MESSI, COPA DO MUNDO, PSG: AS ASPIRAÇÕES DO CATAR

MESSI, COPA DO MUNDO, PSG: AS ASPIRAÇÕES DO CATAR

Nasser Al-Khelaifi representa o emir e o Catar, além do PSG, na apresentação de Messi. Foto destaque: C. Gavelle/PSG/Fotos públicas.

“Em vez de falar sobre migração, condições trabalhistas e como o Catar trata sua comunidade LGBTQ, estamos falando de Lionel Messi, PSG e futebol.”

Simon Chadwick, professor de geopolítica econômica do esporte.

A contratação de Lionel Messi pelo Paris Saint-Germain (PSG)  foi considerada por muitos uma das maiores e mais midiáticas negociações da história do futebol mundial. O craque argentino, depois de anos representando o Barcelona, não renovou o contrato por questões internas do clube catalão e aterrissou em Paris para fechar com o clube francês. Esportivamente, é impossível questionar a contratação do argentino, visto que é comum constatar que Messi é colocado como um dos melhores — se não o melhor — jogadores de todos os tempos. Além disso, o PSG já conta com grandes nomes do esporte atual em seu elenco estrelado, mas o Catar e seu emir certamente contam com outros aspectos, além do esportivo, ao avaliar a influência do estrelado time parisiense e do esporte como um todo para o país do Oriente Médio.

A relação entre o Paris Saint-Germain e o Catar já foi discutida na Coluna do mês de maio (clique aqui para acessá-la), a qual tratou da semifinal da Champions entre Manchester City e PSG, contrapondo dois projetos do Oriente Médio. Em síntese, o PSG pertence ao Qatar Sports Investments (QSI), braço do Qatar Investment Authority (QIA), um fundo de investimentos soberano que tem Tamim bin Hamad Al Thani, emir catari, como CEO. O CEO do PSG, por sua vez, é Nasser Al-Khelaifi, amigo pessoal do emir e acumula a função de direção do QSI. Na prática, o time francês é de fato bancado pelos fundos do Catar, como se pode ver nas ligações entre as instituições. Mas por quê?

A DIPLOMACIA CULTURAL CATARI 

Para entender o motivo dos investimentos do Catar no PSG, deve-se entender as aspirações do Estado ao fazê-los. Mais do que interessado apenas no turismo, o Catar entende que precisa se diferenciar de seus vizinhos no Oriente Médio. Por essa razão, o país vê no esporte um dos meios importantes de reconhecimento internacional e assim o fez em algumas oportunidades, como no investimento no PSG, em contratações históricas, em patrocínios milionários em times como o Barcelona, na oportunidade de sediar grandes eventos, dentre outros. Esses fatores levam o Catar diretamente de encontro ao conceito de diplomacia cultural, o qual dialoga, de maneira geral, com a atuação dos países, no plano internacional, por ações simbólicas — como as citadas anteriormente —, buscando aproximação entre povos, a contribuição para abrir novas rotas de mercado para a indústria cultural e também para o estabelecimento de maiores vínculos com a comunidade externa.

Para o Catar, a diplomacia cultural significa ter o reconhecimento como um país diferente, rico, modernizado, comercial, integrado culturalmente e aparentemente próximo dos valores ocidentais que buscam conexão. Portanto, tendo esse esforço em vista, o PSG tende a ser uma alavanca do governo para uma boa imagem internacional. A contratação de Messi pelo PSG é, além de tudo, com ganhos esportivos ou não, uma propaganda para o país. A maior parte da comunidade do futebol enalteceu o PSG e seu presidente por dar a Leo Messi um novo time competitivo (o que já não existia no Barcelona), além de ter juntado em um só elenco, além do argentino, estrelas como o goleiro Donnarumma, Sérgio Ramos, Mbappé, Di Maria, Neymar e outros. O Catar viu a contratação de Messi com uma grande oportunidade de mostrar ao mundo seu lado que mais busca enaltecer. Segundo noticiado pela imprensa espanhola, inclusive, foi o próprio emir Al-Thani que barrou a transferência de Mbappé para o Real Madrid nesta temporada, sob o pretexto de não poder privar a chance do mundo de ver o trio MNM (Messi, Neymar e Mbappé) em campo, nem que isso custasse milhões de euros. Bom, a perda de uma estrela ligada à tentativa da diplomacia cultural custaria bem mais do que euros, custaria holofotes e publicidade ao Catar.

Nasser Al-Khelaifi — homem forte do QSI e do PSG — e Leo Messi durante a apresentação do craque argentino. Foto: C. Gavelle/PSG/Fotos públicas.

A COPA DO MUNDO E AS CRÍTICAS

Além do MNM e o sonho pela conquista da Liga dos Campeões, o Catar recebe em 2022 a Copa do Mundo da FIFA. Considerado por alguns um evento maior em importância do que até mesmo as Olimpíadas, a Copa do Mundo simboliza audiências épicas, grandes obras de infraestrutura e a reunião das maiores forças do mundo em uma só competição. Por essas razões, a escolha da sede se torna tão importante para a realização da Copa. Mesmo com todos os esforços do Catar para projetar-se internacionalmente por meio do esporte, com a diplomacia cultural e o soft power (conceito tratado na Coluna sobre os Jogos Olímpicos), o país ainda sofre com críticas que atrapalham a boa imagem que deseja exportar, como as acusações de apoio financeiro a grupos extremistas; compra de votos e suborno à FIFA para ser escolhido como sede da Copa de 2022; violação de direitos humanos; condições laboriais precárias; trabalho análogo à escravidão; além da maneira que lida com sua comunidade LGBT+.

