Tensão ou tranquilidade no mundo de ex-colonizados e colonizadores?

Tensão ou tranquilidade no mundo de ex-colonizados e colonizadores?

O artigo a seguir vai abordar um debate bem famoso que nós brasileiros lidamos sempre que o assunto vem à tona: Portugal e a colonização. Se os portugueses colonizaram o Brasil, eles ainda têm parcela de benefícios no nosso país? Devemos reivindicar nossos direitos como ex-colonizados? As relações dos dois países deveriam ser pacíficas? Portugal tem o dever de ajudar o Brasil em momentos de necessidade? Os brasileiros deveriam agradecer os portugueses pelo Brasil que têm?. Bom, essas são algumas questões colocadas em pauta nos debates mais populares dentro da nossa nação. Pois nossa história com Portugal é tão antiga que está enraizada em nossa sociedade e faz parte do nosso passado, presente e futuro.

Dessa forma, não quero apresentar mais uma vez a historiografia, nem a linha histórica da relação entre esses dois países, quero neste artigo ir mais além: questionar, apresentar dados, ideias e pontos de vista sobre tal assunto, que de fato é extremamente interessante e rodeia nossas famílias e nossas vidas desde que nascemos.

Assim, com base no Ministério das Relações Exteriores (2020), as relações entre Brasil e Portugal vão muito além da dimensão histórica. Há interesse mútuo em valer-se do capital político bilateral para criar, aprofundar os fluxos de comércio e de investimentos e para criar novas parcerias nos campos científico, tecnológico, cultural e educacional. O comércio tem apresentado crescimento constante e vem se tornando mais equilibrado. Além das 600 empresas portuguesas instaladas no Brasil, empresários portugueses têm demonstrado crescente interesse em investir em projetos de infraestrutura no país. Os investimentos brasileiros em Portugal também estão aumentando (MRE, 2020).

 

“O estoque de investimento português no Brasil, em junho de 2018, atingiu EUR 2,3 bilhões; e o brasileiro em Portugal somou EUR 3,2 bilhões (mais 5,1% do que em 2017).” (MRE,2020)

 

No plano do concerto das nações, também nas Conferências Ibero Americanas, portugueses e brasileiros encontram um novo “fórum” para coordenar posições e interesses. Únicos dois Países desse vasto grupo a falarem português, era natural que Brasil e Portugal ali se associassem ao dialogarem com os seus numerosos parceiros de fala hispânica. Finalmente, em todos os organismos das Nações Unidas e outras instâncias internacionais, Portugal e o Brasil concertam posições, apoiam reciprocamente candidaturas nacionais e demonstram, perante terceiros, a solidariedade que os une e a semelhança dos ideais que defendem (MRE,2020).

Portugal vem diversificando suas parcerias políticas e comerciais. O Brasil aparece, nesse contexto, como ator relevante para o futuro das relações econômicas e comerciais do país, razão pela qual o governo português apoia as negociações para um Acordo de Livre Comércio entre o MERCOSUL e a União Europeia (MRE, 2020). As parcerias no campo científico e tecnológico refletem a convergência entre o interesse brasileiro na capacitação profissional e o interesse português na ocupação de sua conceituada estrutura universitária e laboratorial. Recentes iniciativas em inovação, nanotecnologia, biotecnologia e energia demonstram a vitalidade da agenda tecnológica entre os dois países. As reuniões bilaterais de alto nível são constantes, o que ressalta a relevância do relacionamento bilateral para os dois países (MRE, 2020).

As relações envolvendo indivíduos e instituições, privadas e públicas, do Brasil e de Portugal, têm sido frequentes ao longo do tempo. Inúmeros são os encontros reunindo nacionais dos dois países sob os mais diversos pretextos. Conferências, congressos e seminários, dos quais participam elementos das mais variadas especializações do campo do saber, realizam-se em todos os pontos dos dois países. Dentro dessa classificação, a venda e a transmissão das telenovelas brasileiras em Portugal é fenômeno que merece imediata menção. O êxito comercial desse produto cultural dura anos e as repercussões são de conhecimento geral.  (GONÇALVES, 2009)

Foto: O presidente da República, Jair Bolsonaro, recebe o presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Souza, no Palácio do Planalto, em Brasília. Foto Antonio Cruz/ Agência Brasil

 

Bom, até aqui vimos que o governo brasileiro tenta manter boas relações com Portugal, de forma a beneficiar ambas as partes. Mas nem sempre foi assim, em alguns momentos da história e com determinados grupos, o xenofobismo era presente. Tal termo significa aversão ao que é estrangeiro. Ouvimos essa expressão com bastante frequência neste início de século 21, quando milhares de pessoas tentam migrar em direção, principalmente, aos Estados Unidos e à Europa. Nesses lugares há movimentos xenófobos contra a população estrangeira acusada, entre outras coisas, de disputar os já escassos postos de trabalho com a população local (ANGELO, 2020).

Durante o período imperial, sobretudo, o historiador, mestre e doutorando em Ciências Sociais pela Universidade Federal de São Carlos, Vitor Amorim de Angelo, comenta que havia no Brasil um forte sentimento xenófobo em relação aos portugueses. Em linhas gerais, a relação entre brasileiros e portugueses, ao contrário do que se possa pensar hoje em dia, nem sempre foi tão cordial. Em determinados momentos da nossa história, o sentimento xenófobo em relação aos lusitanos se intensificou bastante, muitas vezes, em razão das posições políticas dos próprios portugueses (ANGELO, 2020). 

Exemplo significativo, nesse sentido, foi o apoio de portugueses à restauração – isso é, à volta de dom Pedro 1° ao Brasil, quando o imperador já havia abdicado ao trono. Evidentemente, esse é apenas um aspecto da relação entre brasileiros e portugueses e do comportamento destes diante dos interesses próprios do Brasil (ANGELO, 2020).

Foto: Mapa da Bahia na época da colonização portuguesa. (Imagem-Professorando História). (NOGUEIRA, 2019)

 

Portanto, não pode ser generalizado a todos os portugueses, sob o risco de desconsiderarmos a complexa rede de interesses que se formou na colônia, especialmente no século 19. O que é certo, contudo, é que em diversos momentos daquele período aflorou um xenofobismo bastante acentuado contra os portugueses. Ou pelo menos contra parte deles (ANGELO, 2020).

Desse modo, com base na jornalista Alexandra Lucas Coelho (2016), o Brasil viveu 322 anos de ocupação portuguesa e 194 de independência. Se alguém acredita que o tempo da independência poderia já ter curado o tempo da ocupação, precisa voltar à história luso-brasileira porque o alcance da violência vai longe, e em muitas direções. Esses 322 anos atuam diariamente naquilo que é hoje o Brasil, na clivagem entre São Paulo e o Nordeste, nos milhões que ainda moram em favelas, na relação Casa-Grande & Senzala das elites com os empregados, na violência da polícia que continua a ser militar, do desmando oligárquico dos que controlam aparelhos e estados, no saque catastrófico da natureza, na traição aos grupos indígenas, na evangelização dos pobres, radicalizando o conservadorismo num país onde se morre de aborto. O período em que o presidente Lula esteve no poder, houve coisas importantes contra parte dessa herança (nas desigualdades mais urgentes, na cultura), mas não fez o suficiente contra boa parte disto (na educação, na saúde, na polícia) e fez coisas que pioraram isto (um capitalismo com consequências devastadoras no ambiente e nas questões indígenas) (COELHO, 2016).

 Em se tratando de relações brasileiro-lusitanas, acreditamos mesmo que não seria nada surpreendente concluir que, em alguns momentos importantes da vida política dos dois países, as relações transnacionais concorreram muito mais decisivamente para a tomada de posição das chefias de Estado, em face de importantes questões internacionais, do que aquelas levadas a efeito pelos canais institucionais competentes. Ou mais ainda, em algumas ocasiões, as chefias de Estado confiaram mais efetividade das relações transnacionais para obter satisfação de seus interesses do que nos seus próprios instrumentos institucionais (GONÇALVES, 2009)

O Brasil passou a ter importância política para Portugal devido ao problema criado pela descolonização. O compromisso assumido pela ONU de trabalhar no sentido de proporcionar autonomia política aos povos submetidos ao domínio colonial e a negociação iniciada pelos ingleses para dar independência aos indianos foram fatores que levaram Portugal a buscar aproximação junto ao Brasil (GONÇALVES, 2009). 

Por fim, independente do passado que os dois países tiveram é fato que sempre estarão conectados, seja pela sua história, seja pela sua participação interligada no Sistema Internacional. Assim, gostaria de finalizar com um comentário de Menezes (1997), no ano 2000, os dois Países, os dois Governos, as duas Sociedades celebraram – coroando uma preparação já iniciada – uma metade de milênio: foram 500 os anos, desde que Pedro Álvares Cabral aportou – não por acaso – a Porto Seguro e aí fez iniciar o romance verídico de uma relação única no mundo. Tudo o que fizemos juntos, tudo o que somos juntos – as nossas glórias e os nossos erros, os nossos afetos e os nossos ressentimentos, as nossas virtudes e os nossos males, os nossos mortos e a nossa juventude – tudo nos obriga a enfrentar em união os desafios do século XXI, para que nele venhamos a partilhar de novas descobertas. Em união, distantes mas próximos, diferentes mas idênticos, independentes mas fraternos, Brasil e Portugal; Portugal e Brasil (MENEZES, 1997). 

 

 

 

Referências

ANGELO, Vitor Amorim. Portugueses e brasileiros – Relação teve períodos de xenofobia. Disponível em: https://educacao.uol.com.br/disciplinas/historia-brasil/portugueses-e-brasileiros-relacao-teve-periodos-de-xenofobia.htm. Acesso em: 05 set 2020.

COELHO, Alexandra Lucas. O que Portugal tem a ver com o Brasil. Disponível em: https://www.publico.pt/2016/03/27/mundo/opiniao/o-que-portugal-tem-a-ver-com-o-brasil-1727252. Acesso em: 05 set 2020.

GONÇALVES, William. Brasil e Portugal: Sociedade e Estado nas Relações Bilaterais. Revista da Escola de Guerra Naval, Rio de Janeiro, no 14 (2009), p. 7-23.

MENEZES, Pedro Ribeiro. As Relações entre Portugal e Brasil. Via atlântica, no.1 mar. (1997).

MRE. 2020. República Portuguesa. Disponível: http://www.itamaraty.gov.br/pt-BR/ficha-pais/5672-republica-portuguesa. Acesso em: 05 set 2020.

NOGUEIRA, André. Não se pode culpar a colonização portuguesa pelos problemas do Brasil.  Disponível em: https://canalportugal.pt/nao-se-pode-culpar-a-colonizacao-portuguesa-pelos-problemas-do-brasil/. Acesso em: 19 de set. 2020.

PLANALTO. 2019. Presidentes do Brasil e de Portugal discutem cooperação entre os países. Disponível: https://www.gov.br/planalto/pt-br/acompanhe-o-planalto/noticias/2019/01/presidentes-do-brasil-e-de-portugal-discutem-cooperacao-entre-os-paises. Acesso em 19 de set. 2020.

Djamilly Rodrigues

Graduanda em Relações Internacionais e Diretora de Conteúdo do Dois Níveis.

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