OLIMPÍADAS E O SOFT POWER NO ESPORTE

OLIMPÍADAS E O SOFT POWER NO ESPORTE

(Foto por: Ryunosuke Kikuno em Unsplash)

Agosto chegou, e junto do oitavo mês de 2021, a Coluna RI em Campo completa sua quarta publicação no site. Durante esse ciclo introdutório, foi ressaltado como o esporte, especialmente o futebol, tem fortes ligações com aspectos políticos, históricos e sociais, inclusive com o foco do Dois Níveis: as Relações Internacionais. No entanto, os Jogos Olímpicos de 2020 estão finalmente acontecendo, depois de meses de incertezas devido à pandemia da COVID-19, e, assim, se tornou impossível não ampliar as lupas da Coluna e dissociar o tema desse mês do famoso espírito olímpico. O maior evento poliesportivo do mundo, com origem milenar na Grécia Antiga, reserva histórias e contextos que simbolizam a representação extraordinária do esporte, muitas vezes mais importante e estrategicamente utilizada do que se tem noção no cotidiano.

SOFT POWER: O EXERCÍCIO DO PODER POR MEIOS INVISÍVEIS

O cientista político internacional Joseph Nye definiu soft power como um tipo de exercício de poder de um Estado. Poder, por sua vez, é um termo com várias significações, porém uma das mais aceitas é a habilidade e capacidade de um país conseguir o que deseja e influenciar os outros para isso. A demonstração de força de um Estado perante outro com questões militares — como as Forças Armadas, bombas ou indicações de força física —, além de sanções econômicas e uso do mercado como coerção, são partes de um poder mais duro, belicoso e impositor — o hard power. O soft power se dá por facetas mais brandas, como persuasão e convencimento, através do idioma, “way of life” [estilo de vida], valores culturais, entretenimento e, claro, o esporte.

A combinação de ambos culmina no smart power, porém raros Estados possuem recursos que possibilitam o uso integrado de tais poderes. Por essa razão, o soft power se tornou tão importante para a consolidação de um país no cenário internacional, mais acessível e muitas vezes mais barato de se acessar do que um fortalecimento militar e econômico. O Japão é um caso claro: depois da Segunda Guerra Mundial, o Artigo 9 da Constituição japonesa não permite que o país possua Forças Armadas, tecnicamente. Dessa forma, apenas com Forças de Autodefesa, oficialmente uma extensão da polícia nacional, o Japão apegou-se a sua cultura e seus valores, além da tecnologia e da cultura do entretenimento, para constituir um fortalecimento nacional pelos meios “invisíveis” do soft power.

Grandiosas demonstrações de tecnologia durante a cerimônia de abertura das Olimpíadas são exemplos de um soft power japonês (Foto: Andrej Isakovic/AFP)

NATION BRANDING: A CULTURA POP JAPONESA COMO POLÍTICA EXTERNA

É nesse contexto que as Olimpíadas de Tóquio, originalmente marcadas para 2020, se tornaram tão importantes para a Nação que carrega a alcunha de Terra do Sol Nascente. Os Jogos são a oportunidade perfeita para disseminação dos valores japoneses, com uma audiência global raramente observada. A título de exemplificação, a cerimônia de Abertura da Rio 2016 contabilizou 3,6 bilhões de telespectadores assistindo simultaneamente o evento pela televisão. É uma chance única para o país-sede, nesse caso o Japão, utilizar o nation branding, um conceito da diplomacia que significa, em termos curtos, a criação de uma espécie de marca e marketing de um país, através do cinema, séries, jogos, religião, gastronomia, visando, sobretudo, a valorização da percepção estrangeira sobre o país.

Tanto a organização em geral e a abertura de Tóquio 2020 envolveu a famosa disciplina japonesa, tecnologia, cultura geral, dentre outros. Um processo já existente através da Cool Japan, uma iniciativa de utilizar a cultura pop como instrumento de política externa, baseada no sucesso e na força/prestígio internacional que marcas como Sony, Nintendo, Pokémon, Toyota e outros possibilitaram ao Japão. As escolhas de personagens conhecidos de mangás/animes como os embaixadores culturais das Olimpíadas não foi por acaso: as decisões passam pela intenção do país de utilizar os Jogos Olímpicos como trampolim para aquecer a chama de um país com intenções de voltar a figurar, politicamente, entre os mais poderosos do mundo.

Personagem icônico de Pokémon em um famoso desfile de modas em Londres, em 2019, demonstra como a cultura pop japonesa permanece difundida no mundo todo, mesmo depois de anos de lançamento da franquia. (Foto por: Dyana Wing So em Unsplash)

CRITÉRIOS PARA CONTAGEM DE MEDALHAS E PROPAGANDA

Além da estratégia do Japão de valorizar uma Olimpíada com alcance obviamente reduzido pela crise sanitária da COVID, outros aspectos podem ser ressaltados quanto às aspirações políticas dos Jogos. Desde 2008, por exemplo, quando ficaram atrás dos anfitriões chineses, os Estados Unidos da América (EUA) adotaram um sistema de contabilização de medalhas diferente do recomendado pelo Comitê Olímpico Internacional (COI). O COI utiliza as medalhas de ouro com maior peso, e por essa razão, mesmo que um país obtenha maior número de pódios (bronze e prata), o melhor colocado será aquele que obter mais medalhas de ouro. No entanto, os EUA classificam de acordo com o número de medalhas no geral, independente da colocação. Essa diferença pode ser entendida como uma propaganda por si só dos EUA em não aceitarem ficar atrás de um concorrente direto no cenário internacional, a China.

Assim como em 2008, os chineses lideram o quadro de medalhas de ouro até o momento de escrita da coluna, com uma tendência a continuar colecionando primeiros lugares nesta edição. Por isso, ficar à frente da China, mesmo sob uma manobra de perspectiva e ranking, passa a clara mensagem ao mundo de que o país americano é o melhor, mais bem colocado. No entanto, essa associação e estratégia conta com críticas pelo mundo todo, apesar de seguir uma ideia nada nova dos Estados Unidos. O american way of life [estilo de vida americano] sempre foi — e ainda é — propagado como a melhor opção de escolha, de vida ou rotina, e esse fator não seria diferente no esporte. Mesmo com uma artimanha de mudar a contabilização de medalhas em uma classificação esportiva,  admitir estar sendo ultrapassado pela potência chinesa, comumente atacada e colocada como uma representação de tudo que pode ser negativo, é sumariamente contra o que a cartilha estadunidense fez ao longo dos anos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Assim sendo, as Olimpíadas possuem um forte caráter de cunho político, da mesma maneira como qualquer evento esportivo, absorvendo características do ambiente no qual está situado. A edição de Tóquio, por exemplo, foi preenchida com os valores japoneses de refortalecimento, através de uma aproximação com valores culturais e identitários no cenário internacional, no caso da Cool Japan, além de estratégias bem definidas no campo das RI, como o soft power e a nation branding. Além de possuir ligações com o âmbito externo, os Jogos Olímpicos também demonstram como o esporte pode ser uma representação das políticas internas dos países, assim como o trato de uns com os outros, representados nos diferentes critérios de classificação e ranking, dentro do conflito China vs EUA.

Portanto, a Coluna desse mês se afasta do futebol, extraordinariamente, em meio ao espírito olímpico e constatação das infinidades de aspectos que o esporte, em geral, proporciona. A RI em Campo, em meio às Olimpíadas, se torna RI em Quadra, Areia, Pistas, Piscinas, Mares, dentre outros. E se é possível dar um conselho ao leitor: aproveite os Jogos o máximo que o fuso-horário permitir e veja, com os seus próprios olhos, o esporte em sua plenitude histórica e social.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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VINCENT, Caitlin; JOHANSON, Katya. Forget the medals, the real game of the Olympics is soft power — and the opening ceremony is key. [Esqueça as medalhas, o verdadeiro jogo das Olimpíadas é o soft power — e a cerimônia de abertura é chave. Tradução nossa.] The Conversation, [s. l.], 22 jul. 2021. Disponível em: https://theconversation.com/forget-the-medals-the-real-game-of-the-olympics-is-soft-power-and-the-opening-ceremony-is-key-164791. Acesso em: 1 ago. 2021.

Mateus Rodrigues Ramos

Natural de Catalão (GO) e graduando em Relações Internacionais pela UFG. Sou interessado por Conflitos Internacionais, temas históricos, diversidade cultural e estudo de idiomas. Apaixonado por futebol, games e cultura pop em geral, estou sempre disposto a questionar e aprender.

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