O que é o Futuro em Foco?

O que é o Futuro em Foco?

“ So far as I can see, all political thinking for years past has been vitiated in the same way. People can foresee the future only when it coincides with their own wishes, and the most grossly obvious facts can be ignored when they are unwelcome. ”

 George Orwell, London Letter (1945)

“ The future isn’t set in stone. Things change. ”

 Stephenie Meyer, Twilight (2005)

“Futurologia” pode soar místico, mas se trata de um estudo especulativo de tendências apenas prospecções sobre os rumos da humanidade e do planeta. Soou pretencioso, não? Pois é, eu também achei, mas se formos analisar, não é nada demais, embora o problema seja a tênue linha que separa projeções embasadas em um tipo de estudo da mera ficção e estas das malfadadas teorias conspiratórias. Diferentemente de tais teorias, os cenários futurísticos em que problemas atuais possam ser resolvidos ou, na pior das hipóteses, ampliadosnão têm a intenção de provar um percurso lógico dos acontecimentos orientado por um grupo seleto de poderosos com capacidade de traçar o destino dos povos. Há uma diferença abissal entre uma especulação sujeita à refutação científica e a certeza que abusa de correlações e coincidências para traçar uma sequência lógica e nexo causal entre eventos.

Vamos ao básico, já que o estudo do futuro corresponde a uma boa dose de previsão, qual o risco de não enveredarmos para a profecia? A diferença está em que previsões são suscetíveis a interferências feitas pelos próprios formuladores, como o economista que prevê queda nas ações de determinada da Bolsa, mas só por faze-la já influencia uma queda antecipada da mesma. Algo muito diferente ocorre com a intenção de profetizar, como disse Karl Popper em seu A Miséria do Historicismo:

Em oposição à metodologia historicista, poderíamos conceber uma metodologia cujo objetivo era uma ciência social tecnológica. Uma metodologia desse tipo levaria a um estudo das leis gerais da vida social, cujo objetivo seria descobrir todos os fatos que deveriam ser levados em conta por quem quisesse reformar as instituições sociais. Não há dúvida de que esses fatos existem. Conhecemos, por exemplo, muitas utopias que são impraticáveis ​​apenas porque não são suficientemente levadas em conta. O objetivo da metodologia tecnológica que estamos considerando seria fornecer meios de evitar construções irreais desse tipo. Seria antihistoricista, mas de modo algum anti-histórico. A experiência histórica seria sua fonte de informação mais importante. Mas, em vez de tentar descobrir leis de desenvolvimento social, procuraria as várias leis ou outras uniformidades (embora estas, diz o historicista, não existam) que impõem limitações à construção das instituições sociais (Popper 1984, p. 60).

Uma observação necessária, na citação acima, Popper debate com o que define como “historicista”, que é a tendência geral de alguns cientistas sociais de enxergar um “movimento geral da história”, inclusive com a compreensão de etapas históricas, típica característica do pensamento marxista, talvez o melhor exemplo desta linha de pensamento. Ele argumenta que uma ciência social com capacidade de previsão não é irrealista, mas teria um viés tecnológico, capaz de assinalar os limites em vida social, tornando certas utopias simplesmente impraticáveis. Nesse sentido, para Popper, o conhecimento histórico realista é “antihistoricista”, compreendendo o “historicismo” como uma tendência de predefinir o movimento da história em benefício de projetos utópicos, falidos e perigosos.

Profecias não contemplam a capacidade de autocrítica e renovação teóricas, justamente porque elas defendem uma inexorabilidade dos eventos e etapas e, sobretudo, resultados que as constituem. Uma característica marcante das profecias é que elas são sustentadas por teorias não refutáveis, isto é, não são sujeitas à confrontação por teorias novas que buscam explicar determinados fenômenos de modo mais acurado.

Bem, é isto que a coluna Futuro em Foco não é.

E quais tendências podemos antever para o futuro deste pálido ponto azul no espaço? Se me permitem, que tal reformularmos a questão para, quais eventos e tendências atuais podem nos afetar de modo significativo em um futuro não tão distante?

Em uma pequena lista, pensando na nossa combalida Globalização:

  • Turismo, tido como um setores de crescimento mais promissor durante os anos 90, no entanto duramente afetado pela pandemia do Covid-19 e a guerra na Ucrânia;
  • Mercado de trabalho, com o crescimento do setor de serviços e informacional;
  • Comércio e investimento externo, em que pesem as crises financeiras que surgem episodicamente;
  • Urbanização, com mais da metade da população mundial residindo em cidades e forte tendência de crescimento das megacidades, com mais de 10 milhões hab. para o continente asiático;
  • Interdependência econômica, como fica claramente demonstrado na reorganização de grupos como os BRICS, em contraposição ao rearranjo de outros blocos outrora liderados pelos EUA e UE;
  • Democracia, apesar do refluxo que podemos observar com o autoritarismo e movimentos fascistas ou proto-fascistas, houve um significativo crescimento do regime democrático comparado a situação nos anos 70;
  • Poder militar, o que não poderia faltar se levarmos a Geopolítica em devida conta. Em que pesem os discursos pacifistas de lideranças na ONU, estamos assistindo a uma escalada de uma nova corrida armamentista.

Além da perspectiva econômica e social não podemos deixar de observar a nanotecnologia, exploração espacial, comunicações, segurança, trânsito, energia, pescado, agricultura, agua, florestas, biodiversidade em geral, saúde global, doenças, pragas, medicina, transplantes, inteligência artificial, mudanças climáticas e… Ufa! Enfim, o que as atuais tendências apontam para o futuro? É disto que falamos aqui.

Os mais inquietos ainda poderiam sugerir, em que pese todas as advertências contra a sedução de profetizar, “mas quais são as perspectivas, boas, ruins, apocalípticas?” Gosto de responder a este questionamento com duas citações, aparentemente antinômicas. Para dar um tom esperançoso, começo com a negativa e depois outro positivo. Diz Robert D. Kaplan em seu À Beira da Anarquia:

Há legiões de tecno-otimistas celebrando a expansão do comércio mundial e afirmando que a engenhosidade humana resolverá nossos problemas, deixando de mencionar que a engenhosidade humana geralmente chega tarde demais para resolver o problema especifico a que se destinava. Assim, novas categorias de produtos estão disponíveis a uma classe média mundial em expansão ao mesmo tempo em que novas fontes de petróleo e de outras matérias-primas estão sendo descobertas. A sabedoria convencional diz que a crescente interdependência dos mercados financeiros torna impossível uma conflagração em grande escala. Então, sob a superfície de reconfortantes verdades globalizadoras, o mundo está inundado de novas e perigosas alianças. Por exemplo, apesar do mito de uma Europa reunificada, a Europa tem se redividido em consonância com padrões histórico-civilizacionais, sendo a recém –expandida OTAN uma variação do Sagrado Império Romano do Ocidente, com o mundo oriental ortodoxo da Rússia, Romênia, Bulgária e muito da antiga Iugoslávia deixado de fora, amargurado e caindo do mapa-múndi econômico. Como há um século, existe muito armamento novo que agora, devido à miniaturização pós-industrial, é capaz de ser oculto ao mesmo tempo em que é mais mortífero, como as ferramentas perfeitas para terroristas apátridas, doa quais o mundo já tem o bastante. O relógio mostra algo desagradável, enquanto nossa cultura do entretenimento se dilata a ponto de a cerimônia de entrega dos prêmios da Academia[1] ter alcançado o status  equivalente a um feriado nacional (Kaplan 2000, p. 209-210).

Sentiram o cheiro de Eterno Retorno da História nesta passagem do autor? Mas, se for verdade que a guerra parece ser um traço constitutivo do ser humano nas suas organizações sociais, também é inegável que, objetivamente falando, em termos quantitativos, há melhorias e evolução positiva. Vejamos o que diz Steven Pinker em seu O Novo Iluminismo:

A pobreza talvez não exista para sempre. O mundo é cerca de cem vezes mais rico hoje do que era há dois séculos, e a prosperidade está se distribuindo de modo mais uniforme por todos os países e povos do mundo. A proporção da humanidade que vive em extrema pobreza caiu de quase 90% para menos de 10% e, durante o período de vida da maioria dos leitores deste livro, pode aproximar-se de zero. A fome catastrófica, que nunca esteve muito longe em grande parte da história humana, desapareceu da maior parte do mundo, e a subnutrição e a atrofia do crescimento estão em constante declínio. Há um século, os países mais ricos destinavam 1% de sua riqueza à assistência a crianças, pobre e idosos; atualmente gastam quase 25%. Hoje, a maioria de seus pobres está alimentada, vestida e abrigada, e tem luxos como smartphones e ar-condicionado, coisas que não costumavam estar ao alcance de todos, fossem ricos ou pobres. A pobreza entre as minorias raciais caiu e a entre os idosos despencou (Pinker 2018, p. 381-382).

É difícil ter uma impressão nítida para onde caminhamos, mas dependendo do ponto de vista, podemos enxergar metade do copo vazia ou metade cheia. Vejamos, p.ex., as guerras em uma perspectiva temporal na figura abaixo:

O fato é que, até pouco tempo atrás, poderíamos dizer com certeza que o número de mortos em guerras vinha declinando significativamente, mas afirmar isso de boca cheia como se estivesse tudo bem chega a ser imoral. Não, não está definitivamente “tudo bem”, mas também não estamos tão mal quanto em outras épocas. E é para isso que serve esta coluna, para nos dar perspectiva, por mais sombrio que seja nosso presente, nossa vontade pode brotar renovada em meio aos dados e estatísticas.

Referências

KAPLAN, Robert D. À Beira da Anarquia. São Paulo: Futura, 2000.

PEARSON, Ian. Atlas of the Future. Nova York: Macmillan, 1998.

PINKER, Steven. O Novo Iluminismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2018.

POPPER, Karl R. La Miseria del Historicismo. Madri, Alianza/Taurus, 1984.


[1] O autor se refere à Academia de Ciências e Artes Cinematográficas, de Hollywood, cujos prêmios são os Oscars.

Anselmo Heidrich

Professor de Geografia, licenciado pela UFRGS, mestre pela USP e aficionado em Geopolítica.

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