NA GRANDE GUERRA HÁ UMA GOTA DE SANGUE EM CADA POEMA
Diante de tanto mal e tanta ruína,
de tanta inveja parda e estulta,
diante desse ódio frio e cru,
pálida, imóvel, trágica e divina,
sobre a devastação que cresce e avulta,
surgiu a minha dor, como um mármore nu.
Devastação, poema de Há Uma Gota de Sangue Em Cada Poema.
Há Uma Gota de Sangue Em Cada Poema é um conjunto de poesias e poemas escrito por Mário de Andrade sobre a Primeira Guerra Mundial, chamada popularmente de Grande Guerra. O autor os produziu em um mês, tentando trazer toda a carga emocional deste conflito que, até o momento, era o maior da história. Ao ver as consequências da guerra sobre a sociedade e todas as mortes, Mário de Andrade decidiu expor tudo o que sentia. Assim, com um grande peso emocional, Mário de Andrade faz críticas, urgências e apelos à sociedade em que vivia.
Devastação
Mário de Andrade faz uma análise poética da ascensão e queda da humanidade. Em primeiro momento, o autor disserta sobre como os seres humanos começaram a crescer e ter mais controle sobre a natureza, entretanto, com o aumento de seu poder sobre o mundo e sobre si mesmos, principiaram sua corrupção e seu fracasso.
Já foi aqui a civilização.
Brilhou a luz. Cantou a fé. Riu o trabalho.
– Mas no rebanho há-de haver sempre algum tresmalho:
tresmalhou a afeição;
e veio a derrocada.
Devastação, poema de Há Uma Gota de Sangue Em Cada Poema.
Os Carnívoros
Esse poema faz referência aos momentos após a guerra, em que a vida começa a florir e o trigo começa a nascer. Mas ele não é trigo puro — na verdade, é regado pelo sangue daqueles que morreram nos campos de batalha, adubado pela carne dos soldados caídos.
Dessa forma, a revolta do autor volta-se ao fato de que a guerra — e sua inutilidade — serviu para que o povo se banhasse de sangue e, no fim, fosse obrigado a viver normalmente sobre territórios nos quais perderam os próprios irmãos.
Mas o trigo abastoso dos celeiros relembrará o sangue, a vida,
os penosos momentos derradeiros duma geração toda destruída…
Olhai! hoje o trigal é mais verde e mais forte!
O chão foi adubado a carne e sangue…
Que importa haja caído um exército exangue,
se deu a vida ao trigo tanta morte!
Este é o trigo que é pão e alento!
Vós que matastes com luxúria e sanha,
vinde buscar o prêmio: é o alimento…
Ei-lo: em raudal, em nuvem, em montanha!
Os Carnívoros, poema de Há Uma Gota de Sangue Em Cada Poema.
Espasmos
Em um ode às vidas perdidas na guerra, Mário de Andrade escreve um poema emocionante sobre a morte de um soldado na linha de frente da batalha. O poeta traz aspectos emocionais, de solidão e prosopopeia, enquanto tenta ilustrar o quão duro pode ser o sofrimento diretamente dentro dos campos de conflito.
Esse texto também tem como propósito trazer reconhecimento sobre a perda dentro e fora dos locais, uma vez que o soldado citado na peça aparentemente tem filhos em casa e sofre por deixá-los órfãos. Por fim, há a prosopopeia quando a natureza reconhece o quão dolorosa e melancólica é a situação e ao sol é conferida a ação de iluminar os cabelos do homem.
Ele pudera ouvir, caindo,
quando o estilhaço lhe rasgara o abdômen,
as joviais ovações dos seus soldados,
e, na fugida, os inimigos dizimados,
e os seus, em fúria, os perseguindo…
– E não restara um homem.
[…]
E os passarinhos riem desumanos…Sobem aos ares os primeiros hinos,
num triunfal e transbordante surto;
e em cima dele, com seus pios cristalinos,
libra uma cotovia o voo curto…
[…]
Principiavam ao longe os roncos e os estouros…Vincou desoladoramente a fronte.
Morreu sozinho. Mas o sol, lá do horizonte,
pôs o espasmo da luz nos seus cabelos louros.
Espasmos, poema de Há Uma Gota de Sangue Em Cada Poema.
Óbus
Obus é uma arma lançadora de granadas. Entretanto, esse poema especificamente faz referência à granada em si, que é lançada no ar como algo “triunfante”, mas que, quando cai, traz destruição. A peça reflete, inicialmente, uma imagem alegre e esperançosa de ascensão que, ao fim do texto, revela sua face: a de desespero.
É possível que uma alusão ao poema ‘Devastação’ seja feita, uma vez que ambos relatam momentos ascendência e declínio — um sobre a granada, que é jogada e destrói tudo ao seu redor, e o outro sobre a humanidade, que cresce e perde o controle do seu poder, se autodestruindo.
Ó! como é bom partir, subindo!…
Sob a palpitação da madrugada fria,
à ovação triunfal do dia infante e lindo
ó! como é bom partir subindo!…
Partir, alimentando um desejo de escol;
partir, subindo pelo espaço para o sol!…
Mas na suprema glória de subir, sentir
que as forças vão faltar:
e retornar de novo para a terra;
e servir de instrumento numa guerra;
e rebentar, e assassinar!…
Refrão de Obus, poema de Há Uma Gota de Sangue Em Cada Poema.
Conclusão
‘Há Uma Gota de Sangue em Cada Poema’ contém um alto apelo emocional, mas traz à luz debates intrinsecamente humanos quando falamos sobre guerra. Com enfoque nas consequências coletivas e humanas do conflito, Mário de Andrade consegue expressar toda a sua revolta contra as amarras sociais que transformam um conflito tão intenso quanto a Primeira Guerra Mundial em uma necessidade para sobrevivência dos povos, em vez de um sinal de seu fracasso.