ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS: O QUE SÃO?

ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS: O QUE SÃO?

A Assembleia Geral da ONU em reunião. Fonte: Loey Felipe.

As organizações internacionais (OIs) surgiram como efeito da evolução do direito internacional, que, até então, organizava a sociedade internacional por meio dos princípios do direito costumeiro. Assim, as OIs significam um marco para os interesses estatais no meio externo e complexificam um ambiente marcado por disputas diplomáticas. O grande avanço aqui é que essas instituições criaram um ambiente cômodo para diálogos e enfrentamentos regulados por regras preestabelecidas e aceitas por seus membros. As OIs, dessa maneira, institucionalizaram as relações bilaterais e introduziram as relações multilaterais, públicas e coletivas, e portanto, mais transparentes, de modo a afastar a diplomacia secreta. Atualmente, as organizações internacionais somam-se em uma quantidade maior do que o número de Estados soberanos. A Organização das Nações Unidas (ONU) e a União das Nações Sul-Americanas (UNASUL) são algumas das OIs importantes que representam a diplomacia multilateral mundial. Com isso, para entender o sistema internacional contemporâneo, é vital compreender o papel das organizações internacionais na sociedade de Estados.

ORIGEM DOS ORGANISMOS INTERNACIONAIS

A maior parte das organizações internacionais que conhecemos hoje foram consolidadas a partir da segunda metade do século XX. No entanto, o fenômeno das OIs surgiu bem antes, o que estabeleceu as bases para a fundação das organizações internacionais governamentais (OIGs) e das não-governamentais (OINGs) modernas.

As OIGs ganharam relevância a partir do século XX, porém é possível identificar na história associações entre entes políticos que podem ser comparadas com as instituições multilaterais modernas. As associações entre as cidades-Estado da Liga de Delos (478 a.C.-338 a.C), para possibilitar a cooperação militar entre os gregos, e a aliança entre as cidades do norte da Europa, a Liga Hanseática, com a finalidade de favorecer a cooperação no campo comercial entre os séculos XI e XVII, podem ser consideradas como organismos internacionais de suas respectivas épocas, salvaguardando suas características únicas que se diferenciam das OIGs do tempo contemporâneo. Além disso, a produção científica de diversos autores, como Emeric Crucé, Abbé de Saint Pierre e Immanuel Kant, introduziu propostas para a transformação do sistema internacional por meio das organizações internacionais governamentais (Herz; Hoffman, 2005, p. 23). 

O Congresso de Viena. Pintura de Jean-Baptiste Isabey (1815).

As importantes conferências de Estados ocorridas ao longo da era moderna também foram essenciais para o futuro das OIGs. O Tratado de Westfália, assinado pelos países participantes da Guerra dos Trinta Anos (1618-1648), representou um marco para o direito internacional ao apresentar e definir os conceitos de soberania e Estado-nação. Tardiamente, o Concerto de Estados Europeu, um sistema de conferências iniciado após o fim das guerras napoleônicas a partir do Congresso de Viena (1815), ajudou a criar uma prática entre as potências – Prússia, Áustria, Rússia, Grã-Bretanha e França – para a assinatura de tratados de paz e para lidar com o sistema internacional de maneira geral. Por meio do Concerto, as regras diplomáticas foram estabelecidas, e foram discutidos temas como a distribuição de poder na sociedade de Estados, as regras do jogo imperialista, a elaboração de uma legislação internacional e a manutenção da paz entre os Estados europeus (Herz; Hoffman, 2005, p. 25). Segundo Seitenfus (2016, p. 41), exemplos práticos da efetiva coordenação dos países do Concerto foram a intervenção coletiva na China, a criação de regras para o tráfico negreiro e a escravização e a divisão colonial da África durante o Congresso de Berlim de 1885. No entanto, apesar da fundação de uma diplomacia multilateral, as conferências restringiam a participação de outros Estados aos europeus (Herz; Hoffman, 2005, p. 25). As trocas de experiências com outros países apenas aconteceriam durante as duas primeiras Conferências de Haia (1899 e 1907), nas quais americanos e europeus tentaram estabelecer princípios jurídicos comuns para o sistema internacional (Seitenfus, 2016, p. 41).

A definição de termos como o de soberania e a criação de mecanismos para facilitar a diplomacia entre os países revelam o crescimento dos interesses dos atores políticos do sistema internacional em prevenir a guerra e tornar a paz como um elemento do status quo. Assim, a preocupação dos Estados em tornar o mundo mais pacífico reflete na formulação de procedimentos para a resolução pacífica de disputas, a elaboração das leis e costumes da guerra e o desenvolvimento do direito internacional, que objetivavam criar melhores condições para a convivência internacional (Herz; Hoffman, 2005, p. 25). Desse modo, é a partir desse histórico de iniciativas por parte das potências europeias que foi pavimentado o caminho pelo qual as organizações internacionais modernas caminharam para se tornarem realidade.

A ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS

A ONU foi fundada em 25 de junho de 1945, por meio da aprovação da Carta das Nações Unidas por 51 países (incluindo Estados Unidos, Brasil e URSS), durante a Conferência de São Francisco (EUA). Para Seitenfus (2016, p. 131), a organização representou a necessidade dos países em criar um mecanismo capaz de reprimir o uso da guerra como instrumento de solução de controvérsias e substituí-la pelo direito internacional e pelos meios multilaterais. Com isso, a Carta da ONU estabeleceu um sistema jurídico de segurança coletiva entre os Estados-membros, sustentado pelo princípio da “paz pelo Direito”.

Existem quatro objetivos principais estabelecidos pela Carta das Nações Unidas. O primeiro consiste em “manter a paz e a segurança internacionais e, para esse fim, tomar coletivamente medidas efetivas para evitar ameaças à paz e reprimir os atos de agressão ou outra qualquer ruptura da paz e chegar, por meios pacíficos e de conformidade com os princípios da justiça e do direito internacional, a um ajuste ou solução das controvérsias ou situações que possam levar a uma pertubação da paz” (ONU, 2007). O primeiro objetivo se refere à segurança internacional e reflete diretamente nas preocupações dos Estados em criar um mundo mais pacífico e com menos guerras. A paz é o principal princípio desde a fundação da ONU.

O segundo objetivo consiste em “desenvolver relações amistosas entre as nações baseadas no respeito ao princípio de igualdade de direito e de autodeterminação dos povos, e tomar outras medidas apropriadas ao fortalecimento da paz universal” (ONU, 2007). A autodeterminação dos povos também se tornou princípio fundamental para as Nações Unidas. Durante a elaboração de sua constituição, muitos territórios ainda se encontravam em condição de subalternidade em relação aos antigos impérios coloniais, como Angola e Moçambique. A libertação desses países e a defesa de suas independências deveriam ser defendidas pelos Estados-membros.

O terceiro objetivo trata de “conseguir uma cooperação internacional para resolver os problemas internacionais de caráter econômico, social, cultural e humanitário, e para promover e estimular o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua e religão” (ONU, 2007). A defesa e a promoção dos elementos dessas dimensões ficaram a cargo do Conselho Econômico e Social (ECOSOC). O Conselho, assim, ficou responsável por elaborar relatórios e estudos relacionados aos assuntos internacionais de caráter econômico, social, cultural, educacional e sanitário, além de realizar recomendações aos Estados-membros acerca desses assuntos (Seitenfus, 2016, p. 135).

Plenário do Conselho de Segurança da ONU em Nova York 04/05/2023 REUTERS/David 'Dee' Delgado
O Conselho de Segurança em reunião. Fonte: REUTERS/David “Dee” Delgado

A ONU foi estruturada em 6 órgãos principais: O Conselho de Segurança, a Corte Internacional de Justiça, o Conselho Econômico e Social, o Secretariado, o Conselho de Tutela e a Assembleia Geral. Nos dias atuais, o Conselho de Tutela não exerce função, pois perdeu sua importância em razão dos processos de descolonização. Dentre os 5 ainda existentes, o Conselho de Segurança representa o órgão com maior grau de relevância em termos de poder de decisão. 

De acordo com a Carta das Nações Unidas, o Conselho de Segurança é o principal responsável pela manutenção da paz, sendo atribuído ao órgão a possibilidade de definir e executar sanções militares contra Estados, nos casos de ameaça contra a paz, ruptura da paz ou ato de agressão (Seitenfus, 2016, p. 144). Com isso, o Conselho utiliza das forças armadas colocadas à disposição pelos países-membros da organização para executar sanções pela aprovação de uma resolução. O Conselho de Segurança é formado por 15 Estados, sendo 5 deles membros permanentes com poder de veto, enquanto os demais rotativos, com mandatos de dois anos. A presidência é assumida rotativamente entre os quinze, com duração de um mês.

UNIÃO DAS NAÇÕES SUL-AMERICANAS

A União das Nações Sul-Americanas (UNASUL) é uma organização internacional fundada em 23 de maio de 2008, em Brasília, por meio da assinatura de seu tratado constitutivo. Inicialmente, doze países concordaram em se juntar à UNASUL: Argentina, Bolívia, Brasil, Colômbia, Chile, Equador, Guiana, Paraguai, Peru, Suriname, Uruguai e Venezuela. No entanto, ao longo do século XXI, ocorreu um esvaziamento da organização, por razão de divergências políticas, e apenas cinco dos doze membros permaneceram no grupo (BBC Brasil, 2023). Em 2019, o então presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, retirou o Brasil da UNASUL. Atualmente, o Brasil voltou a fazer parte da instituição após o presidente Luiz Inácio aprovar a readesão do país à União. Além dos brasileiros, os argentinos afirmaram estarem dispostos a fazerem parte da organização novamente (Brasil, 2023).

