BRICS: AS OPORTUNIDADES PARA O BRASIL

BRICS: AS OPORTUNIDADES PARA O BRASIL

Líderes dos atuais membros do Brics reunidos na África do Sul: Lula, Xi Jinping (China), Cyril Ramaphosa (África do Sul), Narendra Modi (Índia) e Sergey Lavrov (ministro de relações exteriores da Rússia). Fonte: Ricardo Stuckert/Presidência.

Os BRICS estão em alta. Após o anúncio da adição de seis novos membros ao grupo – Argentina, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Egito, Etiópia e Irã -, a comunidade acadêmica, ocidental e não-ocidental, respondeu com a publicação de várias análises na tentativa de explicar o que a inclusão desses países poderia significar para o bloco e o sistema internacional. Desde a consolidação da sigla, foram lançadas diversas interpretações para refletir sobre as implicações do aparecimento desse grupo de países emergentes unidos por suas semelhanças, apesar de suas diferenças. No caso brasileiro, a opinião pública transmitiu preocupações acerca da aproximação do Brasil com Estados que exibem características autoritárias e não respeitam os direitos humanos (a propósito, vale frisar que esses elementos estão presentes na realidade brasileira). Com isso, torna-se importante a discussão sobre o tema pautada nos pensamentos que interpretam a diplomacia brasileira, a fim de que conclusões equivocadas acerca da política externa do Brasil sejam evitadas.

A origem dos BRICS

Após o fim da Guerra Fria e a consolidação da ordem mundial do liberalismo, grande parte da comunidade internacional via com bons olhos o futuro que se acercava. Os países acreditavam que os princípios da Carta das Nações Unidas seriam respeitados, a globalização distribuiria igualmente os frutos da conclusão do conflito entre as superpotências, e o poder daria lugar à solução multilateral. Com isso, o sonho era de que uma nova legitimidade, pautada pelo respeito aos direitos humanos, o desenvolvimento sustentável, o fortalecimento do direito das mulheres e os assentamentos urbanos, assumiria a realidade seletiva e precária do embate ideológico que marcou a segunda metade do século XX (Fonseca, 2013, p. 25). 

No entanto, apesar dos resultados positivos para o sistema internacional, no que se refere aos temas mencionados, o pós-Guerra Fria também foi marcado por crises humanitárias e financeiras. O surgimento das novas ameaças (crime organizado, terrorismo, mudanças climáticas) e o sonho frustrado do multilaterismo lançaram dúvidas sobre os rumos que o mundo estava tomando. Assim, como diz Gelson Fonseca Jr. (2013, p. 26), desde o início do século XXI, há uma demanda de ordem e não está claro quem vai produzir a oferta. Os ocidentais, até então, mostravam o caminho a ser seguido pelos atores com menos poder de barganha. Como afirma Kishore Mahubani (apud Fonseca, 2013, p. 26), “a liderança política é sempre precedida por liderança intelectual. Durante várias décadas, a intelectualidade ocidental forneceu a liderança intelectual. Na verdade, eles costumavam dizer ao mundo o que deveria ser feito. Hoje, eles estão claramente perdidos.”.

É nesse contexto de incertezas que os BRICS surgem com o propósito de conferir certa ordem ao sistema internacional, um ambiente em que os países emergentes não se sentem totalmente incluídos e representados. Vale lembrar que a sigla não pretende remodelar o sistema, ou reconstruí-lo à sua maneira, mas auxiliá-lo com reformas que garantam melhor representatividade dos países não desenvolvidos nas instituições financeiras e multilaterais (Baumann, 2015, p. 24).

Assim, o que preocupa os atores políticos do sistema internacional, em especial os hegemônicos, não são os aspectos financeiros do grupo, pela sua atração de investimentos, feita de maneira exitosa pelo crescimento espantoso dessas economias desde o início do século, mas sim suas características políticas. O desejo dos BRICS de reformar a governança global é o que mantém ocupados os analistas de política internacional, que tentam explicar as consequências disso para a conjuntura global.

Com isso, aspirando ganhar mais espaço nas principais instituições internacionais, o BRIC (o S representa a África do Sul, incorporada ao grupo em 2011) se reuniram pela primeira vez, de maneira informal, à margem da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em 2006. No ano seguinte, os quatro países se reuniram novamente, dessa vez coordenados pelos brasileiros, e durante esse almoço de trabalho foi sugerida a organização de uma reunião formal entre os chanceleres do BRIC (Reis, 2013, p. 57). 

Assim, a primeira conferência oficial de chanceleres foi realizada em 18 de maio de 2008, em Ecaterimburgo, na Rússia, instituindo a sigla como uma entidade político-diplomática. Faz-se importante destacar os trabalhos dos Ministros das Relações Exteriores do Brasil, Celso Amorim, e da Rússia, Sergey Lavrov, que recomendaram a formalização da sigla. Após outra série de encontros, a Primeira Cúpula do BRIC foi organizada na Rússia, em 16 de junho de 2009, com a presença dos chefes de Estado e de governo, que debateram, sobretudo, temas econômicos, tendo em vista a recente crise financeira que abalou o mundo, em 2008 (Reis, 2013, p. 57)

Dessa maneira, os BRICS se constituíram como um forte grupo composto por economias emergentes. No início do século XXI, a China alcançou o posto de segunda maior economia do mundo; o Brasil se transformou na sexta maior economia do mundo e essencial nos debates sobre desenvolvimento sustentável; a Rússia se destaca em matéria de segurança, com um grande arsenal nuclear e relevância no mercado de energia; a Índia é uma hegemonia regional e assumiu o posto de maior democracia do mundo; a África do Sul é um ator estratégico no continente africano e importante produtora de commodities.

A Cúpula de Fortaleza

Em 2014, a reunião anual do grupo foi realizada em Fortaleza, Ceará. A sexta cúpula se destacou pela extensa Declaração de Fortaleza, composta por 72 artigos, um Plano de Ação com 23 itens e uma lista com cinco novas áreas de cooperação para serem exploradas. Dentre os temas incluídos na Declaração, estão referências explícitas à Agenda de Desenvolvimento 2030 das Nações Unidas, à inclusão de metodologias conjuntas de indicadores sociais, à cooperação entre as agências para crédito às exportações e garantias de crédito dos diversos paises-membros dos BRICS a uma necessidade por revisão das quotas no âmbito do Banco Mundial, à adoção de um código de conduta para atividades espaciais e à cooperação no combate a crimes cibernéticos e à corrupção (Baumann, 2015, p. 27).

Outros dois pontos são destacados por Renato Baumann (2015, p. 28). O primeiro deles é a usual menção a outros países pelas Declarações, em que se expressam preocupações no tocante a situações que afetam outros atores políticos. Na sexta cúpula, o texto final mencionou pelo menos 12 países, em comparação com apenas 7 na Declaração de Durban, da cúpula anterior realizada na África do Sul. Isso revela uma nova dimensão do grupo, de avaliar problemas globais e posicionar a sigla em relação a essas situações. O segundo ponto avaliado é a dimensão regionalista do grupo. Na Cúpula de Durban, os países dos BRICS se reuniram com os demais líderes africanos. Em Fortaleza, repetiu-se o ocorrido, agora com os países da Unasul. Para Baumann, a sigla adotou um elemento de regionalismo, até então ausente.

Ao longo dos anos, os BRICS se transformaram de um mero grupo para assuntos econômicos para um bloco disposto a reformar o sistema internacional. Assim, a insatisfação com os rumos da governança global fez com que a sigla adquirisse uma dimensão política, abrangendo várias áreas da agenda internacional, ao posicionar-se a favor da reforma das instituições internacionais (como o Conselho de Segurança da ONU) e no que se refere aos eventos que moldam o sistema internacional.