Com todas essas questões indo de encontro ao desejo do governo do Catar de estabelecer uma “boa marca” e propaganda, muitas críticas também foram feitas à escolha da FIFA para a realização da Copa no país do Oriente Médio. Até hoje a decisão da maior entidade de futebol do planeta é contestada e cheia de lacunas, afinal, demonstra certa conivência por parte da Federação Internacional de Futebol aos diversos problemas no Catar. O jornal “The Guardian” apurou que mais de 6,5 mil trabalhadores morreram no país, desde que foi confirmado como sede do torneio. A pressão da comunidade do futebol se reflete em protestos de Seleções Nacionais e jogadores, por maior enfrentamento da FIFA às autoridades catari. A Alemanha foi uma das seleções que pediram maior atenção aos direitos humanos, sem nomear o Catar, enquanto jogadores como Toni Kroos, titular do Real Madrid, foram específicos ao denunciar as condições trabalhistas do país. A seleção da Noruega também vestiu mensagens que foram direcionadas às violações dos direitos humanos e a tendência é que essas discussões sejam cada vez mais frequentes com aproximação de 2022.

A promessa norueguesa Erling Haaland utilizando uma camiseta com a mensagem “Direitos Humanos: dentro e fora do campo” em um protesto contra a violência trabalhista no Catar. Foto: Reprodução Twitter/@nff_landslag

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Portanto, nota-se como o Catar vê no esporte um importante meio para consolidação de sua política externa, se utilizando do soft power, da diplomacia cultural, do sportswashing (clique aqui para saber mais sobre soft power e aqui para sportswashing) e de outros meios para exportar uma imagem específica para o resto do mundo. A contratação de Messi, por exemplo, provavelmente fez os governantes do Catar se animarem com as possibilidades que o jogador atrai para o país. E ainda mais em um futuro próximo com a sede da Copa, o Catar promete se utilizar de tantos holofotes para se aproximar da comunidade internacional. De fato, as críticas existem, mas é de suma importância conhecer os motivos e aspirações do Catar para evitar que a associação com jogadores como Leo Messi e Neymar; o estrelado time do PSG; e as grandes estruturas tecnológicas que prometem estar na Copa coloque as denúncias no esquecimento coletivo, pois estas ainda existem e merecem ser tratadas por uma solução definitiva.

REFERÊNCIAS

AFP (São Paulo). Catar confia no sucesso do PSG para melhorar sua imagem internacional. Gazeta Esportiva, [s. l.], 23 ago. 2020. Disponível em: https://www.gazetaesportiva.com/times/paris-saint-germain/catar-confia-no-sucesso-do-psg-para-melhorar-sua-imagem-internacional/. Acesso em: 5 set. 2021.

BBC. Messi no PSG: por que o Catar é o grande beneficiado com chegada do craque argentino. G1, [s. l.], 11 ago. 2021. Disponível em: https://g1.globo.com/mundo/noticia/2021/08/11/messi-no-psg-por-que-catar-e-o-grande-beneficiado-com-chegada-do-craque-argentino.ghtml. Acesso em: 5 set. 2021.

DRUMOND, Maurício. A projeção internacional do Catar por meio do Paris Saint-Germain. Nexo, [s. l.], 4 mar. 2018. Disponível em: https://www.nexojornal.com.br/externo/2018/03/04/A-proje%C3%A7%C3%A3o-internacional-do-Catar-por-meio-do-Paris-Saint-Germain. Acesso em: 5 set. 2021.

ESTADÃO CONTEÚDO. Toni Kroos denuncia condições de trabalho “inaceitáveis” no Qatar. IstoÉ, [s. l.], 31 mar. 2021. Disponível em: https://istoe.com.br/toni-kroos-denuncia-condicoes-de-trabalho-inaceitaveis-no-qatar/. Acesso em: 5 set. 2021.

NOVAIS, Bruno do Vale. O que é diplomacia cultural?. Interação, [s. l.], v. 11, ed. 2, p. 59-70, julho 2020. DOI http://dx.doi.org/10.5902/2357797547497. Disponível em: https://periodicos.ufsm.br/interacao/article/view/47497/pdf. Acesso em: 5 set. 2021.

REDAÇÃO DO GE. Jornal: Emir do Catar foi quem barrou transferência de Mbappé do PSG para o Real Madrid. GloboEsporte, Paris, 1 set. 2021. Disponível em: https://ge.globo.com/futebol/futebol-internacional/futebol-frances/noticia/jornal-emir-do-catar-foi-quem-barrou-transferencia-de-mbappe-do-psg-para-o-real-madrid.ghtml. Acesso em: 5 set. 2021.

REDAÇÃO DO GE; AGÊNCIAS INTERNACIONAIS. Anistia Internacional pede à Fifa que pressione Catar sobre direitos dos trabalhadores. GloboEsporte, [s. l.], 22 mar. 2021. Disponível em: https://ge.globo.com/futebol/futebol-internacional/noticia/anistia-internacional-pede-a-fifa-que-pressione-catar-sobre-direitos-dos-trabalhadores.ghtml. Acesso em: 5 set. 2021.

Mateus Rodrigues Ramos

Natural de Catalão (GO) e graduando em Relações Internacionais pela UFG. Sou interessado por Conflitos Internacionais, temas históricos, diversidade cultural e estudo de idiomas. Apaixonado por futebol, games e cultura pop em geral, estou sempre disposto a questionar e aprender.

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