PERSÉPOLIS E A REVOLUÇÃO IRANIANA DE 1979

PERSÉPOLIS E A REVOLUÇÃO IRANIANA DE 1979

Contexto

Após o golpe de 1953, o Irã se tornou o maior aliado dos EUA em todo o Oriente Médio, sob o governo do xá Reza Pahlevi. Entretanto, em razão das crises econômicas e políticas, da corrupção e das intervenções estrangeiras no território iraniano, a população do país se uniu para derrubar o xá Pahlevi. Em abril de 1979, o Estado que antes era secular foi declarado a mais nova república islâmica da região. Assim nasce a República Islâmica do Irã, sob o comando do aiatolá Khomeini.

Imagem de Pavel Karásek por Pixabay. Irã é um país que se localiza na Ásia Ocidental.

Sob esse contexto, Marjane Satrapi descreveu sua vida. Nascida numa família liberal e intelectual, ter de se submeter ao controle religioso do país se mostrou como uma dificuldade desde sua infância. Com uma perspectiva única, a autora denuncia as atrocidades do regime: controle político e religioso de forma extrema, proibição de coisas capitalistas e ocidentais, opressão aos movimentos insurgentes…

Narrativa

Várias situações ocorrem durante a história que mostram a perseguição que o povo iraniano sofreu. Dentre elas, bombardeios, prisões, fuzilamentos, torturas, doutrinação… Satrapi, em meio a todas essas tragédias, se rebela da forma mais humana possível: através de si mesma. Usando o que é proibido, mantendo sua mente livre do controle extremista do país e levantando sua voz em situações de injustiça. Uma menina se mantendo firme em seus ideais, uma mulher se recusando a abrir mão do que é certo para ela.

Essa decisão de resistência lhe causou muitos problemas, muitos medos, mas também lhe garantiu realizações, como sua entrada na universidade e uma educação de qualidade. Mesmo com o regime de Khomeini, Marjane pôde concluir seus estudos, pôde realizar suas escolhas e crescer, mesmo sob uma legislação que a via como “menos”. 

Críticas da autora

Contudo, suas críticas não se limitaram ao Oriente. Na verdade, a defesa de sua região natal é explícita por toda a obra, e o seu país é o local pelo qual ela mais demonstrou amor durante todas as 352 páginas da HQ. Satrapi denunciou a cultura Ocidental, que demonstra a hipocrisia de um pensamento dominante, com ideais de grandeza.

Mimo: — Algum problema com as férias?

Marjane: — Não! É que no Irã a gente tem duas semanas de repouso no ano novo. Depois temos que esperar o verão.

Mimo: — Você se acostuma. Graças a esquerda, temos feriados na Europa, não somos obrigados a trabalhar o tempo todo.

Marjane (pensando): — Nada a ver!

Conversa de Marjane com seu amigo austríaco Mimo.

Quando a protagonista passa um tempo na Áustria, ela lida com situações que a levam ao limite do seu psicológico, e tal situação demonstra a frieza de um país desconhecido, a filosofia de uma nação em estado de paz, que vive numa bolha a qual não vê os problemas ao redor do mundo. A ignorância desse país em relação à guerra de outros.

Divisão

Falando de estrutura, o livro é dividido em três partes principais: a infância e adolescência de Marjane, a sua ida a Áustria, e a volta ao Irã.

A primeira parte do livro evidencia uma garotinha muito inteligente e firme em seus ideais. Com o desejo de ser profeta, Satrapi se revela um verdadeiro desafio a sua escola na época pós-revolução. Sua língua afiada e suas pensamentos progressistas assustam até mesmo seus pais. Uma garota profeta simplesmente não é algo adequado na sociedade em que vive.

Eu nasci com a religião. Desde os 6 anos eu tinha certeza que era a última profeta. Isso foi alguns anos antes da revolução. (…) Eu queria ser ao mesmo tempo a justiça, o amor e a ira de Deus.

Além desse desejo particular, a garota se aprofunda em leituras filosóficas incentivadas pelos pais. Desde pequena, os livros fizeram parte da sua vida, e isso molda o seu comportamento por toda a trajetória da protagonista.

Para me despertar, meus pais me deram uns livros. Eu sabia tudo sobre as crianças palestinas, sobre Fidel Castro, sobre os pequenos vietnamitas mortos pelos americanos, sobre os revolucionários do meu país… mas meu livro preferido era uma história em quadrinhos chamada “o materialismo dialético”. Descartes e Marx estavam lá.

Na segunda parte de sua história, a garota viaja para Áustria, com o fito de fugir do regime do Irã. No país europeu, ela se encontra com diversas dificuldades que a levam por um caminho completamente diferente do que havia sido planejado por seus pais e por ela mesma. As más influências, o uso de álcool, de fumo e drogas, uma banal história de amor, junto com enormes expectativas que ela colocava sobre si mesma, resultaram num fracasso colossal dos seus planos.

Minhas economias logo acabaram. Eu não tinha mais nenhum tostão. É incrível como a gente pode perder a dignidade tão rápido. Me peguei fumando bitucas, procurando comida nas lixeiras (…). então tive que encontrar um lugar bem escondido para dormir à noite. As madrugadas na rua podiam acabar muito mal para menina que eu era. Eu não tinha ninguém (…). Eu vivi uma revolução que me fez perder uma parte da família, sobrevivi a uma guerra que me afastou do meu país e dos meus pais… E foi uma banal história de amor que quase me levou embora.

A terceira e última parte da história tem como foco a sua volta ao Irã. Apesar da guerra, dos problemas e do controle religioso, voltar para casa, para família, para os amigos, era necessário.

Me vesti, peguei minhas coisas… pus o véu na cabeça de novo… e quanto às minhas liberdades individuais e sociais, paciência… Eu precisava muito voltar para casa.

Quando volta para casa, ela tem que lidar com os problemas psicológicos causados pelos tempos de abandono na Áustria. Depois de ficar anos sem assistir os noticiários, sem saber o que estava acontecendo em seu país de origem, todos os meses de desinformação pesam em suas costas assim que reencontra a família. Após mais momentos traumatizantes, Marjane Satrapi consegue se reerguer do seu poço de sofrimento e lutar por um novo futuro. Entra na universidade, se casa, consegue ter sua vida de volta e muito mais.

Conclusão

A autora foi brilhante ao retratar sua história levando em consideração o mundo exterior e interior em que sobreviveu. Não haveria uma forma melhor de produzir a HQ senão por ela mesma. Todos os momentos de luta e sofrimento levaram à conclusão do livro de uma forma emocionante e perfeitamente bem colocada.

Definitivamente uma das melhores histórias em quadrinhos que eu já li. Além disso, as artes são muito bem produzidas, com algumas páginas que parecem charges (as quais eu amo), repletas de críticas incríveis contra o status quo do local em que vive (seja Europa ou Oriente Médio).

Talita Soares

Formada em RI pela UFG, leitora nas horas vagas.

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