vasto de filmes de propaganda nazista, é curioso pensar que Leni negou até a sua morte qualquer aspecto propagandístico em seus filmes, mas utilizava como argumento a ideia de que como artista, não é imoral apreciar o que é “belo, forte e saudável”, um clássico argumento utilizado para fundamentar a “raça ariana” enquanto superior.

Incontáveis vezes, o Império carrega seu aspecto discursivo eugenista através da relação entre imagem e discurso, com personagens sempre demonstrando altivez, trajes bem elaborados e, muitas vezes, padronizados, e o sentimento de superioridade e repressão aos dissidentes (rebeldes). Apesar das representações, Star Wars acaba mergulhando no clássico discurso do bem contra o mal, em especial, por se tratar de uma obra de ficção científica majoritariamente voltada para o público mais jovem.

CONCLUSÃO

Diferentemente do que o final propõe, com a redenção de Darth Vader, agora arrependido de seus atos, na realidade, é um tanto quanto questionável o sentimento de perdão do público em relação ao antagonista. Pensar que, de certo modo, Anakin cedeu ao lado negro por escolha própria e considerando sua atuação direta no massacre do povo da areia antes mesmo de se tornar um cavaleiro jedi, é inconcebível perdoar o personagem. Seu arrependimento e sua posterior morte não são o suficiente para preencher os vazios deixados pelos crimes cometidos em nome do império.

Assim como Eichmann, o personagem não se trata de uma figura monstruosa, ou um “demônio sem coração”, mas sim, um homem com livre arbítrio cujos crimes não devem ser resumidos a uma patologia, e sim, à ação humana. O crime de genocídio cometido por ambas as figuras é descrito por Savazzoni (2009) como um crime contra humanidade e a ordem internacional, cuja intenção é eliminar uma raça, uma etnia, um grupo religioso, etc. independente da motivação.

Por sua vez, as motivações de Anakin não justificam suas ações, afinal, um dos argumentos do nazismo alemão para eliminar o povo judeu era a ascensão econômica do grupo étnico-religioso frente a crise alemã pós-Primeira Guerra Mundial. Mesmo após seu sacrifício, Darth Vader torna-se um mártir para um movimento futuro de retomada do Império, cujo líder é seu próprio neto, Kylo Ren (Ben Solo).

REFERÊNCIAS:

Arendt, Hannah. O Eichmann em Jerusalém – Um relato sobre a banalidade do mal. 1ª ed. Companhia das Letras, 1999.

Savazzoni, Simone de Alcantara. Crime de Genocídio. Disponível em http://www.lfg.com.br. 2009.

Ianeles, Ana. Estética de um genocídio: a cineasta Leni Riefenstahl e sua arte a serviço do nazismo. Editora Dialética, 1ª ed., 2023.

Canêdo, Carlos. O genocídio como crime internacional. Belo Horizonte: Del Rey, 1999, p. 172,174.

Valle, Diogo Euripedes Borges. O crime de Genocídio e o Caso de Anakin Skywalker. Disponivel em: https://direitopazeamor.wordpress.com/2016/05/30/o-crime-de-genocidio-e-o-caso-de-anakin-skywalker/ Acesso em: 29 de Abr. 2024.

STAR WARS: Episódio I – A Ameaça Fantasma. Direção: George Lucas. United States: Lucasfilm Ltd., 1999. 2h11 min.

STAR WARS: Episódio II – O Ataque dos Clones. Direção: George Lucas. United States: Lucasfilm Ltd., 2002. 2h22 min.

STAR WARS: Episódio III – A Vingança dos Sith. Direção: George Lucas. United States: Lucasfilm Ltd., 2005. 2h20 min.

Giovanna Gomes Cardoso de Lima

Graduanda em Relações Internacionais pela UFPB, apreciadora da história e da literatura dos países asiáticos.

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