O objetivo principal da UNASUL, segundo Seitenfus (2016, p. 297), “é construir, de maneira participativa e consensual, um espaço de integração e união nos âmbitos cultural, social, econômico e político entre seus povos, priorizando o diálogo político, as políticas sociais, a educação, a energia, a infraestrutura, o financiamento e o meio ambiente, entre outros.” O organismo é estruturado em quatro principais órgãos: o Conselho de Chefes de Estado e Governo, o Conselho de Ministros de Relações Exteriores, o Conselho de Delegados e a Secretaria Geral. A presidência é rotativa, e os Conselhos Ministeriais e Setoriais possuem caráter de apoio administrativo.

Para Seitenfus (2016, p. 301), existem duas razões para a fundação da UNASUL. A primeira é o interesse na resolução de problemas e conflitos regionais fora da influência da Organização dos Estados Americanos (OEA) e dos Estados Unidos. A segunda consiste na inserção segura e competitiva dos Estados sul-americanos no âmbito internacional. Com isso, é lógico pensar que a UNASUL se aproxime de outras organizações que possuem os mesmos objetivos, como o MERCOSUL. No entanto, a União se caracteriza sobretudo por seu aspecto político, deixando as atividades de aspecto econômico para uma esfera secundária. A UNASUL, com efeito, torna-se importante nas atividades relacionadas à segurança sul-americana, com a potencialidade de se tornar uma OTAN na América do Sul (Seitenfus, 2016, p. 301)

A criação do Conselho de Defesa Sul-Americano, em 2008, é resultado da agenda de segurança regional perseguida pelos países sul-americanos. Não somente em decorrência dos problemas segurança interna dos países, capazes de transbordarem para os outros atores da região, como o crime organizado e o narcotráfico, mas também as tensões diplomáticas entre os países, como a competição estratégica entre Chile e Peru, tornam necessária a criação de mecanismos multilaterais para gerenciar a segurança regional de maneira independente dos instrumentos de mesmo aspecto do hemisfério (Seitenfus, 2016, p. 302)

A UNASUL representa um passo importante para a integração sul-americana, capaz de facilitar a resolução dos problemas da região de maneira independente. No entanto, as divergências entre os atores políticos da América do Sul, somadas à ascensão de ideologias extremistas nos países, complicam uma efetiva criação de uma organização regional capaz de coordenar as ações dos sul-americanos para o desenvolvimento socio-econômico da região.

CONCLUSÃO

As organizações internacionais governamentais modernas foram fruto da necessidade dos países de criarem mecanismos para tornar menos anárquico o sistema internacional. Foi graças ao diálogo multilateral que o direito internacional pôde avançar rumo à formulação de costumes e regras para frear o uso da guerra como instrumento de solução de controvérsias. Dessa maneira, a criação das OIGs foi fundamental para se criar um mundo mais pacífico e representativo. A ONU, nesse sentido, simboliza o ponto máximo do multilateralismo e dos esforços para a paz. Os organismos regionais, como a UNASUL, por sua vez, representam os interesses de um determinada área geográfica, onde os países concordaram que a cooperação e o diálogo são mais vantajosos que posturas nacionalistas.

REFERÊNCIAS

BBC BRASIL. O que é a Unasul, que Lula quer ‘reconstruir’. 07 abr. 2023. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/articles/cevn775q5z8o.

BRASIL. Governo Federal anuncia retorno do Brasil à Unasul. Brasília, 07 mai. 2023. Disponível em: https://www.gov.br/planalto/pt-br/acompanhe-o-planalto/noticias/2023/04/governo-federal-anuncia-retorno-do-brasil-a-unasul.

HERZ, Mônica; HOFFMAN, Andrea Ribeiro. Organizações Internacionais: história e práticas. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.

ONU. A Carta das Nações Unidas. 16 set. 2007. Disponível em: https://brasil.un.org/pt-br/91220-carta-das-na%C3%A7%C3%B5es-unidas.

SEITENFUS, Ricardo. Manual das Organizações Internacionais. 6 ed. rev., atual. e amp. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2016.

Gabriel Moncada Xavier

Estudante de Relações Internacionais e experiente em simulações da ONU. Sou curioso e quero olhar para o mundo com todas as lentes possíveis. Gosto de diplomacia, política externa, organizações internacionais e Direitos Humanos.

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