DESMISTIFICANDO A PAPUA-NOVA GUINÉ: RELAÇÕES EXTERIORES DA NOVA POTÊNCIA REGIONAL DA OCEANIA

DESMISTIFICANDO A PAPUA-NOVA GUINÉ: RELAÇÕES EXTERIORES DA NOVA POTÊNCIA REGIONAL DA OCEANIA

Fonte: Pixabay

Localizada na Oceania, próximo à Austrália, a Papua-Nova Guiné tem uma população de aproximadamente 7,7 milhões de habitantes. A estrutura governamental do  país se divide em nacional, provincial e local. A sua Chefe de Estado é a Rainha Elizabeth II, a qual é representada localmente por um Governador-Geral (atualmente é o Governador Robert Dadae) o qual possui uma figura simbólica de governo. Quem de fato põe em prática as ações do poder Executivo é o Primeiro-Ministro (James Marape). O Parlamento Nacional do país possui 111 cadeiras, e os parlamentares são eleitos por um período de cinco anos (DFAT, 2020). No mais, de acordo com o Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas (da sigla em inglês, UNDP), o país ocupa a posição 155 no ranking mundial do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). O IDH da Papua-Nova Guiné é de 0,543, [1] ou seja, é considerado baixo.

O território de Nova Guiné, como era chamado até a segunda metade do século XX, foi colonizado inicialmente pelos holandeses em 1660, no qual controlou, desde então, a porção ocidental da ilha, a qual passou a se chamar Nova Guiné Holandesa (atualmente parte da Indonésia). Já os alemães reivindicaram, em 1884, a parte nordeste do território (Nova Guiné Alemã), e o Reino Unido colonizou, a partir de 1884, a parte sudeste, passando a se chamar Nova Guiné Britânica, conhecido como Território da Papua. Tal porção territorial foi devolvida à Austrália em 1902, reconhecendo e afirmando a confiança do governo britânico na administração australiana sobre a Papua-Nova Guiné (MITNA, 2018).

Figura 1- Divisão da Colonização da Papua-Nova Guiné e territórios da Indonésia (Papua e Papua Ocidental)

Fonte: Mitna, 2018, p. 31

Em 1949, o Território alemão e britânico foram unidos sobre a mesma jurisdição australiana, formando assim, o Território da Papua e Nova Guiné. Desta forma, a Austrália concedeu a independência ao jovem país em 16 de setembro de 1975. (MITNA, 2018, p. 31).

A Papua-Nova Guiné é um país extremamente fragmentado. São, pelo menos, 7.000 grupos culturais e mais de 850 tipos de dialetos. Culturalmente falando, isto a faz ser um dos países mais diversos do mundo (MITNA, 2018, p. 34). Portanto, isso reflete na falta de um sentimento de nacionalidade ou noção de pertencimento por parte da população papuásia [2]. Ademais, o país possui uma estrutura institucional frágil, com baixa capacidade na realização de serviços públicos com rapidez e qualidade. No mais, a falta de uma identidade nacional somada à fragilidade institucional, torna muito mais difícil a formação de uma política externa papuásia para um dado tema das relações internacionais.

Política Externa da Papua-Nova Guiné: Primeiros passos

Em anos anteriores à independência da Papua-Nova Guiné, isto é, entre 1971 e 1975, a política externa do país era formulada pela Austrália. Já no pós-independência, o país buscou tratar de temas exteriores de uma forma que fosse para além das relações com a Austrália, visando a diminuição da dependência da Papua-Nova Guiné à maior economia da Oceania [3]. Portanto, a capacidade de implementar uma política externa independente era limitada, dada a inexperiência do país em questões burocráticas e de liderança política. Desta forma, permanecendo o auxílio prestado no período pré-independência papuásia, a Austrália continuou a oferecer ajuda ao país para estruturar, em bases sólidas, as instituições governamentais (MITNA, 2018).

Mas por que a Austrália se interessou pela Papua-Nova Guiné?

Philip Mitna (2018), em sua tese de doutorado [4] intitulada “Fatores que influenciam a Política Externa da Papua-Nova Guiné no século 21” [5], aponta que o interesse australiano no país vem desde meados do século 19. E o principal fator que despertou o interesse australiano pelo território papuásio foi de ordem securitária. O maior receio da Austrália, segundo o autor, era que, devido a proximidade da Papua-Nova Guiné com potências do Leste e Sudeste Asiático, como China, Indonésia e Japão, e pela distância da Grã-Bretanha à Papua-Nova Guiné e à própria Austrália, esta pudesse vir a estar vulnerável nesse ambiente longínquo das potências ocidentais. Portanto, os australianos temiam também a ocupação por potências regionais do território papuásio, visto que isso representaria uma ameaça à soberania australiana, pelo fato da Papua-Nova Guiné ser bem próxima à Austrália, como aponta a figura abaixo.

Figura 2– Localização da Austrália e da Papua-Nova Guiné

Fonte: Google Maps, 2020.

Desenvolvimento da Política Externa Papuásia

A partir de 1980, a política externa do país visou novamente uma política de independência. Porém, dessa vez, o governo papuásio estava um pouco mais preparado (MITNA, 2018). Sendo assim, de acordo com o autor, entre 1975 e 1981, a tomada de decisão do governo papuásio em âmbito internacional era baseada na doutrina do “universalismo”, ou seja, a Papua-Nova Guiné seria um país amigo de todos os outros e inimigo de nenhum deles. Tal doutrina era frequentemente usada por países recém independentes, devido a falta de recursos disponíveis para estes se desenvolverem, inclusive, o autor cita o caso do Brasil, o qual também se utilizou da doutrina universalista. Do lado australiano – no pós-independência dos papuásios – o país se movia, com respeito às relações exteriores com a Papua-Nova Guiné, entre deixar o governo papuásio tomar as rédias da situação e controlar o governo do país vizinho.

Mesmo com uma maior experiência no âmbito das relações exteriores, a Papua-Nova Guiné, muitas das vezes, se mostrava dependente do governo australiano. No entanto, com a ascensão da China e Indonésia na região do Pacífico, o governo papuásio se viu em uma situação na qual seu poder de barganha, isto é, opções políticas que fosse além da australiana, aumentou devido ao acréscimo de opções de potências regionais que pudessem vir a cooperar com a Papua-Nova Guiné.

Sendo assim, em novembro de 1981, houve a primeira revisão da política externa papuásia desde a independência (1975). Agora, as relações exteriores do país deveriam ser pautadas na boa relação com os seus vizinhos diretos, isto é, Austrália, Ilhas Salomão e Indonésia; da consolidação e expansão das relações já existentes; e pela diversificação das relações exteriores, ou seja, uma menor dependência à Austrália (MITNA, 2018).

Vale ressaltar ainda que, entre 1991 e 1994, a Papua-Nova Guiné experimentou um rápido crescimento econômico, chegando a um pico de 13,8% de expansão do produto interno bruto (PIB) no ano de 1992. Portanto, o crescimento econômico papuásio trouxe ao país maiores perspectivas no que se refere ao seu posicionamento nas relações internacionais. Sendo assim, houve um aumento do seu poderio frente a negociações com outros países nas mais variadas questões.

Figura 3– Variação do PIB da Papua-Nova Guiné (1980-2025*)

Fonte: FMI, 2020

Desde então, a política externa da Papua-Nova Guiné (PEPNG) vem buscando ter um maior protagonismo regional, e isto tem consolidado e aprimorado as relações exteriores do país. Ademais, é perceptível a falta de vontade política para a promoção de uma básica unidade nacional para a formulação da PEPNG, visto que o país é muito diverso. Como bem aponta Mitna (2018), na maioria das vezes, ao tomar uma decisão de cunho internacional, os Primeiros-Ministros papuásios não levam muito em consideração a percepção do Ministro das Relações Exteriores. Mesmo assim, o país tem demonstrado uma grande capacidade de se conduzir nas questões internacionais. Dessa forma, Mitna revela que:

A Papua-Nova Guiné tem desenvolvido também um forte sentido de seu lugar na região e tem cada vez mais considerado a si mesma como uma importante potência regional com um papel de atuar na formação da ordem regional.

(MITNA, 2018, p. 76, tradução nossa)

Atualmente, observa-se que o governo papuásio ainda se mostra dependente da Austrália nas áreas técnicas, financeiras e militares. Portanto, ao tentar diversificar as relações exteriores, a política externa da Papua-Nova Guiné tem buscando estabelecer significativas relações com países da região denominada por eles de “norte” [6], principalmente com a China. Dessa forma, é perceptível o anseio do governo papuásio em reduzir cada vez mais sua dependência para com a Austrália e com o mundo ocidental em geral. (MITNA, 2018, p. 207), No mais, é de desejo do governo continuar aumentando sua atuação regional. Sendo assim, resumidamente, é possível apontar três objetivos centrais da política externa da Papua-Nova Guiné: (i) Diminuir a dependência com a Austrália e o mundo ocidental em geral; (ii) Aumentar e solidificar as relações com a região “norte”, principalmente com a China; e (iii) Atuar ativamente como uma potência regional.

Notas

[1] Em uma escala que vai de 0 a 1, quanto mais próximo de zero, menos desenvolvido o país é considerado. Quanto mais próximo de um, maior é o seu desenvolvimento humano.

[2] Gentílico de Papua-Nova Guiné.

[3] Austrália. Excetuando-se o Havaí, que é um Estado dos Estados Unidos, visto que este território também é considerado como Oceania.

[4] Tese de Doutorado elaborada para obtenção de título de Doutor em Filosofia pela Universidade Nacional Australiana (do inglês, Australian National University).

[5] Do original em inglês, “Factors Influencing Papua New Guinea’s Foreign Policy in the Twenty-First Century”.

[6] Seria o norte geográfico.

Referências

AUSTRÁLIA. Department of Foreign Affairs and Trade. Papua New Guinea country brief. 2020. Disponível em: <https://www.dfat.gov.au/geo/papua-new-guinea/Pages/papua-new-guinea-country-brief>. Acesso em: 02 nov. 2020.

FMI. Real GDP growth: Papua New Guinea. 2020. Disponível em: <https://www.imf.org/external/datamapper/NGDP_RPCH@WEO/PNG?year=2019>. Acesso em 02 nov. 2020.

GOOGLE MAPS. Austrália e Papua Nova Guiné. 2020. Disponível em: <https://www.google.com/maps/@-22.4148576,119.8216298,4z>. Acesso em 02 nov. 2020.

MITNA, P. Factors Influencing Papua New Guinea’s Foreig Policy in the Twenty-First Century. 2018. 267 f. Tese (Philosophy)- Australian National University, Canberra, Austrália, 2018.

UNDP. Papua New Guinea: Human Development Indicators. 2020. Disponível em: <http://hdr.undp.org/en/countries/profiles/PNG>. Acesso em 02 nov. 2020.

Thiago Barros

Graduado em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Goiás. Diretor Executivo do Dois Níveis.

Um comentário em “DESMISTIFICANDO A PAPUA-NOVA GUINÉ: RELAÇÕES EXTERIORES DA NOVA POTÊNCIA REGIONAL DA OCEANIA

  1. Informações de muito valia à respeito da Papua-Nova Guiné, principalmente sobre suas fragmentações e tipos de dialetos, destaco também os esclarecimentos de sua política. Obrigado pelo post.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *