O IMPACTO DAS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS NAS POLÍTICAS PÚBLICAS NACIONAIS

O IMPACTO DAS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS NAS POLÍTICAS PÚBLICAS NACIONAIS

Foto: Pixabay, 2023

Na área das Ciência Sociais ou Ciência Política é comum o foco em questões de políticas domésticas, enquanto na área das Relações Internacionais os estudos se voltam para a atuação de política externa do Estado nacional. Isso cria uma lacuna entre os temas, distanciando as áreas. Porém, as dinâmicas políticas internacionais e os seus atores, especialmente as Organizações Internacionais (OIs), estão constantemente ultrapassando fronteiras e impactando as políticas nacionais, seja através da sua expertise técnica, normas ou através do investimento direto em programas e políticas públicas de bem-estar social. Então, surge um questionamento: de que maneira os Organismos Internacionais impactam as políticas sociais nacionais de cada país? Esses fluxos podem ser entendidos a partir da lente da difusão de políticas sociais globais.

O QUE SÃO AS POLÍTICAS SOCIAIS GLOBAIS?

O fenômeno da globalização e os processos globais tiveram impacto direto nas políticas sociais dos países. As políticas sociais podem ser entendidas como aqueles mecanismos, políticas e procedimentos usados pelos governos, trabalhando com outros atores, para alterar os resultados distributivos e sociais da atividade econômica (Deacon, 2007, p.2). Essas políticas são “desenvolvidas, difundidas e implementadas com o envolvimento direto de atores e coalizões globais” (Orenstein, 2005, 177).

A globalização impacta nas políticas sociais da seguinte maneira: colocando os Estados de bem-estar em competição uns com os outros; trazendo novos atores para a elaboração de políticas sociais; incentiva um movimento global de povos (Deacon, 2007). Assim, esses processos globais criam um espaço político comum. As políticas sociais de um país dizem respeito aos arranjos de bem-estar, por isso, a conexão entre elas abre espaço para novos arranjos de políticas públicas que garantam e assegurem os direitos e qualidade de vida. 

Segundo Yeates (2002), a globalização permite que normas e modelos, se disseminem e entrem em diferentes esferas, fazendo com que tenhamos fluxos e alternativas de decisões semelhantes. Mas, não significa que as dinâmicas nacionais e locais são descartadas. Os Estados filtram e reconfiguram essas influências externas/ globais de acordo com suas próprias estratégias nacionais. 

Para Silveira (2011):

A política social enquanto uma política pública denota o reconhecimento das desigualdades e contradições sociais e por isso, constitui uma resposta planejada de enfrentamento e solução destas por parte do Estado. Política social não consiste meramente ajuda, piedade ou voluntariado, porém um mecanismo de realizar a democracia, ampliar a cidadania e justiça social, regular os direitos sociais e proteger o indivíduo excluído (Silveira, 2011, p. 2). 

O PAPEL DAS OIs NA DIFUSÃO DAS POLÍTICAS SOCIAIS:

As OIs são fundadas e integradas pelos Estados soberanos e tem como propósito minimizar a instabilidade global e as disputas diretas entre os países. São  agentes multilaterais, atores intermediários, que aproximam temas e problemas comuns entre os países. Elas acompanham as mudanças; realizam diagnósticos; constroem respostas, constroem acordos, desenvolvem um padrão de comportamento, normas e controle; e introduzem temas para a agenda global (Silveira, 2011).

Segundo Mônica Herz (2004), as OIs são atores centrais no sistema internacional, atuando como fórum onde circulam ideias e se legitimam mecanismos de cooperação entre os Estados e outros atores (Herz, 2004, p.23). Em 2000, a Declaração do Milênio, marcou a preocupação e o compromisso dos Estados de promover uma agenda política voltada para as questões sociais, na qual se defendia outra perspectiva para a política social: conseguir crescimento econômico sustentável, com inclusão social e proteção ao meio ambiente (Silveira, 2011).

É, de fato, a necessidade urgente de reduzir a pobreza, a exclusão e os conflitos o que tem levado a colocar a política social em primeiro lugar nas agendas de desenvolvimento no mundo”. (ONU, 2007, p.9).

As ações das ONGS, OIGs, empresas privadas, podem ter impacto sobre os Estados, mas não significa que a autonomia do Estado tenha diminuído ao ponto de já não possuir poderes reguladores. Na verdade, a presença focal e as ações de grupos da sociedade civil podem, em certos casos, fortalecer a mão do Estado (Yeates, 2002). Porém, é a partir desses atores e da realização de fóruns, conferências, etc que interesses são compartilhados entre autoridades (mais ou menos influentes) definindo linhas gerais para a orientação da política pública ou, na linguagem dos organismos internacionais, construção de consensos (Silveira, 2011).

As OIs possuem seis práticas articuladas que demonstram o seu impacto na elaboração de políticas públicas. São eles: 1) a organização de conferências internacionais; 2) Criação de canais, redes de comunicação e de cooperação horizontal entre os Estados e outros parceiros; 3) Sistematização de recomendações; 4) Elaboração de projetos de assistência técnica, ajuda humanitária, cooperação científica e multilateral; 5) Produção de documentos e pesquisas, onde a coleta, análise e divulgação de informação são cruciais e 6) Transferência de fundos, apoio, financiamento condicionado (Silveira, 2011).  

As OIs têm um papel fundamental na dinâmica de difusão e transferência de políticas sociais ao redor do mundo. A difusão pode ser entendida como um processo no qual a adoção de inovação por membro(s) de um sistema social é comunicada através de determinados canais e ao longo do tempo desencadeia mecanismos que aumentam a probabilidade de sua adoção por outros membros. Esse movimento acontece também devido a comunidades epistêmicas[1], que identificam uma política com potencial de transformação social, e promovem os programas para que sejam considerados por outras localidades (Osório, 2018).


[1] Comunidades Epistêmicas são redes que reúne especialistas de um campo (cientistas, peritos, etc) que partilham de ideias e crenças sobre relações de causa e efeito, estratégias de ação.

O QUE SÃO OS PROCESSOS DE DIFUSÃO E TRANSFERÊNCIA DE POLÍTICAS SOCIAIS:

De maneira muito simples e objetiva, a difusão de políticas públicas pode ser  definida como a adoção de uma mesma inovação em diferentes ambientes (Weyland, 2005), o que, naturalmente, abarca tanto processos internacionais de propagação como intra-estatais ou subnacionais (Faria, 2018, p.7).

Existem dois paradigmas distintos e complementares que marcam esse processo de adoção de uma mesma inovação/ política em diferentes ambientes: o da transferência e o da difusão de políticas. A transferência ocorre quando uma nação importa conhecimento sobre determinada política ou programa do exterior. Já a difusão se concentra na maneira como inovações, políticas e programas se espalham de uma entidade governamental para outra (Faria, 2018).

Podemos dizer que as OIs impactam em várias “etapas” do que conhecemos como “ciclo de políticas públicas[1]”. Por exemplo, elas influenciam na formação da agenda política em campanhas promovidas por agências da ONU sobre violência doméstica; elas impactam na agenda governamental quando observamos como os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODSs) se tornaram prioridades governamentais. Também interferem na formulação de políticas na medida que estes atores propagam “boas maneiras” a serem reproduzidas. Na “etapa” de implementação, as OIs também se fazem presentes ao fornecerem recursos financeiros e técnicos para a implementação de políticas e programas específicos. Por fim, elas também atuam na avaliação das políticas, pois avaliam os processos e recursos movimentados e os resultados políticos (Faria, 2018).


[1] A abordagem, ou modelo, do “ciclo de políticas” (policy cycle) foi inicialmente formulada, na década de 1950, por Harold Lasswell. O modelo retrata, como um tipo ideal de planejamento racional e de neutralidade da administração pública, o processo de produção da política desde a delimitação do problema a ser enfrentado pelo Estado até a avaliação da política formulada para tal finalidade […] O caráter artificial de qualquer dessas versões é unanimemente reconhecido, uma vez que, na empiria, o processo de produção das políticas obedece a distintas lógicas e percorre variados percursos (Carvalho; Fernandes; Faria, 2021 ,p. 14-15).

 

Porém, o sucesso da implementação de acordos, políticas e programas depende da questão ou área política envolvida e características do país, como ideologia governamental, regimes institucionais políticos e sociais, organização e mobilização de grupos de interesse e capacidade do Estado, bem como a localização estratégica de um país, seja em termos econômicos, políticos ou militares (Yeates, 2002). Somente os Estados têm a real possibilidade de definir e implementar políticas em seus territórios e isso depende das suas capacidades e atores nacionais, porém, de fato, as OIs conseguem influenciar na sugestão de temas para a agenda, negociar os acordos, sugerir recomendações e construir consensos amplos em seu espaço internacional e nacional (Silveira, 2011).

CONSIDERAÇÕES

Diante do que foi exposto, podemos perceber que, mesmo que pareça uma relação distante, as dinâmicas internacionais interferem significativamente nas políticas nacionais de diversos países. As OIs têm um papel fundamental na divulgação de temas extremamente relevantes e de impacto social como saúde, meio ambiente, educação, questões sociais, segurança etc. A partir disso, elas direcionam, sugerem e incentivam a prática de certas políticas e a implementação de programas que atuam nessas causas. Os Estados nacionais não são obrigados a adotar as medidas propostas, porém, devido ao alto grau de prestígio e expertise de certas OIs se torna quase uma “obrigação moral” atender a essas sugestões. No cenário internacional, manter boas relações faz toda a diferença na hora de construir e estreitar laços de cooperação. É importante frisar que existem limites nesse processo. Mesmo tendo um peso importante, no final, cabe aos Estados nacionais e não só as OIs a implementação de políticas políticas. Muitas vezes, mesmo com a adesão e os processos de difusão e transferência, as políticas se transformam para se adequarem as realidades em que são expostas. A difusão e transferência de políticas sociais de um Estado para outro evidencia a interdependência e as trocas presentes no cenário global. 

Para se aprofundar mais nessa literatura, os principais teóricos são: Barnett e Finnemore (2004), Jakobi (2009), Joachim, Reinalda e Verbeek (2008), Faria (2018), entre outros.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

-Carvalho, Thales; Fernandes, Jéssica; Faria, Carlos. Organizações Internacionais e Políticas Públicas Nacionais: variáveis organizacionais e instrumentos de difusão. Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 16, n. 2, e1112, 2021

-CRISTINA, E.; DA SILVEIRA, C. O DISCURSO SOBRE A POLÍTICA SOCIAL E AS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS DO SISTEMA ONU: uma relação peculiar. [s.l: s.n.]. Disponível em: <http://www.joinpp.ufma.br/jornadas/joinpp2011/CdVjornada/JORNADA_EIXO_2011/MUNDIALIZACAO_BLOCOS_ECONOMICOS_ESTADO_NACIONAIS_E_POLITICAS_PUBLICAS/O_DISCURSO_SOBRE_A_POLITICA_SOCIAL_E_AS_ORGANIZACOES_INTERNACIONAIS_DO_SISTEMA_ONU.pdf>. Acesso em: 13 set. 2023.

-Deacon, B. Global Social Policy & Governance. UK: SAGE, 2007.

-FARIA, C. A. P. de. As Organizações Internacionais como difusoras de políticas públicas. Monções: Revista de Relações Internacionais da UFGD, [S. l.], v. 7, n. 13, p. 29–49, 2018. DOI: 10.30612/rmufgd.v7i13.8718. Disponível em: https://ojs.ufgd.edu.br/index.php/moncoes/article/view/8718. Acesso em: 13 set. 2023. 

HERZ, Monica e HOFFMANN, Andrea Ribeiro. Organizações Internacionais. História e Práticas. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.

‌-Osorio-Gonnet, C. ¿Aprendiendo o emulando? Cómo se difunden las políticas sociales en América Latina. Santiago: LOM Ediciones, 2018.-Yeates, N. Globalization and Social Policy. From global neoliberal hegemony to global political pluralism. Global Social Policy, 2(1), 2002, p. 69-91.

Fernanda de Oliveira Batista

Nortista, bacharel em Relações Internacionais pela UFGD e mestranda de Gestão de Políticas Públicas na USP-SP. Entusiasta da área das RI, Terceiro Setor e Políticas Públicas.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *