LEMBRAI-VOS: AS OLIMPÍADAS DE 2016
Olá, seja bem vindo a mais um capítulo de Fabula Orbi, onde contamos a história da história. Novo por aqui? Confira nossos textos anteriores!
Olimpíadas à brasileira
Onde você estava quando recebeu a notícia de que o Brasil receberia a próxima Olimpíada? É bem possível que se lembre, ainda que se trate de um acontecimento pontual ocorrido há 12 anos, principalmente caso more no Rio de Janeiro. O anúncio recebeu ampla cobertura midiática, precipitando uma série de debates sobre o tema nas semanas seguintes.
A partir da notícia tão esperada, instaurou-se um certo ânimo que reverberou quase que automaticamente por toda a sociedade brasileira, seguindo a velocidade dos meios de comunicação. Entretanto, esse sentimento não permaneceria constante, pelo contrário: sofreu diversas variações de acordo com as pressões exercidas sobre a opinião pública pelos atores envolvidos.
A historiografia costuma ser a maior fonte de memória, porém não a única, principalmente no que diz respeito a eventos recentes. Dado o curto período de tempo, os trabalhos historiográficos que abordam um objeto novo ainda não atingiram maturidade plena, além disso, a impressão da opinião pública ainda está viva nas mentes das pessoas, dando sobrepeso para as narrativas não-acadêmicas. Por isso que hoje vamos nos atentar para os movimentos nesse campo específico.
A imprensa foi a responsável por inflamar a opinião pública até o último dia de Olimpíadas. Entretanto, deve-se ter em mente que a influência de uma sobre a outra não é unilateral, mas recíproca, ou seja, a atividade da imprensa também é moldada pelo senso comum que ela própria ajuda a criar. Isso significa que, caso surja um outro fator poderoso o suficiente para transformar o clima e a visão das pessoas, boa parte da imprensa vai responder a isso, na intenção de dar às pessoas o que elas querem ver.
A Campanha
O desejo de trazer as Olimpíadas para solo nacional já era anterior à campanha da Rio 2016. Em 1997 e 2005, a cidade lançou candidaturas para 2004 e 2012 respectivamente, sem sucesso. Os projetos falharam ainda na fase de apuração técnica do COI, em que o Comitê avalia as condições materiais da cidade-candidata para realizar os Jogos.
Nesse sentido, a realização dos Jogos Pan-Americanos em 2007 foi essencial para promover reformas importantes na infraestrutura esportiva e como ensaio geral para a logística da cidade. Muitas obras foram feitas já na intenção de receber competições olímpicas como a construção do Estádio Olímpico Nilton Santos (Engenhão), da Jeunesse Arena, do Parque Aquático Maria Lenk e as reformas do Maracanã (e do Maracanãzinho) e do complexo esportivo de Deodoro.
Graças à experiência do Pan, o Rio de Janeiro conseguiu uma estrutura básica sólida e know-how num grande evento esportivo internacional. Assim, em 2009, a terceira tentativa da cidade obteve êxito em avançar para a fase final, a fase política.
Para o desafio seguinte, teve início uma articulação entre os diferentes níveis do poder executivo — município, governo e União — para a viabilização do projeto e capitalização de apoio, tanto interno, quanto externo. Empresas estrangeiras com experiência prévia em Olimpíadas nos ramos de comunicação e de transporte foram contratadas e uma campanha massiva de publicidade foi organizada — a “Rio: Viva essa paixão”.
A essa altura, a campanha ganhou as ruas e a população foi inserida no esforço. A máquina propagandística do Estado atuava a todo vapor, de modo que logrou deixar pouco espaço para questionamentos. A sociedade brasileira ainda não tinha noção das implicações que aquela aventura poderia trazer. A vida — de modo geral — ia bem e os Jogos são de fato um evento interessante, então por que não embarcar junto?
A disputa com as outras cidades-candidatas prometia ser difícil. Rio de Janeiro/Brasil disputou com Madri/Espanha, Chicago/Estados Unidos e Tóquio/Japão, todas do “mundo desenvolvido”, sabidamente capazes de sediar os Jogos.
Todavia, o COB soube transformar as fraquezas aparentes em pontos fortes. Se por um lado havia desconfiança quanto à capacidade do país de realizar o torneio com eficácia, por outro havia a perspectiva de trazer os Jogos pela primeira vez à “periferia global”, um sinal de democratização das relações internacionais. Outra questão que obstaculizava o pleito tupiniquim era a profunda desigualdade social e para isso, os brasileiros exploraram a ideia de legado olímpico como ninguém: o fluxo de capital atraído pelas Olimpíadas — tanto na preparação, quanto na realização — proporcionaria ganhos de qualidade de vida geral, que de outro modo não teriam como ocorrer. A pobreza passou a virar um atrativo, na medida em que as Olimpíadas ganharam uma “função social”.
No dia 2 outubro de 2009, o prefeito Eduardo Paes decretou ponto facultativo na cidade para ajudar a população a encher a praia de Copacabana, onde havia um palco e um telão para transmissão ao vivo da eleição. A missão foi cumprida e os cariocas atenderam ao chamado.
Enquanto isso no local da votação, em Copenhague, o Brasil era representado por uma delegação de 60 pessoas, que reunia personalidades do alto escalão da sociedade, entre políticos, empresários, dirigentes e atletas.
No momento em que o resultado foi proclamado, uma efusão ufanista tomou conta do país, como num gol decisivo em Copa do Mundo, mas dessa vez com sabor inédito. A cena icônica dos representantes brasileiros estraçalhando a etiqueta no meio dos gringos sintetizou bem o momento, que se conjugou perfeitamente com o bandeirão estendido sobre as pessoas na festa em Copacabana, onde lia-se “Rio loves you”.
Quando a elite, o povo e a mídia se juntam em algo, só um alienígena para não acompanhar o movimento.
Fim da lua de mel
Bonito, mas não durou muito. O ambiente se deteriorou progressivamente à medida que os anos foram passando. O Brasil até aquela eleição vinha numa verdadeira ascensão de desenvolvimento e prestígio internacional. A década de 80 trouxera a democracia de volta, a década de 90, a estabilização econômica e o novo milênio, um cenário externo extremamente favorável graças ao boom das commodities, alavancando a economia do país, que se arriscava em ousadas políticas de assistência social para compartilhar o crescimento de forma mais igualitária na sociedade. Com os anos 10, começa a crise política e econômica que dura até hoje.
A insatisfação popular atingiu sua fase aguda em 2013, quando ondas de protestos varreram o país. Manifestações tornaram-se comuns na vida social brasileira por pelo menos 3 anos a partir de então. A Copa do Mundo e as Olimpíadas rapidamente entraram no alvo dos protestos, pois perderam sentido aos olhos dos indignados, que viam nos mega eventos, apenas sumidouros de dinheiro público.
Fazendo coro à deslegitimação do evento, a imprensa fazia chover sistematicamente uma saraivada de dúvidas quanto à capacidade de realizá-lo, que pareciam aumentar com a sua iminência. A lista abaixo reúne alguns dos principais pontos debatidos:
- Dificuldade de operacionalização da rede de transportes;
- Atraso nas obras;
- Capacidade de hospedagem insuficiente;
- Obras em reserva ambiental;
- Remoções na Vila Autódromo;
- Desapropriações na Providência;
- Violência urbana crônica;
- Estado do Rio declara falência;
- Falhas técnicas de infraestrutura;
- Surto e risco de epidemia do Zika Vírus.
Somando-se aos problemas técnicos e sociais, havia a tempestade política causada pelo processo de impeachment, que afastou a presidente Dilma meses antes das Olimpíadas e pela lava-jato — que revelou o maior esquema de corrupção da história do país, com vários políticos investigados, inclusive Eduardo Paes, Sérgio Cabral e Lula, respectivos prefeito, governador e presidente articuladores da campanha pela Rio 2016.
A população não chegou de bom humor para os Jogos. Uma pesquisa feita pelo Datafolha em Julho de 2016, semanas antes do grande evento, apontou que 50% da população era contrária a ele e 9% era indiferente, quanto à expectativa de assisti-lo, 51% declarava nenhum interesse e 33% declarava pouco interesse.
Ainda no mesmo mês, o Ibope realizou outra pesquisa. Nela 60% dos brasileiros acreditavam que as Olimpíadas trariam mais prejuízos do que benefícios ao país. Quando solicitados para avaliar sua expectativa numa escala de “gelado, muito frio, frio, morno, quente, muito quente, fervendo”, 73% responderam entre gelado e morno.
O pessimismo era generalizado. Estava tudo pronto para a pior edição da história.
Vira a chave. A cidade tá on.
Cerca de um mês depois, ainda durante os Jogos, o Ibope voltou a investigar a opinião das pessoas. Descobriu que ainda continuavam achando tudo aquilo um desperdício (62% acreditava em prejuízos), porém 42% classificava seu andamento como ótimo ou bom e 30% como regular, descobriu ainda que 57% acreditava num saldo positivo para a imagem do país no exterior graças a ele.
Já depois do encerramento, o Datafolha identificou até mesmo uma inversão: 56% das pessoas viam mais benefícios do que prejuízos. Mas afinal, o que houve?
É possível identificar alguns movimentos de véspera e durante os jogos que produziram essa mágica. Vejamos:
Os gringos (e brasileiros de outros estados) não estavam dando a mínima para os problemas da cidade ou do país, chegaram em clima de festa, querendo desfrutar do momento e esbanjando alegria. Logo os pontos turísticos e as áreas de boemia do Rio foram inundadas por gente exótica e desejosa de confraternização. Por aqui, qualquer coisa parecida com carnaval, vira carnaval. Não precisamos de esforço para criar pretextos.
Atletas renomados e ídolos internacionais chegaram prontos para os holofotes, cheios daquelas declarações clichês que adoramos sobre a beleza da cidade e do povo. Essas interações também ajudaram a criar um mood benigno.
O interesse comercial da grande mídia e dos patrocinadores começou a verter a imprensa para outra direção, afinal eles tinham que obter audiência. Era necessário instigar o interesse do público e então, verificou-se um aumento substancial de matérias positivas sobre as Olimpíadas.
Esses movimentos foram juntando a pólvora no barril, o ímpeto da população estava pronto para vir à tona. A cerimônia de abertura foi o momento chave que acendeu o fósforo e incendiou as pessoas. O mito criacional brasileiro da miscigenação foi contado de forma primorosa, desembocando numa sociedade aberta à diversidade e tolerante, que tem seus problemas, mas os reconhece e tenta aprender. Essa jovem sociedade, agora se levanta como uma grande nação e dá as boas vindas ao mundo à sua casa. Tudo isso mobilizando diversos ícones nacionais, em particular aqueles reconhecidos no estrangeiro.
Emocionou e encantou. A imprensa internacional caiu de amores e o brasileiro pode esquecer a crise por um momento e saborear uma boa dose de orgulho.
Durante os 15 dias de competição, os medos alardeados não se confirmaram. Tudo correu bem, ainda que com um ou outro incidente que não comprometeu a qualidade do espetáculo. Inclusive as ondas de protestos, que haviam começado em 2013, perderam fôlego, restando uma ou outra manifestação sem maiores repercussões.
A cerimônia de encerramento também foi uma celebração digna, que reafirmou o sucesso das Olimpíadas Rio 2016. Junto à sua partida, retorna a realidade com os problemas de sempre.
Hoje, fora do transe, podemos observar com mais clareza os prós e contras. Os mais ranzinzas são céticos em relação ao “legado olímpico” e custam a reconhecer algo, os saudosos são mais condescendentes e tendem a valorizar mais as obras herdadas.
O fato é que a profecia de Thomas Bach, o então presidente do COI foi cumprida: “Nós esperamos, no Rio, Jogos Olímpicos a la Brasil”. Com toda sua ambiguidade, desafios e fervor, de fato, foram Olimpíadas à Brasileira.
Referências Bibliográficas
BUARQUE, Bernardo, MEDEIROS, Jimmy e BISSO, Luigi. Megaeventos esportivos, opinião pública
e mídia: um balanço da cobertura midiática e das pesquisas quantitativas sobre os jogos olímpicos rio 2016 in Memória das Olimpíadas no Brasil: Diálogos e olhares. Fundação Casa de Rui Barbosa. Rio de Janeiro, 2017.
CHAGAS, Viktor. Sobre vaias: considerações acerca do jogo político (political game) e da brincadeira política (political play) in Memória das Olimpíadas no Brasil: Diálogos e olhares. Fundação Casa de Rui Barbosa. Rio de Janeiro, 2017.
Casa Rui Barbosa. Preservação da Memória das Olimpíadas – documentário. Youtube, 22/05/2018. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=N2j2VLvXvLc> Acesso em: 25/07/2021
INFRAESTRUTURA Rio 2016: acertos x erros. G1, 22/08/2016. Disponível em: <http://especiais.g1.globo.com/rio-de-janeiro/olimpiadas/rio2016/2016/olimpiada/> Acesso em: 01/08/2021
OLIMPÍADA foi ‘desperdício que deu certo’, aponta Ibope. Estadão, 20/08/2016. Disponível em: <https://esportes.estadao.com.br/noticias/jogos-olimpicos,olimpiada-foi-desperdicio-que-deu-certo-aponta-ibope,10000070907> Acesso em: 06/08/2021
IBOPE: brasileiros veem mais prejuízos que benefícios ao país com Olimpíada. G1, 27/07/2016. Disponível em: <http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/olimpiadas/rio2016/noticia/2016/07/ibope-brasileiros-vem-mais-prejuizos-que-beneficios-ao-pais-com-olimpiada.html> Acesso em: 01/08/2021
REJEIÇÃO dobra e metade dos brasileiros é contra Olimpíada. Datafolha, 19/07/2016. Disponível em: <https://datafolha.folha.uol.com.br/opiniaopublica/2016/07/1793176-rejeicao-dobra-e-metade-dos-brasileiros-e-contra-olimpiada.shtml> Acesso em: 01/08/2021