QUAL O DESTINO DOS REFUGIADOS DAS ILHAS MALDIVAS?

QUAL O DESTINO DOS REFUGIADOS DAS ILHAS MALDIVAS?

Provavelmente você já deve ter visto notícias de pessoas e famílias que são motivadas a abandonarem suas casas e seu país de origem porque sofrem algum tipo de perseguição relacionada à raça, religião, posicionamento político ou porque o lugar em que habitam está passando por um conflito armado ou os Direitos Humanos estão sendo violados (ACNUR,2020). Esse fenômeno é muito comum e os refugiados já são figuras conhecidas tanto para a sociedade, os Estados, as Organizações Internacionais e para a mídia que já está familiarizada com isso.

Mas e quando as pessoas precisam emigrar porque foram vítimas de catástrofes naturais ou seu habitat natural está sendo ameaçado por problemas ambientais? 

É o caso dos refugiados ambientais. Um conceito pouco conhecido e que merece visibilidade internacional pela urgência em que se encontram as pessoas vulneráveis às mudanças climáticas do planeta. 

Em primeiro lugar, devido à aceleração da queima de combustíveis fósseis e da constante poluição, o meio ambiente tem sofrido consequências intensas e perigosas para a vida humana, como o crescimento do buraco da camada de ozônio e o aquecimento global. Fatores estes que atingem diretamente as calotas polares e provocam o derretimento de geleiras, o que gera a elevação do nível do mar a cada ano que passa, e consequentemente terá impacto direto sobre toda a humanidade. Porém, um impacto maior para as populações dos países insulares, mais conhecidos como os países situados em ilhas. 

Um dos países mais ameaçados no que tange essa questão são as Maldivas, um país situado no Oceano Índico, com uma economia voltada para o turismo, constituído por centenas de ilhas, algumas inabitadas, outras privativas, pertencentes a resorts e a mais famosa onde se encontra a capital Malé, com cerca de 140 mil habitantes, situada a 2,4 metros acima do nível do mar. 

Figura 1 – Mapa das principais Ilhas e a capital Malé nas Maldivas.

Fonte: WORLD ATLAS, 2020.

Figura 2 – Ilha com baixa topografia nas Maldivas.

Fonte: PIXABAY, 2020.

A repercussão do caso das Ilhas Maldivas teve início em 2004, quando um tsunami atingiu o conglomerado de ilhas e deixou 1.400 pessoas feridas, 83 mortas e 14 ilhas precisaram ser evacuadas, atingindo cerca de um terço da população diretamente pela catástrofe. 

Dentro desse contexto, em 2006 o governo das Maldivas lançou em conjunto com outros Estados interessados e Organizações Internacionais, como a UNICEF (Fundo de Emergência Internacional das Nações Unidas para a Infância) e o PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), uma proposta para a inclusão de um novo Protocolo à Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951[1], de forma a incluir e abranger de forma jurídica o que é entendido e reconhecido como refugiado pela ONU, a fim de proteger e salvaguardar as pessoas que precisam se deslocar de sua região por motivos de desastres naturais ou impactos ambientais provocados pelo homem (RAMOS, 2011). 

No entanto, a consolidação do termo não obteve total adesão dentro do Sistema Internacional e até os dias atuais não existe um consenso entre os pensadores e atores políticos acerca da maneira de classificação sobre quem seria de fato um refugiado ambiental. Para a Organização Internacional das Migrações (OIM) a definição adotada é:

Pessoas ou grupo de pessoas que, devido a alterações repentinas ou progressivas no meio ambiente, foram adversamente afetadas em suas vidas e, devido às condições que se encontram, decidem ou são obrigadas a deixar as suas casas [2].

Nessa linha, nos fóruns de discussão do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC)[3], um subcomitê já reconheceu que as Convenções da ONU[4] não oferecem previsões ou recomendações acerca dos refugiados e que nas Conferências em que o tema é debatido muitas vezes não há providências significativas. Ainda, a Aliança dos Pequenos Estados Insulares é uma Organização ativa desde 1990 com o intuito de fortalecer a demanda desses países ameaçados pelo clima, mas que ainda lidam com empecilhos para obter atenção e recursos para essa causa dentro do Sistema Internacional (CLARO, 2012). 

Para pensadores como Biermman e Boas (2010), o ideal seria a criação de um novo regime, ou seja, um conjunto de princípios, normas, regras e procedimentos acerca de como lidar com a questão dos refugiados ambientais, baseado no Reconhecimento, Proteção e Reassentamento dos Refugiados do Clima, através da Convenção da ONU sobre o Clima. Visto que as últimas reuniões da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas não elaboraram soluções concretas e falharam em promover soluções para o destino dos milhares de migrantes.

Então o que vai acontecer com a população das Ilhas Maldivas?

De acordo com o último relatório feito pelo IPCC em 2014[5] que reuniu análises sobre as taxas de emissão de gases do efeito estufa, previsão da temperatura nos próximos anos e a elevação do nível do mar, as Ilhas Maldivas estão entre outras várias ilhas que podem desaparecer até o ano de 2100 se nenhuma medida for tomada. Entre elas estão também Tuvalu no Sul do Oceano Pacífico e Kiribati no Pacífico Central. Assim, a previsão é que a temperatura do planeta aumente em 4,8 graus Celsius ainda nesse século, e que o nível do mar se eleve em 82 centímetros nos próximos anos.

As Maldivas estão entre os locais mais vulneráveis ao aumento do nível de água dos oceanos, uma vez que muitas de suas ilhas situam-se a pouco mais de 1 metro do nível do mar. Por isso, um aumento de qualquer proporção nos níveis de água marítima invariavelmente muda a geografia do país e torna crescente o número de refugiados ambientais que, fatalmente, deverão buscar abrigo fora do seu país de origem caso suas ilhas se tornarem inabitáveis (CLARO, 2012). 

O próximo relatório será divulgado em 2021 e as expectativas não são as mais positivas de acordo com os especialistas. O governo das Maldivas já identificou uma série de vulnerabilidades como a perda de terra e erosão das praias, danos à infraestrutura e assentamentos, danos aos recifes de coral, agricultura e segurança alimentar, recursos hídricos e falta de capacidade de adaptação (tanto financeira quanto técnica). E além da dificuldade de reconhecimento dos refugiados, o governo das Maldivas de 2009 elaborou um plano de reassentamento da população das ilhas menores para as ilhas maiores e abordou a possível transferência de toda a população das Maldivas para países como Índia e Islândia. Essa alternativa fracassou, mas deu origem à construção de muros na cidade de Malé, a fim de proteger a população de outros tsunamis e desastres. 

Fonte: MAGEY DHUNIYE, 2020.

Por fim, o destino dessas pessoas ainda é incerto e a cada ano que passa as previsões tendem a se aproximar. Portanto, uma agenda migratória ambiental global é de suma importância para a preservação dessas populações vulneráveis, assim como o investimento em alternativas eficazes através de medidas estratégicas que possam mitigar e precaver o desequilíbrio dessa relação socioambiental, além de soluções políticas, de governança e jurídicas a fim de reconhecer como legítima a vulnerabilidade dessas pessoas e promover o amparo. 

NOTAS

[1] Documento elaborado e ratificado pelos Estados a fim de reconhecer a definição do termo refugiado, obrigações gerais, direitos jurídicos entre outros fatores. 

[2]  Disponível em: <http://www.saocamilo-sp.br/pdf/bioethikos/98/05.pdf>. Acesso em: 02 nov. 2020.

[3] O IPCC é uma organização fundada em 1988 pela Organização Mundial Meteorológica Mundial (OMM) e pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) com o objetivo de fornecer aos governos todas as informações científicas que possam usar para desenvolver políticas climáticas. Atualmente 195 membros compõem a organização e cientistas independentes de todo o mundo trabalham para elaborar relatórios e estudos na área. 

[4] As Convenções da ONU são reuniões entre os representantes dos Estados acerca de alguma temática. Acerca do clima, a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, o Acordo de Paris e Conferência das Partes são alguns exemplos importantes. 

[5] O Quinto Relatório de Avaliação do IPCC fornece uma visão geral do estado do conhecimento sobre a ciência das mudanças climáticas. Disponível em: <https://www.ipcc.ch/report/ar5/syr/> Acesso em: 02 nov. 2020. 

REFERÊNCIAS 

ACNUR, Brasil. Refugiados. 2020 Disponível em: <https://www.acnur.org/portugues/quem-ajudamos/refugiados/>. Acesso em 29 out. 2020.

BIERMANN, Franz;  BOAS, Ingrid. Preparing for a Warmer World: Towards a Global Governance System to Protect Climate Refugees. Global Environmental Politics, v. 10, n.1, p. 60-88, fev. 2010. Disponível em <https://www.researchgate.net/publication/227627225_Preparing_for_a_Warmer_World_Towards_a_Global_Governance_System_to_Protect_Climate_Refugees>. Acesso em 29 out. 2020.

CLARO, Carolina de Abreu Batista. Refugiados ambientais: mudanças climáticas, migrações internacionais e governança global. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Sustentável) – Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília, Brasília, 2012. Disponível em <https://repositorio.unb.br/handle/10482/11970 >. Acesso em 29 out. 2020. 

RAMOS, Érika Pires. Refugiados Ambientais: em busca de reconhecimento pelo Direito Internacional. Tese (Doutorado em Direito) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. São Paulo. 2011. Disponível em <https://www.acnur.org/fileadmin/Documentos/portugues/eventos/Refugiados_Ambientais.pdf>. Acesso em 29 out. 2020.

IMAGENS 

WORLD ATLAS. Maps of Maldives. 2020. Disponível em <https://www.worldatlas.com/maps/maldives>. Acesso em 2 nov. 2020. 

PIXABAY. Maldivas Ilha Azul. 2020. Disponível em <https://pixabay.com/pt/photos/maldivas-ilha-azul-água-recurso-2058221/>. Acesso em 2 nov. 2020. 

 MAGEY DHUNIYE. Maldives – An Economy Sustained Through Foreign Contribution 2014. Disponível em <https://insaanun.wordpress.com/2014/04/23/maldives-an-economy-sustained-through-foreign-contribution/>. Acesso em 2 nov. 2020. 

Juliana Brito

Graduanda em Relações Internacionais na PUC Minas com mobilidade internacional na Universidade de Lisboa. Tem interesse em Segurança Internacional, Direitos Humanos e debates de gênero em RI.

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