Outro grande anúncio feito durante a Cúpula de Fortaleza foi a criação do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD). De acordo com o comunicado oficial, o novo banco tem o objetivo de mobilizar recursos para promover o desenvolvimento sustentável e projetos de infraestrutura não apenas nos países dos BRICS, mas também em outros atores políticos emergentes e em desenvolvimento, de maneira a complementar os esforços das instituições financeiras globais para fomentar o crescimento e o desenvolvimento global (Brasil apud Abdenur; Folly, 2015, p. 98). Para isso, a sigla afirmou que forneceria empréstimos, garantias e participação acionária e outros mecanismos financeiros, cooperaria com organizações internacionais e financeiras, e prestaria assistência técnica a projetos a serem implementados (Brasil apud Abdenur; Folly, 2015, p. 98). Dessa maneira, foi anunciado a abertura do banco a todos os países-membros das Nações Unidas e um capital inicial de US$ 100 bilhões além de um capital subscrito de US$ 50 bilhões, distribuído de forma igual aos membros fundadores.

A localização do banco também foi debatida entre os atores dos BRICS. A Índia, como propositora do banco, defendeu a instituição da sede em Nova Delhi. A China, por outro lado, pressionou os outros membros para que concordassem com o estabelecimento da sede em Xangai. O impasse foi superado após o Brasil, preocupado em fechar um acordo antes do fim da Cúpula, desistir de tentar indicar o primeiro presidente, passando o privilégio à Índia, e aceitar, em troca, a indicação do primeiro presidente do Conselho de Administração. A iniciativa dos brasileiros fez com que os indianos concordassem que Xangai fosse selecionada como sede do banco (Soto apud Abdenur; Folly, 2015, p. 99).

A presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, Dilma Rouseff, junto ao presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, posam para foto na sede do NBD, em Xangai, na China, em 2023. Fonte: Ricardo Stuckert/Presidência.

O Brasil nos BRICS

O Brasil conseguiu ser integrado no grupo de países emergentes mais importante da atualidade. Como disse o Ministro Antonio Patriota:

um grande legado dele [Barão do Rio Branco] é a capacidade de apreensão das mudanças. Na época em que o dinamismo econômico e o eixo de poder mudavam da Europa para os EUA, teve a capacidade de estabelecer uma boa relação com os EUA. Transferido para hoje, seria a capacidade de você se coordenar com os BRICS (Patriota apud Reis, 2013, p. 49).

A fala de Patriota interpreta a tradição diplomática brasileira. Ao longo de sua história, a política externa do Brasil, em grande parte, foi caracterizada pelos elementos de universalismo e independentismo. Com isso, o país sempre buscou manter os preconceitos ideológicos fora do manejo dos assuntos internacionais com o objetivo de cultivar relações frutíferas com várias comunidades políticas. Para Rubens Barbosa (2013, p. 349), o Brasil logrou fazer parte da coalizão das economias emergentes mais importantes em um movimento que normalmente levaria décadas para acontecer. 

As oportunidades para o Brasil englobam, sobretudo, duas áreas: a reforma das instituições financeiras e multilaterais, em especial o Conselho de Segurança das Nações Unidas, e a cooperação intra-BRICS. No primeiro caso, ao longo de sua história diplomática, o Brasil sempre pleiteou um assento permanente no principal órgão da ONU, com o argumento que a atual conjuntura do Conselho não reflete a pluralidade das nações que integram a organização e, por sua vez, é ausente de representatividade real (Brasil, 2023). Além disso, o discurso do presidente brasileiro Lula da Silva na 78º Assembleia Geral das Nações Unidas, posiciona o Brasil como a favor da reformulação dos órgãos financeiros mundiais, como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI), que, segundo Lula, reproduzem as desigualdades entre os países (Brasil, 2023). Com isso, a presença do Brasil junto a outros atores emergentes abre o caminho pelo qual os brasileiros possam perseguir o objetivo da reforma da governança global de maneira mais efetiva. 

Referente à cooperação entre os países dos BRICS, o Brasil pode se beneficiar pelo estreitamento dos laços com a sigla. No tema de desenvolvimento rural, a Rússia se posiciona como o principal fornecedor de fertilizantes, insumo vital para o agronegócio brasileiro. Em relação à energia, os fluxos intra-BRICS representam um interesse estratégico para o grupo, em que Índia e China são grandes importadores de hidrocarbonetos, enquanto Rússia e Brasil são importantes exportadores. Esses elementos de cooperação entre os membros do grupo resultam em comércio. A China envia manufaturados ao Brasil, com contrafluxo dos envios de soja, carne, açúcar e minério de ferro para a Índia, China e Rússia (Pfeifer, 2013, p. 126). Em razão do grande fluxo comercial entre esses países, é lógico se pensar que a sigla crie mais facilidades para expandir as trocas comerciais, como por exemplo o recente anúncio de que o Brasil e a China viabilizaram a transição direta entre a moeda brasileira e chinesa (real-yuan) para o comércio bilateral, abandonando o tradicional dólar (CNN, 2023). 

O presidente chinês, Xi Jinping (E), e o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, participam da sessão de fotos em grupo durante a Cúpula do BRICS no Centro Internacional de Conferências e Exposições de Xiamen, em Xiamen, província de Fujian, sudeste da China, em 4 de setembro de 2017. Fonte: KENZABURO FUKUHARA/AFP/Getty Images.

Conclusão

Os BRICS se consolidaram em um grupo de países emergentes com posições semelhantes acerca da governança global. A necessidade não surge somente da falta de representatividade, mas também da óbvia ausência de liderança dos países hegemônicos – Estados Unidos e as principais economias europeias. Com isso, a sigla possui a oportunidade de oferecer alternativas à atual ordem e maior inclusão de países de continentes excluídos dos processos de tomada de decisão. No entanto, apesar das convergências, o grupo enfrenta divergências no que concerne, sobretudo, a temas geopolíticos. A China e a Índia são os atores que mais apresentam desgastes nas relações bilaterais, em que ambos disputam pela hegemonia regional no continente asiático. Um dos reflexos mais recentes dessa disputa foi o não comparecimento do presidente chinês, Xi Jinping, à reunião do G20 em Nova Delhi. Logo, ainda que o grupo tenha pautas em comum, é necessário que as tensões diplomáticas intra-BRICS sejam superadas para que se empurre adiante a agenda da reforma da governança global.

Referências

ABDENUR, Adriana Erthal; FOLLY, Maiara. BRICS: estudos e documentos. Brasília: FUNAG, 2015, p. 79-114.

BAUMANN, Renato. BRICS: estudos e documentos. Brasília: FUNAG, 2015, p. 21-54.

BRASIL. Presidente (2023-2026: Luiz Inácio Lula da Silva). Discurso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na abertura da 78ª Assembleia da ONU. Nova Iorque, 19 set. 2023. Disponível em: https://www.gov.br/planalto/pt-br/acompanhe-o-planalto/discursos-e-pronunciamentos/2023/discurso-do-presidente-luiz-inacio-lula-da-silva-na-abertura-da-78a-assembleia-da-onu. Acesso em: 29 set. 2023.

FONSECA, Gelson. O Brasil, os BRICS e a agenda internacional. 2. ed. rev. ampl. Brasília: FUNAG, 2013, p. 21-46.

NASSIF, Tamara. Brasil e China assinam acordos para viabilizar transação direta entre real-yuan. CNN Brasil, 2023. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/economia/brasil-e-china-assinam-acordos-para-viabilizar-transacao-direta-entre-real-yuan-entenda/. Acesso em: 29 set 2023

PFEIFER, Alberto. O Brasil, os BRICS e a agenda internacional. 2. ed. rev. ampl. Brasília: FUNAG, 2013, p. 117-128.

REIS, Maria Edileuza Fontenele. O Brasil, os BRICS e a agenda internacional. 2. ed. rev. ampl. Brasília: FUNAG, 2013, p. 47-72.

Gabriel Moncada Xavier

Estudante de Relações Internacionais e experiente em simulações da ONU. Sou curioso e quero olhar para o mundo com todas as lentes possíveis. Gosto de diplomacia, política externa, organizações internacionais e Direitos Humanos.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *