A EUROCOPA ALÉM DO FUTEBOL: GEOPOLÍTICA E RELAÇÕES INTERNACIONAIS

A EUROCOPA ALÉM DO FUTEBOL: GEOPOLÍTICA E RELAÇÕES INTERNACIONAIS

(Foto: Andreas Gebert/Pool/AFP)

Em 2021, ocorre pelos gramados do continente europeu um dos mais tradicionais campeonatos entre Seleções Nacionais, a Eurocopa. Existente a cada 4 anos, a competição funciona como uma espécie de prequela para a Copa do Mundo, com grandes jogos, participação e circulação de torcedores engajados, intensidade técnica e física, e claro, rivalidades. Portanto, se o campeonato envolve jogos com representantes de Estados nacionais, às vezes nacionalistas, de ideologias distintas, a Eurocopa se torna um grande campo de expressão para a latência do encontro entre rivalidades baseadas em critérios tanto históricos quanto raciais, sociais e culturais, tal como um maior entendimento das políticas dos países participantes.

A edição atual da Euro deveria ter sido realizada em 2020, mas devido a pandemia da COVID-19, está se sucedendo em 2021. De maneira inédita, o torneio ocorre simultaneamente em 11 países-sedes diferentes, em comemoração ao seu sexagésimo aniversário, sob a intenção de uma maior união dos participantes. No entanto, o que a UEFA — União das Federações Europeias de Futebol, organismo de governação do futebol europeu e organizadora da Eurocopa — não antecipou foi o fato de que cada uma dessas sedes existem em momentos políticos e ideológicos diferentes, o que serve como pólvora para reacender a chama de conflitos já existentes e provocar outros novos.

A DISPUTA PELA CRIMÉIA NA EUROCOPA

Até o momento da escrita desta coluna, alguns acontecimentos marcaram a competição. Entre eles, uma polêmica entre a Rússia e a Ucrânia, referente ao design do uniforme da seleção ucraniana. Antes do começo do campeonato, a Ucrânia divulgou seu uniforme, causando indignação aos russos, pois havia um mapa do país, com a inclusão da região da Criméia, estampado no peito da camiseta. Esse fator se torna importante quando se leva em consideração o contexto da tensão entre os países: a região em questão foi anexada pela Rússia em 2014, enquanto a Ucrânia, com o apoio de grande parte da comunidade internacional, a considera território ucraniano. O uniforme, além do desenho das fronteiras crimerianas, conta com as frases bordadas “Glória à Ucrânia!” e “Glória aos heróis!”, ambas usadas como saudações militares no país, utilizadas durante os conflitos que derrubaram o governo pró-Rússia em 2014. 

A reação russa foi intensa, com manifestação do Ministério das Relações Exteriores e um entendimento como uma provocação política. Com isso, houve a protocolização de um pedido na UEFA para retirada das alusões à Criméia do uniforme da seleção da Ucrânia, mas apenas as frases foram recomendadas para serem retiradas pela entidade. Assim, as tensões da historicidade das Relações Internacionais dos dois países foram expostas na Eurocopa, com a Ucrânia utilizando lemas e bordões chauvinistas no uniforme de jogo, e a Rússia entrando em colisão com a questão, pela anexação da Criméia e também pelo julgamento das mensagens como provocativas e alusivas aos batalhões ucranianos que lutaram ao lado dos nazistas contra a então União Soviética na ocasião da Segunda Guerra Mundial. Ressalta-se, portanto, como o campeonato europeu de futebol entre as Seleções possui diversos elementos e atores que são importantes para consideração do fator político do esporte.

(Foto: Divulgação/Federação Ucraniana)

PRECONCEITO E QUESTÃO LGBTQIA+ NA PARTIDA ENTRE ALEMANHA E HUNGRIA 

Outro acontecimento que expôs dois países em momentos ideológicos distintos na edição de 2020 da Euro, ainda em andamento, aconteceu na partida entre Alemanha e Hungria. O país húngaro tem Viktor Orbán,  líder da extrema-direita, como comandante do país, cuja aprovação da lei que gerou toda a polêmica na Eurocopa proíbe a menção à homossexualidade nas escolas e impede a distribuição de conteúdos audiovisuais relativos ao tema que possam ser acessados por menores de 18 anos, como por exemplo, as cores do arco-íris que são utilizadas como símbolo da diversidade na comunidade LGBTQIA+.

Por essa razão e por um confronto à decisão do governo húngaro, a Alemanha social-democrata de Angela Merkel decidiu iluminar a Allianz Arena, estádio alemão que receberia a partida, com as cores do arco-íris em um ato de reafirmação da diversidade e da luta contra o preconceito. No entanto, mesmo com o estádio localizado em Munique, centenas de quilômetros distante de Budapeste, a UEFA vetou o ato alemão depois de um pedido do governo da Hungria, alegando neutralidade em decisões e conflitos políticos. O primeiro-ministro Orbán desistiu de comparecer ao embate, como era esperado inicialmente, pela possibilidade de manifestações.

No entanto, a comunidade internacional reagiu de maneira adversa ao posicionamento da UEFA, com clubes alemães iluminando seus respectivos estádios com as cores do arco-íris, como Wolfsburg e Colônia, e manifestações dentro da própria partida — a qual terminou empatada —, como a invasão de um torcedor com a bandeira arco-íris. O astro e goleiro alemão Manuel Neuer entrou em campo portando a braçadeira de capitão nas cores do símbolo da população LGBTQIA+ e o meio-campista Leon Goreztka comemorou seu gol com um gesto de coração feito em direção aos torcedores húngaros, confirmando o apoio a causa e o posicionamento no combate à homofobia e ao preconceito.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nota-se, dessa maneira, como o Campeonato Europeu de Futebol é um campo já demarcado para a exposição das Relações Internacionais dos participantes. Assim como a Copa do Mundo, as Olimpíadas ou qualquer partida de futebol entre Seleções Nacionais, doses extras de rivalidades e elementos especiais são adicionados ao jogo. Dentro de campo, os treinadores fazem o possível para isolar os atletas dos atores externos, mas é impossível ter êxito completo em um meio tão inflamado e passível de manifestações além das quatro linhas, configurando uma intrínseca relação entre o jogo e tais questões específicas dos países que os jogadores representam.

Além disso, as manifestações contra o racismo, com os jogadores se ajoelhando em um ato antirracista contra equipes de Estados com casos de racismo institucional, assim como a discussão acerca dos direitos LGBTQIA+, demonstram que a análise da Eurocopa e de seus acontecimentos permite o realçamento de como o futebol pode ser um importante meio de análise da maneira que os países e Estados se posicionam e conduzem suas políticas externas e internas.

Foto: Jakob Braun em Unsplash

REFERÊNCIAS

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MADEIRA, Erlon M. Redes e Poder no Sistema Internacional: Hooliganismo e futebol na Eurocopa 2016. Internacionalize-se, [s. l.], 15 jul. 2016. Disponível em: https://internacionalizese.blogspot.com/2016/07/redes-e-poder-no-sistema-internacional.html. Acesso em: 27 jun. 2021.

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Por que a camisa da Ucrânia para a Eurocopa provoca fúria na Rússia?. GOAL, [s. l.], 7 jun. 2021. Disponível em: https://www.goal.com/br/not%C3%ADcias/por-que-a-camisa-da-ucrania-para-a-eurocopa-provoca-furia-na/1isggetzs2ot71eekzhrdvdzkn. Acesso em: 27 jun. 2021.

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TÉTRAULT-FARBER, Gabrielle. Rússia se queixa à Uefa de uniforme da Ucrânia que inclui a Crimeia. AgênciaBrasil, [s. l.], 9 jun. 2021. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/esportes/noticia/2021-06/russia-se-queixa-uefa-de-camisa-da-ucrania-que-inclui-crimeia. Acesso em: 27 jun. 2021.

Ucrânia desafia a Uefa e usará lema nacionalista em sua camisa na Eurocopa. UOL, São Paulo, 11 jun. 2021. Disponível em: https://www.uol.com.br/esporte/futebol/ultimas-noticias/2021/06/11/ucrania-desafia-a-uefa-e-usara-lema-nacionalista-em-sua-camisa-na-eurocopa.htm. Acesso em: 27 jun. 2021.

Mateus Rodrigues Ramos

Natural de Catalão (GO) e graduando em Relações Internacionais pela UFG. Sou interessado por Conflitos Internacionais, temas históricos, diversidade cultural e estudo de idiomas. Apaixonado por futebol, games e cultura pop em geral, estou sempre disposto a questionar e aprender.

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