COOPERAÇÃO ENTRE PAÍSES DE LÍNGUA PORTUGUESA

COOPERAÇÃO ENTRE PAÍSES DE LÍNGUA PORTUGUESA

Sabemos que a cooperação internacional pode ocorrer pelos mais diversos canais e esferas de influência, e seus resultados dependem de fatores variados. Que existem numerosos canais por onde ela pode ocorrer, sendo cada um desses preferível a um tipo de concertação. Contudo, não há muitas indagações sobre o papel do idioma (neste caso, a lusofonia) na relação harmoniosa entre Estados. Sendo assim, definimos o objetivo desse texto: alumiar os caminhos tomados pela cooperação lusófona.

Definindo os Atores

Atualmente, estima-se que existam aproximadamente 260 milhões de falantes nativos da língua portuguesa espalhados por sete países: Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste (isto sem levar em consideração os lusófonos que habitam no estrangeiro nem as antigas colônias portuguesas hoje incorporadas a países diversos – como Goa à Índia). Esta distribuição cria uma relação peculiar entre os atores.

Esta dinâmica consiste na delimitação de três interesses primordiais: Portugueses, Brasileiros e PALOPs (Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa)[1]. A Portugal interessa esta cooperação para maior integração com suas ex-colônias tanto para acessar novos mercados como para solidificar sua posição dentro da União Europeia (donde possui influência limitada em comparação com outros atores ida região). Ao Brasil, é uma oportunidade de encontrar aliados no seu projeto de mudança de grandes sistemas de cooperação no mundo (i.e.: CSNU) além de obter aliados estratégicos para concertação em grandes foros internacionais. Já aos PALOPs, é uma oportunidade de aproximar-se de economias vivazes (europeia e sul-americana), importando tecnologia e investimentos sólidos de parceiros sólidos. Os autores costumam nomeá-la dinâmica triangular, e se repete basicamente em todos mecanismos de cooperação pela lusofonia.

Isto, entretanto, cria diversos problemas inerentes à própria característica. A saber, esta dita posição estratégia de Portugal com os mercados europeus e africanos vêm se demonstrando cada vez menos necessária em um mundo onde os contatos podem ser feitos com imensa facilidade. Ao Brasil, a cooperação multilateral com os PALOPs é relegada ao segundo plano em detrimento das relações bilaterais pontuais (um exemplo disto é o Corredor de Nacala). Aos PALOPs, persistem problemas internos – de natureza social e econômica – em cada país, o que dificulta uma concertação mais acertada.[2] Adicionalmente, essa congregação indevida de “interesses africanos”, que desconsidera os interesses de cada estado individualmente não é interessante aos participantes, uma vez que – obviamente – existem limites às semelhanças.

Estas informações facilitam a compreensão da tomada de decisão de cada país em cada mecanismo de cooperação. Diz-se assim visto que existem hoje dois principais caminhos por onde esta ocorre: a Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) e o Fórum para a Cooperação Econômica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa (Fórum Macau). A natureza de cada mecanismo influencia no posicionamento o no interesse sobre o mesmo, e isto será brevemente analisado aqui,

CPLP e Fórum Macau

Ambas as organizações possuem diferenças primordiais quanto à estrutura interna e dinâmica de cooperação. A CPLP possui um estatuto interno altamente explicativo e preciso, onde todas as tarefas e direitos dos membros estão definidos. As cimeiras (nome atribuído às reuniões periódicas) ocorrem trienalmente, alternadas entre os países membro a tarefa de hospedá-las. A organização ocupa-se de tratar de temas econômicos, sociais, culturais e sociais nos países membros, e esta abrangência tornou possível resultados como o Acordo Ortográfico de 1990[3].

Contudo, existem dificuldades quanto aos interesses dos países na organização. A saber, Portugal possui o desejo de liderar a organização, baseando-se em um suposto direito histórico de liderá-la. Isto vai de encontro aos interesses dos PALOPs, que não só possuem chagas abertas de um passado colonial recente, como também não lhes interessa a liderança de um país com influência limitada no cenário internacional. Estes problemas poderiam ser sanados com a liderança do Brasil no bloco. Responsável pela maior quantidade de falantes do idioma no mundo e portador da maior economia deste, a república brasileira poderia facilmente posicionar-se como a liderança do bloco, se isso assim lhe interessasse. Entretanto, a preferência histórica brasileira de aliar-se bilateralmente (o que é inusitado quando se pensa na tradicional preferência brasileira aos foros multilaterais) com cada país torna essa liderança virtualmente inviável e desconsidera o potencial multilateral da organização. Por este motivo, as relações na CPLP seguem um resfriamento contínuo.

Já o Fórum Macau segue uma dinâmica levemente distinta. Organizado pelo ministério do comércio da República Popular da China, tem como principal objetivo servir de plataforma de aproximação bilateral dos países lusófonos com o gigante asiático, utilizando a região autônoma de Macau (lusófona) como mecanismo de execução. O mecanismo criado em 2003 possui um secretariado permanente mantido inteiramente por verba chinesa[4] realiza conferências ministeriais trienais, onde participam ministros representantes dos estados membros e empresários investidores[5]. Ao fim das reuniões, gera-se um memorando de entendimento a ser seguido pelos países membros. Entre os encontros, o secretariado disponibiliza capacitações ao corpo diplomático dos membros em assuntos que lhes são lacunas. Todos esses aspectos se tornam ainda mais interessantes quando se leva em consideração que a presença da segunda maior economia mundial representa investimentos localizados ainda mais sólidos que em comparação à CPLP, o que desperta interesse por parte de alguns PALOPs.

Contudo, a organização não é vista com bons olhos por Portugal e Brasil, visto que mina a influência portuguesa sobre os PALOPs em favor da chinesa[6] e gera indesejada competição a empresas brasileiras nos mercados africanos. Tudo isto culmina no fato de que há um reduzido espaço para a integração multilateral no mecanismo, primariamente pensado como aproximador dos países com a China, diretamente. Não se pode ignorar, contudo, que a crescente chinesa no continente africano existe e não tende a diminuir em um futuro próximo.

Quadro Comparativo da CPLP e Fórum de Macau
Organização x Aspectos CPLP Fórum de Macau
Países Membros Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste Angola, Brasil, Cabo Verde, China, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, e Timor-Leste
Data de criação 1996 2003
Possui Secretariado Permanente? Sim Sim

Fonte: elaboração própria.

Conclusão

Essas informações permitem concluir a existência de entraves nos mecanismos de cooperação que tenham como base a lusofonia, embora com suas ressalvas. Os choques de interesse entre os países membro inviabilizam grandes movimentos à aproximação pelo espaço da lusofonia na CPLP, e a liderança chinesa no Fórum Macau não é bem recebida por todos os integrantes. Ainda assim, existe potencial de crescimento em ambas as abordagens que não são mutuamente excludentes, por suposto. A criação recente dos dois organismos, contudo, torna difícil mensurar com acurácia a efetividade com a qual as ações destes geram bem estar aos envolvidos (e em que medida esse bem estar não seria gerado independente da atuação destes foros). Em todo caso, é uma plataforma interessante à observação, e possui suficiente potencial em latência para tornar-se, quem sabe, num caminho poderoso de integração e cooperação.

[1] Timor-Leste é um país localizado geograficamente na Oceania. Para a facilitação da referenciação, deve ser entendido – a contrassenso – como parte dos PALOPs. Isso, contudo, perpetua a lógica da agregação de interesses distintos, como posteriormente apresentados. Para uma análise mais aprofundada dos atores, ver Mendes, 2013.

[2] A saber, o passado recente de independências conflituosas e as dificuldades de dinamizar suas economias internas são um começo. Problemas com a alfabetização também são recorrentes e, em casos pontuais, existem países onde o português sequer é idioma majoritário, o que põe a cooperação pela lusofonia em cheque. Ademais, a proximidade de países com economias mais sólidas (como Moçambique da África do Sul e Angola da Nigéria) influencia constantemente a população interna a uma preferência pela anglofonia e francofonia.

[3] As discussões para o acordo foram impactadas em grande medida pelas dicussões que antecederam a fundação da CPLP. A medida de curiosidade, a primeira reunião geracionária ocorreu no Brasil, em São Luís – MA. Para mais, ver Freixo, 2006.

[4] Isto suscita indagações sobre o caráter de “organização internacional” (OI) do mecanismo. Por ser mantido inteiramente pela RPC, observadores apontam uma fragilização do conceito primordial de representação igualitária que deve estar presente em toda OI.

[5] A falta de clareza organizacional da instituição permite maior liberdade de atuação dos membros na mesma medida em que torna precária a organização concertada da instituição.

[6] Isso é discutível, dado que mesmo na ausência do mecanismo (Fórum Macau), a China investe com maior intensidade que Portugal. Obras de financiamento e cessão de crédito, além da construção de infraestrutura nesses países com mão de obra e licitação chinesas torna ainda mais atrativa a cooperação sino-africana em comparação à alternativa lusa, que não consegue competir em paridade.

REFERÊNCIAS

ALVES, D. C. A COMUNIDADE DOS PAÍSES DE LÍNGUA PORTUGUESA. In: Curso de Defesa Nacional, 2. 1995, Lisboa. Anais Eletrônicos […]. Disponível em: <https://comum.rcaap.pt/bitstream/10400.26/1611/1/NeD74_DariodeCastroAlves.pdf>. Acesso em 17 ago. 2020.

DE JESUS. D.S.V. UMA FLOR CHAMADA DESEJO: o Brasil e o poder na Língua Portuguesa. Caderno CRH. Salvador, v. 25, n. 65, p. 309-318, Maio/Ago. 2012. Disponível em: <https://www.scielo.br/pdf/ccrh/v25n65/v25n65a08.pdf>. Acesso em 17 ago. 2020.

FREIXO, A. DEZ ANOS DA CPLP: AS PERSPECTIVAS DE INTEGRAÇÃO DO MUNDO DE LÍNGUA PORTUGUESA. Cena Internacional. Brasília, v. 8, n. 1, jun. 2006. Disponível em: <https://biblat.unam.mx/hevila/CENAInternacional/2006/vol8/no1/3.pdf>. Acesso em 18. ago. 2020.

MENDES, C. A. A Relevância do Fórum Macau: O Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa. Nação e Defesa. [s.l], v. 134, n. 5, 2013. Disponível em: <https://comum.rcaap.pt/bitstream/10400.26/9672/1/MENDESCarmenAmado_ArelevanciadoforumMacau_oforumparaacooperacaoeconomicaecomercialentreaChinaeospaisesdelinguaportuguesa_N_134_p_279_296.pdf>. Acesso em 17 ago. 2020.

RIZZI, K, R. RELAÇÕES BRASIL-PALOP: 40 ANOS DE COOPERAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO NO ATLÂNTICO SUL (1974/75-2015). Revista Brasileira de Estudos Africanos. Porto Alegre, v. 1, n. 1, jan./jun. 2016. Disponível em: <https://seer.ufrgs.br/rbea/article/view/59492/37540>. Acesso em 17 ago. 2020.

Paulo Otávio Soares

Estudante na Universidade Federal de Goiás, entusiasta por desenvolvimento e cooperação internacional. Maranhense exilado na terra do pequi.

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