O IMPÉRIO NO QUAL O SOL NUNCA SE PÕE
Você já ouviu a expressão “o império no qual o sol nunca se põe”? Do original em inglês “the empire on which the sun never sets“, a frase é comumente utilizada para descrever diversos impérios que tornaram a conquista colonial um empreendimento tão recorrente que sua extensão territorial pôde cobrir o planeta de leste a oeste. Desde o século XIX, até os dias de hoje, tal expressão passou a ser associada ao Império Britânico.
De origem no século XVIII e com o ápice de seu poderio no final do século XIX e início do XX, o Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte ainda é um país que detém uma quantidade expressiva de ilhas e territórios ultramar[1]. Por mais que a configuração do sistema internacional tenha mudado significativamente, desde o ápice do Império Britânico, algumas de suas conquistas coloniais foram mantidas.
A mudança começou ainda na primeira metade do século XX quando o poderoso império perdeu bastante influência no cenário internacional, após sua ex-colônia, os Estados Unidos da América (EUA), tomar o posto de maior superpotência ocidental. Com essa perda de poder, o Reino Unido se engajou em muitas disputas territoriais notáveis, perdendo colônias na África e na Ásia após a eclosão de movimentos independentistas. Diante disso, na tentativa de salvaguardar um pouco do poder de influência sobre suas ex-colônias, o país fundou a Commonwealth[2].
Neste artigo iremos focar em duas dimensões específicas das aventuras territoriais britânicas no século XX: o tratado transferindo a posse de Hong Kong para a China, e o embate militar contra a Argentina pelas Ilhas Malvinas, tema que ainda é sensível de debate no direito internacional na atualidade.
O “Século Imperial Britânico”
Segundo o historiador Gabriel Passetti (2016), o Império Britânico impôs sua hegemonia política, econômica e militar sobre o mundo por um século, partindo da derrota de Napoleão em 1814, durante a Era Vitoriana[3], até o início do século XX, período que ficou conhecido como Pax Britannica.. O termo comprime o período em que era de interesse tanto do Império Britânico quanto de seu principal concorrente, o Império Russo, manter a paz no continente europeu e levar os conflitos bélicos apenas para a expansão territorial extra-continental promovida por ambos.
Nesse sentido, Passetti enfatiza que o debate historiográfico atual é focado no dilema que questiona se o papel do Império Britânico no seu auge de poder foi benéfico ou maléfico para a Grã-Bretanha. O que não está em discussão, contudo, é o fato de que a expansão colonial foi uma poderosa arma dos ingleses, antes reforçada por meios militares e mais tarde mantida pelos ideais liberais adotados.
Outro historiador, Timothy Parsons (1999), chama o período de 1814 até 1918 de “Século Imperial Britânico” – título de seu livro. Nessa época, a supremacia inglesa sobre o globo era tão forte que o Reino Unido conseguiu assegurar seus interesses comerciais e expansionistas em outros Estados soberanos e independentes, como a China, o Império Otomano e a Argentina.
Decadência e declínio da Pax Britannica
Após a Primeira Revolução Industrial, na segunda metade do século XIX, a Grã-Bretanha começou a perder parte de seu poderio econômico mediante a ascensão de concorrentes como Estados Unidos (EUA) e Alemanha. A partir daí, o Império Britânico começou a perder sua hegemonia sobre o mundo. Diante disso, após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), seu posto foi ocupado pelos EUA[4] (ZUCATTO, 2015).
Apesar do declínio do poderio britânico, a ilha continuou a ser uma potência notável por todo o século XX, tornando-se a maior aliada ocidental dos Estados Unidos. Sendo assim, quando o Reino Unido foi confrontado com embates territoriais contra a Argentina e a China, nos anos 1980 e 1990, respectivamente, o país europeu saiu vitorioso, pelo menos no quesito diplomático.
Disputa das Ilhas Malvinas/Falkland
Geograficamente localizado a sudeste da Argentina, o arquipélago das Ilhas Malvinas/Falkland tem uma história de descoberta e colonização controversa. Porém, tudo aponta para o fato de que a disputa pelas ilhas já acontecia entre Espanha e Reino Unido no século XVIII (BANDEIRA, 2012)
Segundo o cientista político Luiz Alberto Bandeira (2012), o navegante britânico John Strong foi o primeiro a aportar na ilha em 1690 e a nomeá-la em homenagem ao 5º Visconde de Falkland. Mais de setenta anos depois, um navegador francês da cidade de Saint Malo (França) aportou na parte leste do arquipélago e nomeou-o de Îles Malouines – a origem do nome Malvinas. Em 1766, a Espanha conseguiu que a França cedesse sua base no arquipélago. Assim, os espanhóis expulsaram os britânicos da ilha e passaram a dominar o lugar até o início do século XIX.
Em 1811, a Espanha deixou o arquipélago das Malvinas graças à atenção exigida por guerras de independência em suas outras colônias. Assim, a administração das ilhas passou, automaticamente, para a Argentina em 1820. O Reino Unido aproveitou a troca de administração e, em 1833, retomou as Malvinas, expulsando todos os argentinos que viviam no local e hasteando a bandeira britânica no lugar da bandeira argentina.
Após essa expulsão sem cerimônia, a posse das Malvinas continuou a ser reivindicada pela Argentina como parte dos territórios da Terra do Fogo: Antártida e Atlântico Sul. O sentimento patriótico de que “Las Malvinas son argentinas” moveu a Junta Militar que governava o país sul-americano. Assim, em 1982, eles tentaram retomar o arquipélago por meio de empreendimento militar. Passados apenas dois meses e meio da tentativa de retomada argentina, a resposta militar da Grã-Bretanha, à época governada por Margaret Thatcher (1979-1990), foi eficiente e rápida o suficiente para encerrar o processo conhecido como Guerra das Malvinas. Desde então, a ilha continua sob posse do Reino Unido (BANDEIRA, 2012).
Contudo, até hoje a questão das Malvinas está em aberto no campo do Direito Internacional, já que, na Assembleia Geral das Nações Unidas, a entidade multilateral pediu que a Argentina e o Reino Unido resolvessem de vez esta questão por meio do diálogo pacífico.
Embate sobre Hong Kong com a China
Apesar de não ser um fato histórico tão difundido, a Ilha de Hong Kong, território crucial na geopolítica chinesa, foi, um dia, uma colônia britânica. No contexto das Guerras do Ópio, entre China e Reino Unido, no século XIX, o país europeu forçou a criação de uma área portuária de livre comércio no Leste Asiático ao ocupar Hong Kong em 1841. Logo, com a assinatura do Tratado de Nanquim de 1842, ficou estabelecido o domínio britânico perpétuo sobre a ilha asiática com a assinatura chinesa (SÁNCHEZ, 2012).
Em 1898, na Convenção de Pequim, após outros desdobramentos nas relações sino-britânicas, China e Reino Unido assinam um novo acordo que torna Hong Kong possessão britânica por um prazo de 99 anos. Assim, em nova reunião em 1997, a transferência de soberania de Hong Kong para a China é concluída, transformando a ilha asiática de colônia da Coroa Britânica para uma Região Administrativa Especial chinesa sob o governo de Deng Xiaoping (1978-1992) (SÁNCHEZ, 2012).
Conclusão
Pudemos perceber neste artigo que o Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte se mostrou historicamente digno de carregar a alcunha de “O Império no qual o sol nunca se põe”, principalmente durante a Era Vitoriana de conquistas coloniais extensas. E, por mais que no século XX o Império Britânico tenha declinado bastante em poder e perdido muito de sua larga extensão territorial, o país europeu se provou, ainda assim, uma grande potência militar e diplomática a ser levada a sério nas disputas territoriais sob o jugo da lei internacional da ordem global pós-Guerra Fria.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. Guerra das Malvinas: petróleo e geopolítica. Revista Espaço Acadêmico, n. 132, mai 2012.
BRITANNICA. Commonwealth. Encyclopaedia Britannica, 2021. Disponível em: <https://www.britannica.com/topic/Commonwealth-association-of-states>. Acesso em: 13 set 2021.
ONU NEWS. ONU pede à Argentina e ao Reino Unido para retomarem diálogo sobre Ilhas Malvinas ou Falkland. Nações Unidas, 2021. Disponível em: <https://news.un.org/pt/story/2021/06/1754902>. Acesso em: 13 set 2021.
PARSONS, Timothy H. The British Imperial Century, 1815-1914: A World History Perspective. Edição nº1. Lanham: Rowman e Littlefield, 1999.
PASSETTI, Gabriel. Os Britânicos e seu Império: debates e novos campos da historiografia do período vitoriano. História (São Paulo) v.35, e77, 2016.
SÁNCHEZ, Sylvia Martí. Hong Kong: de Colonia Británica a Región Administrativa Especial de la República Popular China. Revista de las Cortes Generales, n. 87, p. 189-229, 2012.
ZUCATTO, Giovana Esther. Transição Hegemônica e Poder Naval: O Declínio Inglês e a Ascensão dos Estados Unidos na Primeira Metade do Século XX. Monografia (Trabalho de Conclusão de Curso) – Faculdade de Ciências Econômicas (Departamento de Relações Internacionais), Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, p. 79. 2015.
[1] Territórios que são banhados por outros oceanos que não o que banha o país que os possui
[2] Associação de Estados independentes que se reconhecem como parte do Reino Unido e reconhecem a monarquia britânica como chefe simbólica de estado.
[3] Período que compreende o reinado da Rainha Vitória sobre a Grã-Bretanha (1837-1901)
[4] A destruição material e humana causada pela Segunda Guerra Mundial teve muito mais impacto sobre os países participantes da Europa. A Inglaterra, com todo o poderio que possuía, foi um dos maiores atingidos, o que facilitou que um país mais jovem, poderoso e menos atingido tomasse seu lugar: os Estados Unidos da América.
Estudar sobre a influência, extensão e duração do Império Britânico é fascinante. Texto excelente!